quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Pensando em Luiza. E quando ela voltar do Canadá?

Ela acorda, está longe de casa, fazendo intercâmbio. Está achando tudo uma experiência ímpar. Vez em quando bate saudade do país de origem, mas os meios de comunicação ajudam a suprir essa carência. Ela pode conversar com os pais e os amigos via skype pagando muito pouco, fica informada dos acontecimentos do país via portais de notícias terminados em .com.br, vê os principais tweetes dos amigos, posta algumas fotos e comentários no facebook, armazena outras no quase falecido Orkut, envia e recebe e-mails e, de uma hora para outra, por causa de uma propaganda de texto duvidoso estrelada por seu pai, vira celebridade instantânea e a piada da vez. Luiza tem 17 anos e só não faz isso ou aquilo, só não está aqui ou acolá, porque está no Canadá.

Não conheço a Luiza que ficou famosa da noite para o dia graças a Internet, portanto a história acima é só um exercício de abstração, mas esse mesmo exercício de abstração me faz pensar em como uma garota de 17 anos reage a uma mudança brusca de sua imagem sendo motivo dos mais diversos tipos de piadas. Eu mesmo me diverti lendo algumas postagens, vendo algumas montagens, assistindo alguns criativos vídeos no youtube. Até o Lenine começou show essa semana na Paraíba se dizendo agradecido por tanta gente que tinha vindo, menos Luiza, que estava no Canadá. Na saída do jogo do Náutico ontem, o comentário  de dois torcedores: “veio muito gente assistir o jogo, menos a Luiza...”  Parece uma brincadeira inofensiva, até poderia ser, mas brincadeiras inofensivas catapultadas pelo poder de multiplicação das redes sociais podem mudar completamente a vida de uma pessoa.

Não, esse não é um texto moralista, nem faz meu estilo tal tipo de texto, mas penso que o caso de Luiza de hoje, do suposto estuprador do BBB de ontem, do sucesso meteórico da música do Michel Teló após ter sido dançada pelo Cristiano Ronaldo em comemoração de gol do Real Madrid da semana passada, da cachorrinha morta pela dona, algumas semanas atrás, todos eles, devem nos levar a alguma reflexão.

Sucesso, invasão de privacidade, julgamentos sem tribunal, enfim, imagens sendo expostas, batidas e rebatidas. Passada a onda da exposição, porque ela passa, devido até a sua natureza descartável, fico pensando, apenas pensando, não estou emitindo opiniões, que isso fique bem claro:

Como ficará a cabeça da Luiza quando voltar para casa, encontrando os amigos, ouvindo os resquícios da piada em que se tornou?

E se o tal do Daniel lá do BBB não for culpado?

Como o Michel Teló vai lidar com a carreira se o sucesso da música-chiclete que ele canta for isolado?

O que levou mesmo uma mulher a matar uma cadelinha que ela mesma criava?

Como disse, eu mesmo gosto das criatividades que surgem especialmente na Internet a partir dos fatos do dia-a-dia, característica do povo brasileiro que ri de si mesmo e deixa de lado a sisudez tão comum em outros povos. Eu até espero que a Luiza leia meu texto, até porque dá pra fazer isso lá do Canadá (piada infame). Mas falando sério, é preciso incitar não apenas o lado criativo, mas também o lado crítico como forma de contrabalançar os pesos. Porém é importante também refletir sobre as propostas de intervenção na Internet que estão sendo levantadas no mundo inteiro, até aqui no Brasil, mas que essa semana foi protagonizada pelo congresso americano. Uma das grandes vantagens da Internet é essa liberdade. Não se deve tolher a liberdade com receio dos abusos, é preciso dar formação, educação e capacidade crítica não apenas aos mais jovens como insistem alguns, mas à sociedade toda, para que assim ela possa discernir o limite entre a piada e o drama, entre o julgamento e a análise dos fatos, entre o adequado e o inútil, entre o que constrói e o que afeta negativamente a vida das pessoas. É preciso ensinar a pensar, é preciso ensinar a enxergar outros ângulos de um mesmo fato ou notícia, é preciso ensinar a se posicionar, mas sobretudo, é preciso ensinar a reconhecer os próprios erros, as próprias conclusões precipitadas, os próprios comportamentos impróprios. Só assim poderemos ser melhores, e com a tecnologia como aliada, poderemos ir cada vez mais longe.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Contemplação

Sempre tive uma inveja (inveja das boas!) dos poetas, da capacidade de síntese que eles possuem, de como conseguem dizer em poucas palavras aquilo que nem a muito custo e com muitas palavras somos capazes de expressar. Nessas horas, até por uma questão de respeito à beleza, o melhor é calar-se e contemplar. Assim, hoje, estou me propondo a exercitar a contemplação, o sentir, o me deixar levar pelas sincronicidades da vida. E convido a você que, por essas sincronias da vida chegou até esse blog, até essa postagem, a fazer o mesmo: contemplar, sentir, recordar, imaginar, sorrir, chorar, emocionar-se enfim, enfim...


Para ajudar no exercício a poesia Cântico Negro, de José Régio...

CÂNTICO NEGRO (José Régio)
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
 
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

sábado, 14 de janeiro de 2012

Na Ponta dos Pés (Sobre a Fotografia)

Eu devo ter uma relação um tanto quanto excêntrica com a fotografia. Se por um lado prefiro sempre fotografar a ser fotografado, desejo um dia (espero que não muito longe) fazer um curso de fotografia e até estou começando a usar fotos como elemento pedagógico em minhas aulas, por outro, sou capaz de fazer uma viagem a um lugar novo, de posse de uma câmera e tirar praticamente nenhuma  foto, por me recusar a “ver” o mundo pelas lentes da máquina, por me recusar a gravar uma bela imagem em um cartão de memória ao invés de na minha própria memória.

É difícil explicar essa contradição de alguém que gosta de fotografar e se recusa a fazer certas fotografias, justo àquelas consideradas mais especiais. Certamente contradições não são para serem explicadas até porque se isso fosse possível em algum momento a contradição deixaria de existir, e como todos têm suas contradições, alguns mais, outros um pouco menos, penso que das minhas contradições esta talvez seja a mais amena e a mais poética inclusive. É como se algumas imagens, essas mais especiais, fossem reservadas apenas a mim e às histórias que minha mente é capaz de contar ao “puxá-las pela memória”. Além disso, nunca se sabe quando simplesmente se abrirá os olhos e se estará diante “da” imagem.

Fico imaginando uma cena até certo ponto cômica. O cara acorda de madrugada e de repente se depara com a mulher que ama andando pelo quarto nas pontas dos pés. Ela acordou há pouco tempo, com o cabelo assanhado, usando algo estranho como um blusão de frio fora de moda, está sem maquiagem, está sem acessórios, talvez com uma ou outra olheira, a depender se demorou ou não para dormir. Ele abre os olhos e a vê assim, e assim ele a percebe como ainda mais linda. A parte cômica de minha mente criativa para essas inutilidades começa imaginando que o cara é um aficionado por fotografias e se assim for ele não pode perder aquela imagem, ele precisa capturá-la, prendê-la para sempre no seu cartão de memória de 32GB recém comprado na 25 de março. Ele grita pra ela: “pára!”. Ela obviamente leva uma baita susto porque julgava que ele estivesse dormindo. Se a pobre coitada não tiver uma síncope neste momento, certamente ficará sem entender nada, pensará mil coisas, principalmente ao vê-lo correr em direção a uma máquina fotográfica. Mas como diz no livro d’O Pequeno Príncipe, “quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer”. Assim, ela obedece e fica ali parada como que numa estranha brincadeira de estátua. Ele então liga a máquina, a espera iniciar, faz ajustes de qualidade de imagem, zoom, foco, plano de fundo, luz... o quarto ainda escuro...  ele precisa ajustar o flash ou seria melhor acender alguma luz, pensa ele. Decide acender a luz. E a pobre de sua amada lá, começando a sentir cãibras nos pés. Ela enfim reclama e ele pede um pouco mais de paciência da parte dela. Ela exige ao menos uma explicação, começando já a racionalizar a inusitada situação. Ele, olhando para a máquina enquanto faz os últimos ajustes diz: é que eu acordei e você estava tão linda andando na ponta dos pés, com esse blusão, cabelos assanhados, sem maquiagem, sem acessórios... ele fala isso e percebe que só recebeu de volta o silêncio. Levanta a cabeça e ela não está mais lá, correu para o banheiro. Ele pergunta o que aconteceu e ela de lá dentro grita que nunca ele irá fotografá-la assim. Ela vai trocar a roupa, se maquiar, disfarçar as olheiras, escovar os cabelos e aí sim ele poderá tirar quantas fotos desejar. Duas horas depois, ele já tendo tirado um grande cochilo, começa a sessão de fotos, que será complementada por uma sessão de pequenas correções no photoshop. Ele não terá àquela imagem, àquela que tanto o sensibilizou, nem no cartão de memória, e como sua memória pessoal não havia sido treinada para gravar a cena no HD de seu coração, nem em lugar nenhum. Ele simplesmente a terá perdido para sempre.

Enquanto escrevo, a chuva começa a cair do lado de fora de casa. Olho para a janela e me deparo com uma dessas belas cenas. Quem me conhece sabe como gosto da chuva e de dias chuvosos. Até já escrevi sobre isso aqui mesmo neste blog. Meu celular que faz boas fotografias está a menos de um metro. Mas nem todos os megapixels da câmera serão suficientes para capturar o que sinto agora ao ver a chuva, as memórias que me vêm, desde a infância até o dia de hoje... assim, dou um sorriso complacente para o celular e viro minhas costas para ele e fico a contemplar a cena, imaginando histórias mil e quem sabe uma nova crônica sobre a chuva, sobre a lua, ou sobre o dia em que as duas se encontraram...

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Luz

Conforme prometido na postagem anterior, onde falava das ideias que surgem quando se passa hora e meia com o pescoço voltado para o norte e para cima buscando ver estrelas cadentes que não caem, apresento nesta nova postagem a ideia que prometi publicar no dia dedicado aos reis magos que vieram do oriente para visitar o menino Jesus, festa popularmente conhecida como festa de reis (liturgicamente, a festa da epifania do Senhor). Ou seja, hoje!

Esclarecendo logo o nome pouco comum ,“epifania” significa o mesmo que “manifestação”. Assim, temos a festa da manifestação de Deus na humanidade. Para os cristãos do oriente esta festa chega a ser mais importante que o Natal, isso porque eles consideram que o nascimento de Jesus é realmente um marco, mas se ele [o nascimento] não tivesse se manifestado ao mundo (epifania), a manjedoura pobre, o Menino Deus nascido, os pais comovidos, os pastores vigilantes e os anjos cantarolantes, seriam uma bela, mas obscura cena. Deus não envia seu filho a apenas um povo e os magos vindos de lugares distantes, guiados pela estrela do oriente, são a prova de que o mistério deve ser revelado. “Deus é criança, nunca vimos coisa igual” diz uma música religiosa do período natalino. Esta é a boa nova que deve ser manifesta ao mundo, proclamada aos seus quatro cantos.

Os literais a que me referi também no texto anterior, por favor podem ir navegar em outros blogs, porque não estarei falando aqui de história, nem tão pouco de teologia. Meu olhar aqui será guiado pela estrela da poesia. Pouco importam os dados concretos, exatos, longitudes, latitudes, magnitudes, datas, cometas... a estrela que ora passarei a refletir não está no céu; está, quando assim deixamos, dentro de cada um de nós.

Lembro dos tempos de minha infância, quando era bem mais comum faltar luz, que quando isso acontecia à noite, o bairro mergulhava na escuridão e num silêncio sepulcral crescente, quebrado vez ou outra pelo barulho do motor de um carro ou de uma sirene ao longe. Todos ficávamos meio que perdidos, meio que sem ter o que fazer, com medo de sair de casa, ansiosos pela volta da energia. Por vezes ela demorava a voltar e a sensação de viver nas trevas se aprofundava. Quando de repente, ela surgia. Fiat Lux! Faça-se a luz! Então vinha a parte mais divertida para o eu menino, que era ouvir os gritos de alegria que ecoavam de forma uníssona no bairro. “O que era trevas, tornou-se luz”, diz outra canção típica desse período natalino. Lembrar desse fato me faz imaginar qual não deve ter sido a alegria daqueles homens, considerados como sábios e reis da época, advindos de diferentes povos e nações, ao ver brilhar no céu, uma luz que os chamava para sair das trevas. Sei lá, acho a teologia da falta de luz na minha infância mais sofisticada que muita teologia adulta “iluminada”...

Por vezes nos encontramos na escuridão. Ansiosos, sem saber o que acontecerá mais a frente, acabamos paralisados por medo da queda, esquecendo que na vida, o não caminhar já se configura em si como uma queda. Caímos ainda em pé, com as pernas amarradas por um fio de lã, como dito no filme Melancolia. E ali, ao chão, tremendo de medo e frio, lançamos a Deus, em sequência, um grito de dor, um grito de clamor e um grito de entrega. Esse último o mais angustiante. Embora, ao mesmo tempo, pareça trazer uma espécie de alívio, pois é o grito que se configura a desistência do tentar. A questão é que Deus parece nunca desistir de nós e quando nos encontramos sem esperanças, surge uma luz. Uma luz que não só aquece e dá forças, mas como também ilumina o caminho a nossa frente, mostrando as dificuldades, que sim, continuam lá, do mesmo jeito, intocadas até. Mas essa “manifestação” da luz mostra essas dificuldades com clareza, nos permitindo fazer escolhas, traçar rotas melhores, determinando então assim o nosso caminho número #1. Nessas horas percebemos como a escuridão também desempenha importante papel em nossas vidas. Como diz o Lulu Santos, “não haveria luz se não fosse a escuridão”. É preciso mesmo, reconheço, enfrentar alguns sacrifícios, algumas dificuldades, para poder viver as alegrias, a luz. Como disse a rosa d’O Pequeno Príncipe, “é preciso enfrentar duas ou três larvas se quisermos ver as borboletas”.

Que neste dia da epifania do Senhor possamos fazer memória das pessoas que foram e que são luzes em nossas vidas, em nossas caminhadas. Que servem de estrelas-guias na busca pelo nosso menino interior, já que o próprio Jesus disse que o Reino de Deus é das crianças. Que não esqueçamos também de sermos um pouco estrela, ainda que cadente, a buscar realizar os sonhos, os desejos, os pedidos, das pessoas que mais precisam de nosso apoio, do nosso próximo, que em não raras vezes, está bem próximo.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Chuva de Estrelas


Postagens no Facebook, chamadas no Twitter, notícias nos principais portais, enfim, o assunto online da madrugada era a passagem de cerca de 95 meteoritos pelo céu nordestino durante esta madrugada. Na verdade, aerólitos, nome mais exato segundo os astrônomos, para os restos de meteoros que se queimariam ao entrar em contato com a atmosfera terrestre, causando um efeito de estrelas caindo do céu, de onde vem o nome mais popular: estrelas cadentes. Reza a lenda que quem avista uma “estrela cadente” pode fazer um pedido.

Tudo parecia favorável. Morando em Olinda, cidade litorânea nordestina. Janela da casa voltada para o norte, por onde passariam os tais aerólitos. Insônia à hora programada para o “espetáculo” (uma verdadeira “chuva de estrelas”). 95 pedidos por fazer (embora eu só precisasse na verdade de um único) e... e... e...  nada! Pois é, não consegui avistar nenhuma única estrela cadente. Isso, olhando para o céu por quase uma hora e meia. Fui até o Twitter ver se os outros estavam vendo o que eu não via e pra minha surpresa, gente em cidade a menos de 150km presenciando um show. Baixei pelo celular um aplicativo android que é uma bússula para ver se a frente da minha janela dava mesmo para o norte ou se eu estava desnorteado. Não estava, o norte era ali mesmo. E em meio à espera das tais estrelas em queda, em meio à busca de explicações mais físicas, mais astronômicas, comecei a divagar em pensamentos, tentando descobrir alguma sincronicidade no que estava acontecendo, ou melhor, no que não estava acontecendo.

E aí veio um clarão! Não, não era uma estrela cadente. Era uma inspiração para escrever minha primeira postagem no novo ano de 2012. É incrível como olhar para o céu por mais de uma hora pode trazer à tona tantas ideias, algumas boas, outras nem tanto, mas ainda assim, supostamente, ao menos pra mim, interessantes. Acho que por isso o Domenico Demasi defende o “ócio criativo”. Em meio aos afazeres do dia, preocupados demasiadamente com o trabalho que nos espera, com o tanto de coisas que dependem de nós, em meio às “dores de cabeça” cotidianas, simplesmente acabamos não deixando tempo para que a inspiração divina ou humana (escolham qualquer uma, pra mim é a mesma) flua em nós. Já contei aqui neste blog como a lua me ensinou a importância de olhar mais para a natureza, mas confesso que fiquei extasiado apenas com a beleza da lua e das histórias que ela passou a me contar sobre as pessoas que observava. Hoje, de onde eu estava, voltado para o norte (até dor no pescoço me deu de ficar na mesma posição por tanto tempo), mesmo olhando de soslaio para o leste e para o oeste, não dava para ver a lua, mas dava pra ver as estrelas, o céu ao fundo, nuvens soprando-se de lá pra cá, e percebi a importância do contexto, coisa que o pessoal da Gestalt na psicologia e da Pragmática na linguística, já chamava atenção há tempos.

A não presença da lua, que devia estar dormindo ou vendo o show das estrelas cadentes de onde se escondia, acabou por ser o elemento motivador dessa minha reflexão sobre o contexto. Tentar entender a lua fora de seu contexto é um grande erro. Eu mesmo admiti a pouco que ela tentou me alertar para a natureza como um todo e eu acabei fixando minha atenção apenas em seu brilho e em suas histórias. Só que tudo na lua, inclusive seu luar prateado e as tantas coisas que consegue observar de lá de cima, dependem do contexto no qual ela está inserida, ou seja, das estrelas que gravitam em seu entorno (os literais, que esquecem exatamente do contexto, por favor, não me venham falar que estrelas não gravitam em torno da lua, porque eu não estou falando de astronomia e sim de poesia), das nuvens que ora encobrem a sua luz, ora deixam passagem para inundar-nos com sua beleza, e havia também o vento, as árvores, as casas avizinhadas, ao longe sons variados apesar do silêncio noturno e, não menos importante, a expectativa de um aerólito cruzar o céu de fundo, o que influencia, e muito, a forma como a gente observa o mundo.

Concluí que querer entender a lua sem levar em consideração tantos fatores, tantas fases, é mesmo muita pretensão, presunção até. Apenas a paciência, coisa que nunca tive em estoque, parece ser a chave para compreender não apenas a lua, mas principalmente o mundo que a cerca, que só faz sentido também, gestáltica, pragmática e empiricamente, com a presença dela. Tudo se completa, tudo se liga, tudo faz sentido quando nos permitimos ter a devida paciência, o devido tempo para observar os detalhes, observar o texto e o contexto, o ponto e o contra-ponto, o fundo e a figura. A racionalidade cartesiana que nos tirou um pouco da magia do “todo” ao nos chamar a atenção apenas para a “parte”, precisa ser revista. Tem sua validade, o que não exclui, porém, que nem sempre tudo funciona de forma assim tão cartesiana como, por exemplo, se sentar à beira de uma janela, em uma dada hora, com o olhar voltado para uma certa direção, contar umas tantas 95 estrelas cadentes e fazer uns tantos 95 desejos diferentes. Por vezes, a magia está quando nos deitamos de forma incomum na cama, em um horário não planejado, com olhos fechados, sem paciência para contas e achando que desejos não são realizáveis. Por vezes a magia acontece assim mesmo, apesar de nossas resistências, de nossos problemas, de nossas dores. Às vezes ela nos chega por um simples toque, num espaço de não mais que um minuto, quando nos permitimos respirar sozinhos ou com a ajuda de alguém, quando permitimos que o outro seja solidário em nossas dores, quando entendemos que o “nós” está dentro de um contexto maior do qual o outro também faz parte, quer queiramos ou não.

Eu não vi a chuva de estrelas, mas vi o que apenas a expectativa da passagem delas pode trazer. Acho que entendo um pouco melhor a alegria dos reis magos ao avistarem a estrela do oriente que trouxe o Menino Jesus. Mas bem, isso já faz parte de uma outra ideia que tive vendo o “no show” das estrelas cadentes e que, se tudo der certo, dia 6 de janeiro, dia da festa de reis, dia da epifania do Senhor, se transformará em mais uma postagem desse blog.