sábado, 10 de março de 2012

PROBLEMA DE COLUNA * (repost)

 * Já são quase dois meses sem postar nada no blog... ideias até existiram, mas por vezes é difícil transcrever tudo para um texto legal. Mas para não deixar tudo aqui às moscas, fui buscar no blog antigo uma crônica lá do começo de 2010 que escrevi enquanto estava na minha sala no campus do Agreste da UFPE...

Estou agora olhando através da janela da minha sala aqui na universidade. A vegetação típica do agreste pernambucano vai se esverdeando novamente com o pouco de chuva que caiu nos últimos dias. Ao fundo, carros vão e voltam pela rodovia que passa aqui perto. Para poder ver melhor, mexo a cabeça de um lado para o outro pois uma pilastra externa à janela divide em duas partes o que quero ver, atrapalhando-me de desfrutar da paisagem em sua totalidade. Um problema!

Depois de algumas mexidas de cabeça me dou conta enfim da existência da tal pilastra. Eu a via sim, ela até me atrapalhava de ver além, mas na verdade eu não a enxergava. Era um nada, um vazio que se posicionava bem em frente ao meu desejo de ver. E como toda pilastra, toda coluna, ela é imóvel, rígida, fixa, teimosa, persistente. Assim, acabei por me ater um pouco a ela e ao dar atenção a esta estrutura acabei por ver outras “paisagens”.

Vi que sem ela, o teto que está acima e que me protege do sol e da chuva que hoje aqui cai, viria abaixo. Vi que a existência dela demandou toda uma história anterior. Fiquei pensando em quem a projetou, nas horas de estudo na faculdade e nos inúmeros cálculos que precisou aprender para definir a resistência do material. Pensei ainda em quem a construiu, operários que talvez nunca tenham a chance de cursar uma faculdade, que tiveram a resistência de, sob sol escaldante, colocar a massa junto com o concreto em determinadas proporções e formas, calculadas por alguém desconhecido, para pessoas ainda mais desconhecidas. Pensei ainda em todas as pessoas envolvidas no processo burocrático que culminou no feitio daquela coluna: planos de governo, contatos, conchavos, orçamentos, politicagens, reuniões acadêmicas...

Assim, aprendi a ficar amigo da coluna em frente a minha janela e a respeitar sua história, seus dissabores, suas alegrias, suas vitórias, sua imparcialidade parcial de quem inevitavelmente só tem uma visão por estar fixa ante a minha janela.

Assim são também as pessoas que aparentemente nos atrapalham. Querem apenas um pouco de atenção, querem se sentir importantes porque de fato são. Chefes dizem que seus empregados são o problema por permanecerem estáticos; professores falam o mesmo quanto a seus alunos por serem teimosos. Esquecemos que só há chefes e professores quando existem empregados e alunos. São eles a estrutura que impede que o mundo venha abaixo, portanto, talvez seja melhor enxergá-los de verdade, ouvir suas histórias, ter novas visões de mundo através das janelas que foram posicionadas em nossas vidas.

O autor do belíssimo livro “O Mundo de Sofia” estava certo quando disse que perdemos a capacidade de ser filósofos quando crescemos, por deixarmos de nos admirar com as coisas simples (como a coluna que insistentemente está há mais de três meses na minha frente). Uma criança com certeza a teria notado e a teria questionado muito antes. Talvez por isso, como disse Jesus, o reino de Deus é delas, primordialmente, pois não se cansam de desfrutar, de se admirar e de questionar o mundo que se apresenta todos os dias ante seus olhos. Preciso aprender mais com as crianças e com as colunas imóveis diante das janelas de minha vida...