quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

DIA DA SAUDADE (repost*)

*Hoje, dia 30 de janeiro, é o dia da saudade. Lembrei que no meu blog antigo, há exatos três anos, eu publiquei uma postagem sobre esse dia. Resolvi então republicá-la aqui. Espero que gostem...

Chico Buarque canta que “tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”, e na sequência busca a resposta para esse sentimento a partir de duas possibilidades: “foi o mundo então que cresceu” ou “a gente estancou de repente”?

Pesquisadores dos efeitos psicológicos do tempo, Zimbardo e Boyd, não perdoam ao nos revelar de forma categórica o que parecemos querer não enxergar: “não há nada que qualquer um de nós possa fazer nesta vida para acrescentar um momento a mais no tempo, e nada permitirá que possamos reaver o tempo mal-empregado.” Ainda assim a gente estanca e mínimos detalhes podem até ser sinais inconscientes desse nosso estancar...

Lembro que quando era criança, minha mãe comprava daqueles calendários onde a cada novo dia devíamos arrancar a folhinha do dia anterior para dar vez à folhinha do dia de hoje. Era uma disputa entre mim e meus irmãos para ver quem conseguia arrancar primeiro a folhinha. Em não raras vezes nos pegávamos esperando dar meia-noite para puxar a nova folha. Éramos crianças, não temíamos o tempo, estávamos sempre ávidos pela mudança, pelo novo dia, pelo espanto que ele trazia aos nossos olhos. A passagem dos dias era celebrada com a alegria da abertura ao desconhecido, ao imprevisível, à novidade.

Vi-me hoje diante de um desses calendários, que comprei ao final de 2009, de certo modo para fazer memória dos tempos passados, tempo onde se olhava para o futuro em cada dia presente. Mas os anos passaram, ou como diria o Renato Russo, “mudaram as estações” e mesmo que digamos que aparentemente “nada mudou”, “mas eu sei que alguma coisa aconteceu”, pois há algo “assim tão diferente”. A diferença era que o calendário marcava o dia 27 de janeiro. Só que já era dia 30 de janeiro, e dia já adiantado, com sol do agreste à pino...

Arranco a folha do dia 27 sem nem lembrar ao certo o que aconteceu nesta data. Faço o mesmo com os dias 28 e 29. Enfim, emparelho o meu calendário com o calendário do mundo. Da mesma forma rápida com a qual arranquei as páginas do calendário, percebo que, como naquela música antiga do Roberto Carlos, “os dias passam correndo”.

Percebo ainda na folhinha, mais um sinal. A palavra “sinal” já não me parece, como antes, tão mais adequada do que a palavra “coincidência”, mas ainda assim insisto, sabe-se lá porque, em usá-la. Na folhinha dizia que 30 de janeiro é o “dia da saudade”.

Até procurei na Internet, mas não encontrei nenhuma razão específica para justo o dia 30 de janeiro ser dedicado à saudade. Talvez por ser o dia do assassinato de Gandhi, sobre o qual Einstein certa vez disse “que as gerações por vir terão dificuldade em acreditar que um homem como este realmente existiu e caminhou sobre a Terra”. O mundo sente saudades de Gandhi, de “Gandhis”. Quem sabe talvez, possa ser devido ao fato de que a última apresentação pública dos Beatles antes da separação da banda ocorreu numa tarde fria de 30 de janeiro. Saudades de um sonho que acabou!

De minha parte fiquei pensando se o passar de 30 dias do novo ano não seria aquele tempo suficiente para percebermos que toda aquela euforia, um mês antes, com o novo ano a se iniciar não seria apenas uma forma de fingir para nós mesmos a realidade de que o bom era o “ano velho”, os dias que se foram, a infância de nossas vidas, o símbolo de uma época de sonhos que hoje percebemos como ilusão. Em sendo assim seria normal sentir saudades.

Mas o que falar sobre saudade? É paradoxal ter dificuldades em explicar algo que se é tão íntimo. Se no “Show do Milhão” o Silvio Santos permitia que fosse solicitada a ajuda dos universitários, me permito então pedir a ajuda dos poetas, para que me ajudem a render homenagem à saudade no dia a ela dedicado, ao menos no calendário civil, porque no calendário cordial, todo dia é dia da saudade:


“Saudade é um dos sentimentos mais urgentes que existem”
(Clarice Lispector)

“O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...”
(Mário Quintana)

“Quando se ouve boa música fica-se com saudade de algo que nunca se teve e nunca se terá”
(Samuel Howe)

“Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue”
(Adriana Falcão)

“Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante”
(Carlos Drummond de Andrade)
“Deus existe para tranquilizar a saudade”
(Rubem Alves)

“Dos nossos planos é que tenho mais saudade”
(Renato Russo)

“Conservar algo que possa recordar-te seria admitir que eu pudesse esquecer-te”
(William Shakespeare)
“Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração, escorre pelos olhos”
(Bob Marley)

domingo, 20 de janeiro de 2013

Um Caso na Rússia... (ou "Isso Tudo Passará!')



Recebi um elogio por esses dias. Vindo de quem veio e dada a importância dessa pessoa em minha vida, de certo que é mais do que um elogio. Além disso, a típica franqueza da pessoa, franqueza por vezes ácida, quando necessário, me deixou obviamente lisonjeado, pois sabia que não era algo para me bajular.  Porém, o que foi falado gerou em mim uma dúvida. Se não uma grande dúvida, ao menos algo que me fez refletir nas horas de sobra que se tem quando se está cuidando de uma pessoa doente durante a noite.

Explico. Disse-me essa pessoa que admirava a minha capacidade de relacionar coisas aparentemente díspares, especialmente ao escrever os textos desse blog, tal como unir um filme com a passagem de um livro com o trecho de uma poesia e tudo isso associando a um caso na Rússia.

Caso na Rússia?!?!?!

Confesso que na distração causada pela colocação feita, quase bati com o carro (estava ao volante). A pessoa riu e disse que era apenas um exemplo. Menos mal, porque por mais que eu tentasse eu não conseguia lembrar se havia escrito sobre algo que pudesse ter, ainda que levemente, alguma conotação, digamos, russa.

Mas e onde entra a dúvida? Fiquei me perguntando se seria mesmo capaz de fazer relação tão esdrúxula em um texto e me propus, quase que num auto-desafio, a tentar escrever uma postagem (essa!) ligando filme, livro, poesia e... caso na Rússia.

Enquanto escrevo sinto o calor que se instalou definitivamente nas últimas semanas por essas bandas. Para dormir, já faz alguns dias que uma pequena garrafinha com água fica ao meu lado para, acreditem, molhar os lençóis e travesseiros na tentativa quase estéril de diminuir a sensação de "sauna particular" com que vem se confundindo  a minha cama.

Ironicamente, a Internet apresenta a Europa como tendo um dos mais rigorosos invernos dos últimos anos. Na noite anterior, a temperatura na Rússia chegou a 34 graus... NEGATIVOS! Movido por mera curiosidade dei uma pesquisada no google e descobri que a temperatura interna dos nossos freezers é de 10 graus negativos em média. Ou seja, o inverno por lá está russo (trocadilho infame!). São 24 graus negativos a mais do que o congelador de casa.

Enquanto eu aqui reclamo do calor, eles lá, certamente reclamam do frio excessivo. Moramos na mesma nave-mãe, o planeta Terra, que nos permite viajar neste universo, e estamos sujeitos a sensações tão opostas, porém sempre passageiras. Embora seja muito improvável que tenhamos aqui um inverno tão russo, e por lá um verão tão causticante, sabemos que isso tudo vai passar.

Sim, uma hora o calor deixa de ser tão quente e o frio deixa de ser tão congelante. Na verdade tudo na vida passa (dá até pra associar ao texto uma piada, ainda que dessas meio sem graça, onde um dito popular é complementado: "tudo na vida é passageiro, exceto o cobrador - ou trocador - e o motorista).  Isso me veio a mente, porque por esses dias me deparei  com um livrinho de contos onde constava uma fábula sufi em que um rei pede a seus sábios uma frase de no máximo três palavras que ele possa usar gravada no seu novo anel de diamantes, de modo a que, ao ler a frase, essa possa lhe ajudar nos piores e nos melhores momentos. Os sábios nessas horas acabam travando por não terem a capacidade de síntese dos poetas e um velho amigo do pai do rei, um trovador, um poeta, sugere a frase "isso tudo passará!".

Assim, quando o rei um dia se viu em desespero após a tomada do seu reino por bárbaros, olhou para o anel e refletiu sobre o conteúdo nele gravado e, mais calmo percebeu que tudo aquilo passaria, como de fato passou. Ele reorganizou seus pensamentos e isso o ajudou a reorganizar suas estratégias que, por sua vez, ajudaram a reorganizar seu exército e seus mantimentos. Assim, conseguiu expulsar os inimigos e foi recebido em carro aberto pelo povo do reino que entusiasticamente saudava a competência da liderança real. Isso o deixou em êxtase e quando se encontrava no ápice dessa sensação viu em meio à multidão o velho trovador, amigo de seu pai, que por meio de gestos lhe pediu para ler novamente o que estava gravado no anel. O Rei achou estranho aquele pedido, mas meio que reflexivamente e confuso olhou para o anel e leu "isso tudo passará!". E realmente o momento de glória diluiu-se no cotidiano do reino, passando o povo, pouco tempo depois, a clamar de forma contundente por políticas públicas mais eficazes durante a gestão do rei.

Coincidentemente, o Osho comenta esse conto e sugere que pensemos sobre ele intensamente, sempre, dia após dia, buscando tirar reflexões, segundo ele, são fartas, a partir dessas, aparentemente simples, palavras. Minha reflexão de hoje foi a de que, pensando assim, acabamos por nos permitir um pouco mais de autonomia na condução de nossas vidas.

Se nos momentos ruins, reconhecermos que tudo aquilo será passado em breve, esse "breve" tende a chegar mais rápido pois nos traz a possibilidade do novo dia, e assim mais relaxados, conseguimos força para reorganizar nossas vidas. Do mesmo modo, pensar que tudo passa quando estamos vivendo um momento bom, nos ajuda, quando encaramos de modo positivo, a aproveitar cada instante desse momento, sem desperdiçar nosso tempo com aquilo que não constrói. Passamos, portanto, a viver mais intensamente e em não raras vezes, viver intensamente é a melhor maneira de viver mais e melhor, prolongando ao máximo a "vida" que nos é oferecida a cada nascer do sol.

Como na música do Legião Urbana, "temos todo o tempo do mundo, todos os dias, antes de dormir, lembro e esqueço como foi o dia..." Pois é, talvez precisemos mesmo a cada dia, exercitar esse lembrar e esquecer, de modo que cada novo dia seja um recomeço, que tenhamos o ânimo de uma criança para (re)descobrir o mundo a cada dia, como no lindo filme "como se fosse a primeira vez" onde o personagem do Adam Sandler tem a cada dia que fazer com que a personagem da Drew Barrymore se apaixone por ela, já que toda noite, devido a um acidente anos antes, ela apaga da memória todo o dia vivido.

Contudo é bom nunca esquecer de que é preciso estar sempre em movimento, não adianta ficar parado. O "isto tudo passará" serve apenas como uma catalisador. É preciso fazer nossa parte, como na estória (sim, como o Rubem Alves, acho necessária a diferença entre estória e história, ainda que a gramática tenha aposentado a primeira versão) que diz que todos os dias amanhece na selva africana e a gazela precisa correr mais rápido que o leão para não ser devorada e o leão correr mais rápido que a gazela para não morrer de fome, de modo que, como moral da estória, não importa se somos como os leões ou como as gazelas, quando o dia amanhecer temos que começar a correr se quisermos sobreviver.

Enquanto escrevo o sol já vai ficando alto, o que significa que é preciso aproveitar esse novo dia, essa nova manhã de domingo, seja ela portadora de bons momentos ou de dificuldades relativas, pois isso tudo passará.