Já faz algum tempo que não
escrevo a partir de filmes. Houve um período até que acharam que eu estava
tentando tornar-me alguma espécie de crítico de cinema. Como expliquei, essa
nunca foi a intenção. E continua não sendo, mesmo porque dessa vez comento a
partir de um filme que abandonei pela metade e não sei nem mesmo como termina e
foi justo pela angústia provocada pela perspectiva do final do filme que me fez
desistir de assisti-lo todo. É bem provável que em outra oportunidade eu veja o
filme completo, mas há dias em que não se está bem e isso acaba catalisando
sentimentos como a angústia da temática evocada pelo filme. Contudo, o enredo
não deixa de despertar reflexões posteriores e esse blog acaba sendo, como sempre,
vítima desses pensamentos.
O filme, uma produção conjunta
alemã, britânica, suíça e dinamarquesa,
de título original perfect sense, em
português nomeado como "Sentidos do Amor", coloca um casal como pano
de fundo de uma pandemia que assola a humanidade, onde um a um os sentidos,
olfato, paladar, audição, visão e tato, vão sendo perdidos. Lembrem-se que não
assisti tudo, mas o que importa aqui é pensar como seria uma vida sem sentidos.
Na verdade, o que dá sentido a vida são justo os sentidos. São eles que fazem
com que pessoas e fatos, parafraseando Milan Kundera, se inscrevam em nossa
memória poética.
Acredito que o filme me deixou
assim tão angustiado porque desde criança a ideia de perda de algum sentido
sempre me assustou. Já adulto passei a encarar o fato de que estou perdendo o
sentido da audição de um dos ouvidos. Imaginar perder todos os sentidos então,
acaba potencializando esse medo. Mas dizem que uma das formas de enfrentar os
medos é falar sobre eles. Talvez por isso esteja aqui nesta madrugada
escrevendo esta postagem.
Sem o olfato, não teríamos
memórias das mais marcantes. Pelas narinas nos vem o ar puro, ainda que engarrafado
e também a fragrância única formada pelo contato do perfume utilizado com a
pele da pessoa que se ama. As pétalas de rosas não se entranhariam tanto em
nossa alma e o cheiro do mato agreste
após a chuva não deixaria tantas lembranças.
Sem o paladar, perde-se grande
parte do sabor da própria vida, como o gosto de morangos com chocolate e vinho
ou mesmo sushis comidos com indiscreta e bem humorada displicência. O sabor de
um beijo diferente de todos os outros só é possível porque o cérebro consegue
interpretar maravilhosamente o que nos quer comunicar nossas papilas
gustativas.
Sem a audição... (arrepios me
invadem). Sem a audição, o som daquela voz que não se esquece e não se quer
esquecer nunca, não transformaria tanto os nossos dias. E o que dizer das
músicas que fazem parte de nossa história e que nos transportam para momentos
que ficaram eternizados?
Sem a visão não seria possível
perceber que o mundo fica ainda mais colorido quando se sente uma emoção que
nunca se experimentou antes. Sem a visão o rosto da pessoa amada e de pessoas
queridas não fariam parte de nossa memória. O que dizer daquelas fotografias,
com efeitos especiais ou não, que podem ser expostas nas paredes do quarto
lembrando a felicidade vivida? Memória fotográfica literalmente... Mais sobre a
fotografia...? Bem, disso já falei em postagem anterior...
Sem o tato, sem o contato, sem
o abraço, sem o toque, sem a pele, sem a textura, sem o calor da água quente do
chuveiro, sem o frio que pede agasalho e aquecimento, sem sentido...
Peço que não julguem o texto,
ao menos dessa vez. Apenas aceitem-no, se possível, assim como está escrito. Sei
que cada um pode dar sua própria interpretação e que o texto uma vez escrito
não mais pertence ao autor, mas imaginem que é apenas um texto de alguém que
tem medo e que está buscando formas de vencer esse medo, como que numa terapia,
onde a fala é o meio de cura. Já escrevi textos com o objetivo de polemizar, de
contrariar, até mesmo de agredir, mas esse é apenas para buscar um pouco de uma
sincronicidade entre escritor e leitor, não para satisfação do ego, mas pela
felicidade que se tem quando se lê o que se pensa e quando se escuta (audição
de novo) que o que se escreve é exatamente aquilo que o outro pensa. Aquelas
coisas que dão, enfim, sentido a vida...
(:
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