quinta-feira, 30 de agosto de 2012

CONTOS DA LUA #3: Certas Coisas (agosto, 2012)

Lua cheia no céu, novo conto da lua no Palavrador... E em agosto desse ano, essa é a segunda lua cheia...

Meu terapêutico exercício semanal é o de contemplar mais e tentar entender menos, até porque, como me foi lembrado, segundo Clarice Lispector, "não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento".

Pensando assim, dentre tantos contos da lua, escolhi um em que a lua me contou em estado quase contemplativo. Ela me deu poucos detalhes sobre seus dois amigos, por isso os chamarei aqui apenas de "ela" e "ele".

Se conheceram em um cruzeiro rumo à Europa, daqueles cruzeiros de muitos dias e muitas noites, com muitas atividades e atrativos. Eles até se empenharam nos primeiros dias em cumprir a agenda de atividades. Assim acabaram se conhecendo. Até participaram juntos de algumas dinâmicas, tomaram parte de um mesmo grupo, mas sempre de modo muito formal.

Em uma noite, ao acaso, ficaram a sós na área externa do navio, na verdade um grandioso transatlântico. Começaram a conversar e ele percebeu que ela era de uma leveza extraordinária. Ela gostou das histórias que ele contava. Sem perceberem, mas com a lua sob testemunha, avançaram na conversa madrugada a dentro e só deram conta do passar do tempo, quando no horizonte um sol preguiçoso começou a nascer, um sol que parecia querer demorar a raiar, apenas para deixar sua amiga lua presenciar mais daquela conversa.

E o encanto surgiu aos poucos mas de forma intensa. O apaixonar-se entre eles foi tão natural que não sabiam ao certo quando tudo começou. A lua afirma que foi quando ela olhou pela primeira vez no fundo dos olhos dele e quando ele olhou pela primeira vez nos olhos dela. A sensação de encaixe foi perfeita.

Mas não se declararam imediatamente um ao outro. Foram conversando, se olhando, até escrevendo bilhetinhos. Ela deixou o trecho da música "Certas Coisas" do Lulu Santos escrito em um guardanapo por baixo da porta do quarto dele. Ele, exagerado, escreveu até cartas para ela. E os dias e as noites no cruzeiro foram se passando. O tempo não era relativo, o tempo era eterno.

Na lua cheia se beijaram pela primeira vez. E ela falou a ele sobre os defeitos que tinha e sobre seu medo de que eles fizessem ele desistir dela. Ele se apaixonou ainda mais por ela. Não um apaixonar-se, exceto pelos defeitos. Não um apaixonar-se apesar dos defeitos. Mas um apaixonar-se pelo que ela chamava de "defeitos" e prometeu que nunca desistiria dela. Ele, pela primeira vez em toda vida foi ele mesmo. Contou-lhe coisas que nunca imaginou que contaria a alguém e ficou com medo que ela desistisse dele por ele ser tão complexo. Ela sorriu e disse que já o observava muito antes, que muito do que ele disse não lhe era novidade e que o amava do jeito que ele era. E ele chorou pela primeira vez em muito tempo, pois se sentiu amado pelo que ele era de fato, sem máscaras, sem interpretações.

A presença de um bastava tanto ao outro que não foram mais a nenhuma das atividades do navio até a última noite da viagem. Contudo, ele sugeriu participarem da última festa, queria lhe fazer uma surpresa. Chegando ao salão de festas, ele vestido em um elegante terno, a viu de longe, próxima a um piano. Vestido comprido e elegante em um tom de rosa mais escuro, com um decote provocante, costas nuas e alças que se amarravam ao pescoço. Ele se aproximou dela, ela sorriu e, virando-se de costas pediu que ele desse um laço melhor nas alças e ele, com as mãos trêmulas, fez o melhor que pôde. Ele então pediu licença a ela e disse que voltava rápido. Ela achou meio estranho, mas ficou observando-o se dirigir até a orquestra, falar com o cantor e sorrir de longe para ela. Foi quando a orquestra começou a solar uma música que ela conheceu antes mesmo da letra começar... "Certas Coisas"... Ele a convidou para dançar. Ela disse que não sabia e ele disse que era mais uma coincidência entre eles. Ele completou então dizendo que aquilo não seria uma dança, seria uma vida e seria para sempre...

Não existiria som
Se não houvesse o silêncio
Não haveria luz
Se não fosse a escuridão
A vida é mesmo assim,
Dia e noite, não e sim...

Cada voz que canta o amor não diz
Tudo o que quer dizer,
Tudo o que cala fala
Mais alto ao coração.
Silenciosamente eu te falo com paixão...

Eu te amo calado,
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncios e de luz.
Nós somos medo e desejo,
Somos feitos de silêncio e som,
Tem certas coisas que eu não sei dizer...

A vida é mesmo assim,
Dia e noite, não e sim...

Cada voz que canta o amor não diz
Tudo o que quer dizer,
Tudo o que cala fala
Mais alto ao coração.
Silenciosamente eu te falo com paixão...

Eu te amo calado,
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncios e de luz,
Nós somos medo e desejo,
Somos feitos de silêncio e som,
Tem certas coisas que eu não sei dizer...


A lua parou de me contar a história nesse instante e antes que eu dissesse qualquer coisa ela simplesmente me disse: "contemple! não tente entender! apenas contemple!"

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Excesso de Passado... Excesso de Futuro...


Um amigo meu, psicólogo, colocou dia desses em seu facebook, que "depressão é excesso de passado e ansiedade é excesso de futuro". Por falar em psicólogos, deixo neste dia a eles dedicado, dia 27 de agosto, meus parabéns a todos os profissionais que trabalham com a psicologia humana. Hoje, respeito ainda mais o trabalho que eles realizam. A mente humana é maravilhosa mas pode se tornar um poço escuro e fundo de onde para escapar é preciso reconhecer que é necessário deixar que outras pessoas nos ajudem. Mas voltando à frase, parece mesmo fazer muito sentido... De certo, o excesso de presente deve ser o que chamam de felicidade. Na filosofia oriental é muito clara a ideia de que a infelicidade está associada a vivermos muito no passado ou no futuro.

Isso deve ser verdade, pois as sombras que me invadiram hoje tinham a ver com o passado e com o futuro. O coração estava aflito, ainda está, mas ao menos consegui viver um pouco, ainda que por alguns minutos, essa experiência do presente. Na minha última postagem comentei que estava lendo um livro, que estava na metade. Terminei-o de ler na segunda vez que o peguei. Pensei que é difícil não nos identificar com os livros que mexem com a gente, até porque, como disse Nietzsche, ninguém tira de um livro mais do que tem dentro de si. Pensando sobre o livro e sobre tantos outros livros que li, tantas outras histórias com os mais diversos fins, percebi que podemos nos identificar com uma coisa ou outra, que podemos aprender muita coisa com o que lemos, mas que nossa vida não é um livro, até porque somos muito mais que livros. Nos livros, ficamos a mercê dos desejos do escritor. Na vida, o autor dela, Deus, nos dá a chance de escrever a nossa própria história. Como diz a música, "cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz."

Pensei nisso quando me permiti, me forcei (mesmo) a viver o presente. Para resolver um pouco do que me afligia resolvi correr. Percebi apenas quando cheguei ao parque (onde fui correr), que havia esquecido o cronômetro. Fiquei um tanto quanto chateado comigo. O interessante é que era uma chateação completamente desnecessária, pois eu não pretendo me tornar atleta, não estou buscando bater recordes, apenas queria monitorar, controlar, anotar meu próprio tempo, analisando meu desempenho a cada volta de 1km etc. etc. etc. Ou seja, uma inutilidade. Mas deve ser a coisa da competitividade masculina, que leva a gente a competir paranoicamente até com a gente mesmo, no passado, pensando num futuro. Excesso de passado... excesso de futuro... Mas não foi ainda aí que eu me concentrei no presente. Tentei correr em ritmos distintos cada volta, contar as passadas, perceber como estava minha respiração e meu cansaço de uma volta para outra, tentando projetar meu desempenho para volta seguinte etc. etc. etc. E olhe que o objetivo da corrida era desanuviar a mente. Excesso de passado... excesso de futuro...

Mas aí bateu o cansaço e bateu no meio de um volta. Precisava terminar o percurso porque o carro estava no outro lado do parque. E aí, distraidamente eu fui feliz, naquele resto de caminho. Sincronicamente, acreditem, enquanto escrevo isso, começa um filme na tv onde a personagem principal diz na primeira cena: "não existe caminho para a felicidade; a felicidade é um caminho". Pois é, foi isso que eu experimentei. Li-te-ral-men-te! Quinhentos e poucos metros de plena felicidade. Já havia passado cinco vezes pelo mesmo local naquela corrida mas não havia reparado nas crianças brincando no playground, nos adolescentes fazendo manobras radicais na pista de bicicross, nos jovens apaixonados, nos demais que caminhavam buscando uma vida saudável, nas flores, nas árvores. Me deixou tocado um galho de coqueiro que lutava para sobreviver. Mas o que me comoveu mesmo foi um pinheiro, que deve estar ali há anos e eu nunca o tinha visto. Ele começa totalmente torto, mas muito torto mesmo, é até estranho. Mas em determinado momento, ele se apruma e a partir dali cresce de forma perpendicular ao solo. Fiquei ali um tempo observando o amigo pinheiro, pensando nos porquês daquela estranha formação, foi quando ampliando a visão percebi o que aconteceu na sua história. Comparado as outras árvores que o cercavam, ele era muito mais jovem que as demais e estas lhe faziam sombras. Ele ficou torto para procurar o sol, para se livrar das sombras. Ele não podia mudar suas raízes, fazia parte da sua história, mas ele pôde mudar a direção que o levaria certamente ao tombo. E ele foi em busca do sol e quando encontrou, conseguiu se livrar das sombras, se tornou maior e mais forte. Sorri, pensando que o pinheiro teria muito mais exemplo a dar do que eu mesmo. Amigo pinheiro, pensei, obrigado pela lição de hoje à tarde. Obrigado pela felicidade ainda que momentânea. Obrigado por mostrar que devemos buscar um lugar ao sol, mesmo diante das sombras que fazem parte da nossa vida. Mais uma vez a ideia de que é preciso fazer as pazes com as sombras me assaltou.

A felicidade que encheu meu coração naquele momento foi cedendo lugar a outros sentimentos não agradáveis. Realmente somos homens de pouca fé como disse Jesus. Tudo estava claro, mas meu racionalismo insistiu em aparecer e pôr em dúvida a força do exemplo do pinheiro. Numa última tentativa de não perder a magia do momento, ergui a cabeça aos céus e pedi um sinal de Deus de que eu deveria manter minha fé no que "dizia" meu pinheiro amigo. Coisa bem racional essa de pedir sinais. Fazendo experiência com Deus, com dados para compor a amostra. Eita limitação humana... Mas Deus parece mesmo entender nossas limitações. Ele deve ter sorrido e pensado: "queres um sinal? Pois bem, no Pai-Nosso você pede que seja feita a minha vontade, mas tudo bem, hoje a minha vontade é que seja feita a sua vontade". E do céu caiu uma chuva fina, chuva que abençoa, restaura e dá forças. Chuva que mostra que a felicidade está no agora. E dos meus olhos também caíram água. Lágrimas que se misturaram ao suor e à chuva. Lágrimas de felicidade. Eu sabia que em breve o passado e o futuro voltariam para me afligir, mas em breve, enquanto isso eu era feliz e a certeza dessa felicidade me mostrou que é possível (mesmo) ser feliz e quando uma certeza se instala em nosso coração, em nossa mente, em nosso corpo, em nossa alma, é para sempre.

domingo, 26 de agosto de 2012

SINCRONICIDADE

Já acreditei em sincronicidade e deixei de acreditar. Quando acreditei, as coisas aconteciam de forma surpreendente. Mas em alguns momentos de racionalidade extrema me pus a duvidar da magia da vida. E tudo se desfez como que por encanto reverso. Não era racional, não era científico e, portanto, não deveria ser real. Mas como não podia ser real o que se sentia com maior intensidade? Essa dúvida fez com que, tempos depois, eu tornasse a acreditar ainda mais fortemente na sincronicidade. Foi quando me prometi em crer sempre na não aleatoriedade dos acontecimentos em nossa volta. Foi também quando fui mais feliz.

 Mas as tempestades da vida acabam minando nossa fé e quando passamos a duvidar parece que tudo passa a duvidar de nós mesmos. Nos últimos dias, mesmo tendo recebendo notícias que são do tipo que acabam com os encantos, me lembrei de minha promessa e uma série de eventos me fizeram voltar a perceber que crer na sincronicidade, na não aleatoriedade, nos planos de Deus, é um pré-requisito para viver plenamente. Sem isso, o que chamamos de vida é uma dissimulação nossa. Fazemos de conta que vivemos, mas apenas cumprimos um destino destituído de qualquer encantamento, de qualquer surpresa, daquilo que nos tira o ar, do que faz nossas pernas tremerem nervosamente e nosso coração acelerar. Certamente é mais seguro. E também mais triste. E sem alegria de que serve (mesmo) viver? De que serve essa suposta segurança?

Ao tentar deixar a sincronicidade fluir, experimentei novamente o fator surpresa. Não que tenham sido experiências colossais, na verdade foram coisas bem simples que muitos teimarão em dizer que trata-se de aleatoriedade, de acaso e até de algo insignificante. Bem, cada um pode ter sua opinião, sem julgamentos, mas também quero ter a minha. Quero ter a alegria de uma criança que se surpreende com as pequenas coisas todos os dias. Quero a certeza do não ter certezas. Quero acreditar na magia que faz com que um gesto apenas mude a vida inesperadamente. Não querer essas coisas é quase sinônimo de não querer viver. Sei que virão momentos de fraqueza, de dor, de desilusão, de racionalismo extremado, que vão me tirar a energia do ter fé, mas eu quero viver, aprendi a querer viver mesmo quando tudo parece não ter saída.

Mas deixe-me voltar às pequenas, prazerosas e surpreendentes experiências que fiz ao sabor da sincronicidade. Na primeira delas, um amigo me disse que eu deveria ser mais generoso comigo mesmo. Não me culpar tanto, não me julgar tanto, não levar tão a sério os julgamentos que fazem de mim, até porque certamente tudo está ligado aos julgamentos que faço dos outros. Esse amigo me falou ainda que preciso fazer as pazes com minhas "sombras". Todos temos nossos defeitos, nossas imperfeições. Obviamente precisamos corrigir muitos desses defeitos, dessas imperfeições, e quando outras pessoas dão destaque a esses defeitos e imperfeições, talvez seja a nossa oportunidade de refletir sobre nosso lado obscuro e quem sabe assim nos reconciliar com ele. Todos merecemos perdão, todos precisamos ser generosos conosco mesmos. Saí pensando sobre isso e no dia seguinte, tendo resolvido todos os compromissos a que tinha me disposto a resolver naquela tarde, acabei chegando bem mais cedo à aula de yoga. Peguei uma revista sobre yoga e ao acaso (acaso!?) ao ler as reportagens, parei, surpreso, em uma que falava exatamente sobre as nossas "sombras" e sobre fazer as pazes com nossas "sombras". Descobri inclusive que este é um conceito famoso do Jung e meu amigo também havia falado sobre esse grande psicanalista que é justo quem defende a tal da sincronicidade. Pode parecer ingênuo de minha parte... que seja, mas a alegria de perceber a ligação de fatos que até então eu nunca havia ouvido falar, isso em menos de 24 horas e justo quando me comprometi em acreditar mais nessa magia da vida, bem, essa alegria é daqueles sentimentos que fazem a gente querer estar vivo.

A segunda experiência que vivi também esteve associada a conseguir resolver rapidamente coisas que normalmente demorariam, tais como agendamento de exames e consultas médicas. Além disso o trânsito de Recife parece que resolveu colaborar e a fila do banco simplesmente não existia. De repente me vi com mais de uma hora e meia de folga para o meu próximo compromisso. Um shopping perto e algo me disse para atravessar a rua e entrar no complexo de lojas. Não tinha nada para fazer, mas também não tinha nada a fazer lá. Mas, "vamos lá", pensei eu. Andando pelo shopping a esmo, me lembrei que nele havia uma livraria da qual gosto. Achava que ela era no terceiro ou quarto piso (sempre me confundo nesse shopping) e quando estou a caminho descubro que ela fica no segundo piso. Quando entro na livraria procurando as novidades, meu telefone toca. Sinceramente nem lembro quem ligou e qual era o assunto, mas a ligação me tirou a atenção dos lançamentos e, distraidamente, me deparei com o livro "Querido John". Me falaram muito desse livro e do filme nele baseado, e embora esteja a meses com o dvd do filme em casa nunca o assisti, por razões diversas. Pensei em comprar o livro, mas deixei pra lá. Continuei a ligação, saí da livraria e fui até o último piso do shopping sem fazer absolutamente nada. Mas a imagem do livro não me saia da cabeça. Voltei à livraria e comprei-o. Em uma tarde li quase a metade dele. A história de como John conhece Savannah e de como o encantamento surge pouco a pouco entre os dois me deixou impactado por razões também diversas. Não sei como a história vai continuar. Estou exatamente no trecho em que eles descobrem que estão amando pela primeira vez na vida. John percebe que Savannah é o que de melhor já aconteceu na vida dele e ele sabe disso porque ele apenas sabe disso. É a certeza que vem do coração. Impulsivamente ele diz que a ama e ela corresponde dizendo que também o ama. Eles se conhecem a apenas quatro dias, mas eles têm certeza. E a forma como o Nicholas Sparks, autor do best seller, narra o encontro dos dois é perfeitamente crível. É o tipo de história que eu gostaria de contar um dia em um livro. E se eu conseguir começar meu próprio livro esse ano, compromisso assumido no final do ano passado comigo mesmo, como parte de uma atividade que fiz, certamente será por ter, "coincidentemente", me deparado com o livro que parecia insistir em ser lido. Vi que a magia do encontro, é a verdadeira magia da vida.  

Algo me diz que será inevitável ao menos uma postagem sobre o livro e o sobre o filme também, que vou assistir sim, mas só depois de terminada a leitura...

Por fim, a terceira experiência foi das mais singelas. Meio-dia deste sábado, olho para o céu e para minha surpresa lá está ela, a lua. De certo que vez ou outra se vê a lua ainda de dia, mas sempre no final da tarde, mas insisto que era meio-dia. Pensei: por que você está aí a uma hora dessas? Quem já leu outras postagens minhas sabe desse meu encantamento pela lua. Mas ela não me respondeu. Há tempos que não conversamos. De certo que alguém que entenda da física celestial me dará uma explicação científica-racional para o aparecimento da lua àquela hora. Mas meu coração insiste em buscar algo mais. Talvez eu nem me lembrasse da pergunta que fiz à lua, mas aí a resposta me veio horas depois. Neste sábado, durante o dia, morreu Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na lua. E durante o dia a lua no céu parecia estar a sua espera. Ele que tocou a lua literalmente e que, quero imaginar, passou toda a sua vida com saudade dela, enfim, estava indo ao seu encontro. O formato da lua lembrava o de um grande sorriso, meio que na lateral e em minha mente imaginei Armstrong chegando novamente à lua e ela com esse sorriso de braços abertos para abraçá-lo. (:

Eu sempre costumo pesquisar alguma foto no google imagens para ilustrar minhas postagens, mas hoje decidi exercitar outras linguagens que não só as palavras, encorajado que fui pelo encontro com o amigo que me falou para ser generoso comigo mesmo. Assim, resolvi eu mesmo fazer meus desenhos daqui para frente. Depois, quem sabe dê para se fazer alguma análise de mim por esses desenhos? E como primeiro desenho, nada mais oportuno do que imaginar o encontro da lua com Armstrong, astronauta no qual me vejo, me projeto e me personifico.

Quem sabe nas próximas postagens eu não descreva outros eventos tão mágicos quanto uma conversa, um livro e uma lua.

Sincronicidade...

sábado, 18 de agosto de 2012

SEM SENTIDOS


Já faz algum tempo que não escrevo a partir de filmes. Houve um período até que acharam que eu estava tentando tornar-me alguma espécie de crítico de cinema. Como expliquei, essa nunca foi a intenção. E continua não sendo, mesmo porque dessa vez comento a partir de um filme que abandonei pela metade e não sei nem mesmo como termina e foi justo pela angústia provocada pela perspectiva do final do filme que me fez desistir de assisti-lo todo. É bem provável que em outra oportunidade eu veja o filme completo, mas há dias em que não se está bem e isso acaba catalisando sentimentos como a angústia da temática evocada pelo filme. Contudo, o enredo não deixa de despertar reflexões posteriores e esse blog acaba sendo, como sempre, vítima desses pensamentos.

O filme, uma produção conjunta alemã, britânica, suíça  e dinamarquesa, de título original perfect sense, em português nomeado como "Sentidos do Amor", coloca um casal como pano de fundo de uma pandemia que assola a humanidade, onde um a um os sentidos, olfato, paladar, audição, visão e tato, vão sendo perdidos. Lembrem-se que não assisti tudo, mas o que importa aqui é pensar como seria uma vida sem sentidos. Na verdade, o que dá sentido a vida são justo os sentidos. São eles que fazem com que pessoas e fatos, parafraseando Milan Kundera, se inscrevam em nossa memória poética.

Acredito que o filme me deixou assim tão angustiado porque desde criança a ideia de perda de algum sentido sempre me assustou. Já adulto passei a encarar o fato de que estou perdendo o sentido da audição de um dos ouvidos. Imaginar perder todos os sentidos então, acaba potencializando esse medo. Mas dizem que uma das formas de enfrentar os medos é falar sobre eles. Talvez por isso esteja aqui nesta madrugada escrevendo esta postagem.

Sem o olfato, não teríamos memórias das mais marcantes. Pelas narinas nos vem o ar puro, ainda que engarrafado e também a fragrância única formada pelo contato do perfume utilizado com a pele da pessoa que se ama. As pétalas de rosas não se entranhariam tanto em nossa alma e o  cheiro do mato agreste após a chuva não deixaria tantas lembranças.

Sem o paladar, perde-se grande parte do sabor da própria vida, como o gosto de morangos com chocolate e vinho ou mesmo sushis comidos com indiscreta e bem humorada displicência. O sabor de um beijo diferente de todos os outros só é possível porque o cérebro consegue interpretar maravilhosamente o que nos quer comunicar nossas papilas gustativas.

Sem a audição... (arrepios me invadem). Sem a audição, o som daquela voz que não se esquece e não se quer esquecer nunca, não transformaria tanto os nossos dias. E o que dizer das músicas que fazem parte de nossa história e que nos transportam para momentos que ficaram eternizados?

Sem a visão não seria possível perceber que o mundo fica ainda mais colorido quando se sente uma emoção que nunca se experimentou antes. Sem a visão o rosto da pessoa amada e de pessoas queridas não fariam parte de nossa memória. O que dizer daquelas fotografias, com efeitos especiais ou não, que podem ser expostas nas paredes do quarto lembrando a felicidade vivida? Memória fotográfica literalmente... Mais sobre a fotografia...? Bem, disso já falei em postagem anterior...

Sem o tato, sem o contato, sem o abraço, sem o toque, sem a pele, sem a textura, sem o calor da água quente do chuveiro, sem o frio que pede agasalho e aquecimento, sem sentido...

Peço que não julguem o texto, ao menos dessa vez. Apenas aceitem-no, se possível, assim como está escrito. Sei que cada um pode dar sua própria interpretação e que o texto uma vez escrito não mais pertence ao autor, mas imaginem que é apenas um texto de alguém que tem medo e que está buscando formas de vencer esse medo, como que numa terapia, onde a fala é o meio de cura. Já escrevi textos com o objetivo de polemizar, de contrariar, até mesmo de agredir, mas esse é apenas para buscar um pouco de uma sincronicidade entre escritor e leitor, não para satisfação do ego, mas pela felicidade que se tem quando se lê o que se pensa e quando se escuta (audição de novo) que o que se escreve é exatamente aquilo que o outro pensa. Aquelas coisas que dão, enfim, sentido a vida...

sábado, 11 de agosto de 2012

PRENÚNCIOS


Noite de insônia, pra variar...

É, "variar" deve ser a palavra certa... Basta de ficar deitado na cama, rolando de um lado para o outro. Levanto, ponho calça, camisa e tênis, pego o carro e vou ao supermercado 24 horas. Pra que deixar para a manhã o que se pode fazer de madrugada? Sem estresse, sem pessoas apinhadas nas filas dos caixas, além de contar com o trânsito livre. Pode parecer pouco, é realmente pouco, mas não deixa de ter aquela sensação boa de liberdade, de não obedecer o convencional, de não fazer o que todo mundo faz. Se Jesus estava certo ao dizer que pequenos atos negativos prenunciam atos negativos futuros maiores, a lógica não deve ser diferente para outros tipos de atos. Assim, pequenas transgressões que trazem felicidade ainda que momentânea, de certo são prenúncio de transgressões maiores que causarão uma felicidade maior. É uma questão de fé, concordo, mas o que não é (mesmo) uma questão de fé? No rádio do carro, num volume bem acima do (meu) normal, toca Alagados, do Paralamas do Sucesso, que fala  d'"Arte de viver na fé", ainda que não se saiba "fé em que?".

Essa música, que tocou ainda na escura madrugada prenunciava um fato que viria a ocorrer um pouco mais tarde. Voltando para casa, depois das compras feitas com aquela tranquilidade esperada, o dia já claro, mas a cabeça, pensando em coisas mil nem havia percebido o amanhecer. Foi quando ele apareceu com sua conhecida força. O sol nascia  no horizonte com um brilho arrebatador, dependurado num céu, que como diz a música Boa Pessoa d'A Banda Mais Bonita da Cidade, é de uma beleza que caçoa. De imediato fico encandeado. Um risco para quem dirige, é verdade. Mas alguns riscos devem ser assumidos em prol da beleza. Por vezes, o próprio risco é prenúncio da beleza que há por vir. O sol parece rir de mim, se divertir com minha surpresa. Ele já conhece minhas surpresas com a natureza que eu pouco ligava antes, via lua, com a qual  tem uma relação mais do que próxima, pois é através dela que ele consegue iluminar as noites mais escuras e sombrias, especialmente dos insones de plantão. Mesmo dentro do carro com ar condicionado ligado no modo "pólo norte" (risos), sinto o calor que ele emite, como que querendo abraçar a mim e ao mundo de uma só vez e ele consegue, afinal de contas, Ele é o que é!

Aí lembro da música dos Paralamas... "Todo dia, o sol da manhã vem e lhes desafia, traz do sonho pro mundo quem já não queria..." e penso como cada dia é um novo dia, apesar de sempre parecer o mesmo. Parece-nos mais fácil achar que o dia, as pessoas e os fatos se repetem, que não mudam nunca, que sempre são e serão os mesmos. Não há como negar que é mais fácil, mais prático e menos desgastante pensar assim. Porém também poda a nossa capacidade de acreditar na mudança, no inesperado, no milagre. Só que mesmo pensando assim, o dia amanhece sempre diferente, o sol nunca nasce no mesmo lugar, o brilho não tem sempre a mesma intensidade. As mudanças podem ser até bem sutis, mas ainda assim são mudanças e mudanças sutis, uma a uma, podem causar verdadeiras revoluções. Mudanças sutis, são prenúncios das revoluções.

Quase chegando em casa, feliz pela conversa com o sol, o rádio resolve tocar Eu Quero Ser Feliz Agora do Oswaldo Montenegro. Ah, para que pressa de chegar em casa com um sol desses? Mais umas voltas no quarteirão para ouvir a música inteira, apreciando a beleza de versos como "se joga na primeira ousadia, que tá pra nascer o dia do futuro que te adora e bota o microfone na lapela, olha pra vida é diz pra ela: eu quero ser feliz agora!"

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quarta-feira, 1 de agosto de 2012

CONTOS DA LUA #2: Doze Luas (agosto, 2012)


Esse segundo conto da lua, o primeiro dentro da promessa de que um novo conto seria postado a cada noite de lua cheia, quase não sai na data prevista. Acordei no meio da madrugada e me lembrei que da janela próxima ao meu computador, em determinada altura da noite, é possível ver a lua.  Dito e feito, lá estava ela, linda e maravilhosa. Uma noite de algumas nuvens, mas daquelas que apenas de vez em quando encobrem a lua dando-lhe um aspecto enigmático, silencioso, reflexivo.

Sentei-me no chão, próximo à janela, e fiquei ali admirando-a. Ela sem falar nada, parecia gostar de ser vista em sua completude. Não sei por quanto tempo permaneci no mesmo local, quase imóvel. Foi quando me dei conta que precisava cumprir a promessa dos contos. Só não sabia como e qual, pois foram tantas as histórias e tão belas que merecem ser todas contadas, porém não de qualquer forma, já que são histórias, de todos os tipos, das mais simples às mais inacreditáveis. Precisava de inspiração. Aí, me dei conta, que desde o dia, enfim, que eu olhei (mesmo, de verdade) a lua pela primeira vez, se eu fosse contar a passagem do tempo como os povos primitivos, diria que haviam se passado doze luas desde então.

Mesmo essa história do meu encontro com a lua já ter sido descrita em grande parte na postagem primeira sobre a lua ("Mundo da Lua") alguns fatos anteriores e posteriores podem ser ditos também, de modo que resolvi que o segundo conto da lua seria justo sobre mim e sobre a lua, ou ao menos sobre um pouco de mim e sobre um pouco da lua.

Lembro, como fato anterior, que o nosso encontro foi preparado com antecedência. Eu, como já confessei antes, nunca fui de observar a natureza e a lua nela se incluía. Mas numa noite de julho, eu no sítio de minhas tias no interior de Alagoas, com uma dessas insônias que me é tão comum, com todos tendo dormido muito cedo conforme costume da região, sem ter o que fazer, um tanto quanto entediado, resolvo ficar na cama tentando acessar pelo celular o facebook para ver se conseguia alguma distração para a noite que prometia ser longa. O sinal para variar era péssimo, mas de vez em quando dava um “traço” de cobertura no mostrador do celular e eu conseguia ler ou enviar um inbox, sempre demorando muito entre um e outro. Tentando explicar meu tédio, típico de viciado em tecnologias da modernidade, me disseram com sutileza: “tenta olhar a lua! Dizem que nesses locais ela fica ainda mais linda”. Confesso que o comentário mexeu comigo em algum lugar, mas o meu racionalismo típico tratou de abafar a mudança que já começava a se proceder dentro de mim, uma revolução silenciosa forjada ao longo dos anos a qual eu não atentava muito, apenas preocupado com o lado “sério e responsável” da vida. Mas aquelas palavras foram como sementes do evangelho que caíram em terra boa e acabaram por germinar no dia em que, sorrateira, a lua apareceu diante de mim em todo o seu esplendor, sorrindo de minha cara estupefata por nunca antes tê-la percebido assim. Ela disse que durou o tempo que foi necessário para que a plantinha começasse a nascer e que dali para frente nós dois passaríamos a ter uma relação muito mais próxima, de companheirismo, de cumplicidade até. Eu contaria minhas alegrias e tristezas, minhas histórias repetidas e aquelas que até então permaneciam em segredo, meus medos e minhas realizações, e ela, em troca me contaria histórias das pessoas que ela observou lá do alto durante todos esses anos.

Como fato posterior, que fica claro nas postagens ao longo dessas doze luas, não houve uma única noite onde eu não a procurasse no céu, em cada uma de suas fases, de seus momentos. Algumas vezes a sua posição em relação ao sol ou o tempo ruim não me permitiam vê-la, mas sempre havia a certeza que ela ali estava e que me ouvia e me ajudava a ser uma pessoa melhor. Incrível como observar coisas tão simples como o luar podem nos ajudar a ficar mais próximos de Deus. Lembro nesse instante de um livro de meu escritor preferido, o Rubem Alves, cujo sugestivo título é “O Amor que Acende a Lua”. Livro de crônicas, organizadas em sessões nomeadas com as fases da lua: nova, crescente, cheia e minguante. Numa das crônicas ele defende a necessidade de aulas de “escutatória” ou invés das aulas de oratória. Ele faz uma bela defesa da arte do ouvir, e a certa altura parafraseia um poeta dizendo: “não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma”. Sempre falei demais e ouvi de menos, percebi isso com a lua. Antes dela eu, de forma até um pouco arrogante, achava que era um bom ouvinte. Não era! Ela me mostrou que para ouvir de verdade é preciso paciência, contemplação, silêncio. Desde então tenho feito um esforço para ouvir de verdade e nesse exercício tenho percebido porque ela, a lua, sempre tão silenciosa, tem tantas histórias por contar, porque ela sabe ouvir as tantas pessoas que a ela recorrem todas as noites.

Paro um pouco de escrever e me volto para a janela de onde posso vê-la e surpreendentemente não há mais nenhuma nuvem a encobri-la. Ela nada fala dessa vez. Em sua escuta silenciosa deve estar oferecendo sua luz, tomada emprestada do sol, para clarear a vida de tantos de nós que nos encontramos no escuro, depois de dias difíceis onde tudo parece não ter solução. Ela parece querer, com seu brilho estonteante, nos ensinar que também somos luz, que também podemos espalhar essa luz, que ao iluminar o caminho dos outros estamos, também nós, iluminando um pouco o nosso próprio caminho.