quinta-feira, 7 de junho de 2012

MINHA VIDA, MINHA GREVE


Esta postagem é na verdade sobre a greve dos professores das instituições federais de ensino, mas eu ainda demoro um pouco para falar diretamente sobre o assunto, portanto, aos interessados no tema (e sei lá, em saber minha opinião), esperem um pouco. Quem não se interessar é só parar por aqui ou ler outras postagens do blog.

Era uma vez um menino que aos três anos resolveu que queria ir para a escola e já no primeiro ano fez, o que chamavam naquela época de Jardim I e Jardim II no mesmo ano, dado o bom aproveitamento dele. Isso também ajudou seus pais, que receberam uma bolsa do governo nos anos seguintes para que ele pudesse continuar naquela escola, a Escolinha da Mônica, uma escolinha de bairro, mas uma boa escola. 

Ele seguiu com a bolsa até encerrar o primário na quarta série (hoje 5º ano do ensino fundamental) e ao mudar de colégios para fazer o ginásio (hoje do 6º ao 9º ano do ensino fundamental) ele conseguiu "levar" essa bolsa, o que permitiu que seus pais pudessem manter os outros dois filhos nas mesmas escolas. 

Quando estava prestes a ir para o segundo grau (hoje, ensino médio), os pais haviam melhorado um pouco a condição financeira e ele já sonhava em ir para um colégio desses famosos (e caros) porque só assim teria condições de passar no vestibular, rezava a lenda. Mas aí o destino apronta das suas e seu pai perde num incêndio o local onde comercializava suas coisas. Entra o menino, agora um adolescente tímido, na seleção por meio de histórico escolar em uma escola pública das mais concorridas. Consegue, mas vai ao primeiro dia de aula assustado, com medo das histórias que ouvira sobre a qualidade dessas escolas. Lá encontra um grupo de professores prestes a se aposentar, que haviam sido oriundos de uma época em que as escolas públicas eram referência e ser professor delas era atraente de várias formas, tanto financeira como socialmente prestigiada. Naqueles dias porém, o salário já estava em muito defasado, a biblioteca da escola parecia um museu, e sua primeira sala de aula tinha uma assustadora armação de madeira que sustentava o teto para que este não caísse sobre a cabeça dos alunos. Greves eram uma constante, na busca dos professores por melhores condições salariais e de infraestrutura para os alunos, mas surtiam pouco efeito. Contudo, aquela leva de bons professores antigos acalentava ainda esperanças de ao final da carreira fazerem alguma diferença nas vidas daqueles alunos desmotivados por uma péssima estrutura física, e pelas fragilidades de novos professores que foram selecionados "por baixo" porque os melhores professores preferiam ir para outras oportunidades de trabalho onde ganhariam mais, já que negociar com o "patrão" governo era infrutífero. 

Esse adolescente que acabara de completar 16 anos terminou o segundo grau nessa escola e foi um dos dois únicos alunos de sua turma que passou no vestibular para uma universidade pública e federal naquele ano, mesmo ocupando a posição de número 187 em 200 vagas disponíveis (Administração era um dos cursos como maior número de vagas). O menino sabia que a sofrível aprovação teve muito de seu mérito, mas ao encarar as provas do vestibular, viu também que devia muito aos professores que teve, às oportunidades que conseguiu, e a grande maioria delas surgiu de políticas públicas, ainda que paliativas e deficientes. 

Ele jovem, começa a sua graduação e encontra professores naquela época já desmotivados, sem interesse, lutando novamente por melhores salários e recebendo insistentes "nãos" do "patrão" Governo Federal. Muitos dos bons professores foram embora atrás de locais onde pagassem mais, mas felizmente encontrou ainda ali, um bom número dos que tinham prazer no que faziam, que lhe deram verdadeiras lições profissionais e de vida, que se tornaram seus mentores, apesar das dificuldades que enfrentavam para dar seu melhor. Mesmo não conseguindo negociar com o governo, mesmo recebendo "nãos", mesmo tendo oportunidades de buscar fora melhores oportunidades, resolveram ficar e fazer a diferença. Lá ele terminou a graduação, fez seu mestrado e agora faz seu doutorado.  

Muitos desses excelentes professores se aposentaram, alguns bons professores entraram, mas a defasagem salarial certamente afastou muitos novos excelentes professores que foram seduzidos por maiores vantagens salariais. Ele próprio trabalhou na iniciativa privada ganhando mais do que o dobro do que recebe hoje como professor dessa própria universidade federal, e saiu não em busca de estabilidade no emprego, mas sim de autonomia para poder trabalhar, de oportunidade para ajudar os alunos a crescerem, enfim, em busca de um sonho.

Nos três anos que lá está, num campus avançado no agreste pernambucano dessa mesma universidade que estudou, viu coisas maravilhosas, como ter alunos de 14 cidades diferentes da região em uma mesma turma e jovens que sem essa política pública de interiorização nunca teriam a oportunidade de serem os primeiros universitários de suas famílias. Ele próprio foi o primeiro universitário da família, tanto pelo lado paterno quanto pelo lado materno. 

Ele passou por uma seleção difícil, sendo o primeiro lugar dentre 32 inscritos, mas é bom que se diga que a vaga para professor assistente (que pede apenas mestrado) só surgiu porque ninguém com doutorado se interessou em ir para um campus no interior que não tinha nenhuma vantagem financeira extra e que ainda funcionava precariamente num polo de confecções sem uma estrutura adequada à função que deveria se prestar. 

Pouca coisa mudou nesses três anos e é justo esse o problema, ele não sabe ainda o que é um aumento de salário, embora tudo a sua volta tenha aumentado de preços. Ao abastecer o carro ele pagava em torno de R$1,50 por litro de combustível naquela época do concurso, hoje para R$2,76. Ele faz parte de uma comissão de concursos que analisa a documentação dos candidatos e uma vaga para professor na área de sistemas de informação não teve nenhum doutor apto inscrito para esse campus no interior. E quem entrar agora terá um teto para se aposentar, bem abaixo (muito abaixo) do salário final que receberá. 

Ele quer continuar nessa instituição, quer mesmo, ele quer fazer a diferença, ele quer ser como seus excelentes professores, mas teme muito que o nível das seleções continuem a cair, que a carreira fique cada vez mais desprestigiada, que cada vez menos pessoas sonhem em ser professor, apenas porque o governo não está se importando e eles então devam ir atrás de novos "patrões" na iniciativa privada. Ele ainda pôde contar com os arremedos de políticas públicas, mas e os alunos dos próximos anos? 

Ele queria muito estar errado, mas a cada dia que passa percebe que seus prognósticos são verdadeiros e sua conta bancária e os postos de gasolina insistem em lembrá-lo disso. Assim, como ele não quer simplesmente pegar suas coisas e ir embora negociar com "patrões mais simpáticos à sua situação financeira" e porque prefere ainda acalentar seu sonho  e oferecer aos alunos um pouco das oportunidades que teve na vida, ele tem que apoiar a greve, ainda que, infelizmente, traga problemas para os alunos, mas certamente os problemas deles e dos futuros alunos serão bem maiores no futuro.

Ah, desnecessário dizer que o menino da história sou eu mesmo não é? O próprio título da postagem já acabava com o pseudo suspense: "Minha Vida, Minha Greve".

"E Sereis Como Deuses..."


Lembro que o que salvou minha fé quanto à divindade da Bíblia foi a descoberta de sua humanidade. Adaptando citação de Santo Agostinho para o Cristo, mas que se adequa perfeitamente à origem dos livros bíblicos, estes “são tão humanos, mas tão humanos, mas tão verdadeiramente humanos que só poderiam ser divinos”.

O Gênesis é, por exemplo, um grande livro de poesias, o que não o torna menos verdadeiro, ao contrário, pois as poesias têm o grande poder catalisador da verdade imbuído dentro de si e só quem um dia amou verdadeiramente sabe como algumas palavras têm força de realidade.

Pois bem, mas isso é para citar a história lá de Adão, Eva e a Serpente. Deus cria o homem e a mulher, dá a eles o paraíso, apenas pedem que não comam os frutos de uma determinada árvore e Ele, Deus, faz isso não com o sadismo que alguns costumam atribuir a Ele, mas sim como uma mãe que pede que seu filho não coma algo que lhe faça mal, pois a mãe sabe que o filho irá sofrer com aquilo e mais ainda, que ela própria irá sofrer ao cuidar do filho doente, não pelo “cuidar” propriamente dito, ela até prefere estar ali ao lado, mas pela aflição de ver a quem tanto ama sofrer.

A serpente promete aos habitantes do Éden que se eles desobedecerem e comerem do fruto proibido conhecerão a tudo, serão como deuses. Querer ser igual a Deus, esse é o grande pecado original e não a forçada conotação sexual que um bando de moralistas de pouco (ou nenhum) conhecimento exegético e/ou com tendências manipuladoras utiliza. Mas em concordando com isso, um outro grupo pergunta, ironicamente, se Deus não estaria com medo da “concorrência”.  Ora, novamente a superficialidade impera. O pecado nunca é na verdade contra Deus, o pecado é contra si mesmo, é algo que faz mal a nós mesmos e o “não pecar”, mais do que uma imposição contratual é, em verdade, uma prece pela nossa própria felicidade. Como dizia uma canção religiosa antiga, “a melhor oração é amar”.

E não há pecado maior do que querer ter controle, como um deus (em minúsculas), sobre tudo e sobre todos. E o termo “original” associado a este pecado de querer ser como deuses, reside na tendência que todos nós temos de querer controlar todos os aspectos de nossas vidas e também os aspectos da vida do outro, dos outros, do mundo se possível. Esquecemos que mal agüentamos os fardos que a vida nos coloca, as preocupações pequenas, tais como, contas a pagar, e queremos ter controle sobre tudo, passado, presente, futuro, mudando a nosso bel prazer os rumos da história para que se adequem à nossa vontade. Eis a visão do inferno, todos como deuses, adaptando o mundo às suas vontades próprias... “conflitos de interesses” seria ainda um termo muito superficial para o caos que se estabeleceria. Não é à toa que a Bíblia diz que foram expulsos do paraíso, mas não foi Deus quem os expulsou, eles, ou melhor, nós escolhemos isso quando,deixando de aproveitar a vida, passamos a querer controlá-la. Bendito sejam os limites, são eles que nos tornam mais humanos, mais simples e certamente mais felizes.

Recentemente senti isso em condições nada agradáveis, mas é preciso aprender com os limites, na verdade a aprendizagem acontece quando chegamos ao limite. Cuidar de quem se ama quando essa pessoa está doente não é fácil. Ver as consequências da doença na pessoa, a dor, o sofrimento, a tensão, o medo, é algo que mexe profundamente com alguém. Nessas horas a noção de controle não funciona tanto, pois vemos quão pequenos somos e tudo o que desejamos parece ser apenas que a dor da pessoa a quem tanto amamos se dissipe, e quando não conseguimos nos bate um certo desespero e até uma certa culpa, fardo grande que jogamos nas nossas próprias costas. Nessas horas limítrofes nos bate a humanidade e deixamos de lado nossa tentação de a tudo controlar. Por vezes precisamos sair de cena e deixar que alguém, mais adaptado assuma o “comando” e entregamos a pessoa amada a quem melhor pode cuidar dela, que pode até ser um médico sisudo envolto em sua tecnicidade ou mesmo uma enfermeira rabugenta cansada de tantos plantões.

Não é fácil, mas é preciso! E quando nos comprometemos em dar o nosso melhor, respeitando a nossa humanidade, os nossos limites, certamente é mais fácil que deixemos os outros darem seu melhor. E quando tudo funciona bem, quanta felicidade em poder ver o brilho retornar aos olhos da pessoa a quem tanto amamos nos mostrando que ela se recupera, que não sente mais tanta dor. Nessas horas, entende-se que ser feliz depende de muito pouco e não do controle do mundo, do destino, da vida. Isso deixamos para Deus, que por sua vez, sabiamente, pede sempre nossa ajuda até onde podemos ir, pede o nosso melhor.

Amar alguém, estar próximo nos momentos bons é demasiado fácil. Ser companheiro na dor e preferir estar do lado de quem se ama nos momentos difíceis, mesmo sem saber direito o que fazer, mesmo sem poder curar a dor da pessoa, mesmo sujeito a demonstrar tão publicamente seus próprios limites, suas  próprias fragilidades, eis aí o verdadeiro sentido do amar.

sábado, 2 de junho de 2012

TUDO SOBRE VOCÊ * (repost)

* postagem originalmente publicada em maio de 2010, direto do túnel do tempo...


Não me canso de admirar, mesmo que com uma “pontinha” de inveja (da boa), a incrível capacidade de síntese dos poetas e dos compositores, competência que lhes dá condições de falar sobre o infinito em quantidades finitas de palavras.

Dia desses me deparei com uma dessas preciosidades, a música “Tudo Sobre Você” do John Ulhoa e da Zelia Duncan, muito bem interpretada pela própria Zelia. Abaixo a letra da música e um link para quem desejar ouvi-la (recomendo!):

TUDO SOBRE VOCÊ
Queria descobrir
Em 24hs tudo que você adora
Tudo que te faz sorrir
E num fim de semana
Tudo que você mais ama
E no prazo de um mês
Tudo que você já fez
É tanta coisa que eu não sei
Não sei se eu saberia
Chegar até o final do dia sem você

E até saber de cor
No fim desse semestre
O que mais te apetece
O que te cai melhor
Enfim eu saberia
365 noites bastariam
Pra me explicar por que
Como isso foi acontecer
Não sei se eu saberia
Chegar até o final do dia sem você

Por que em tão pouco tempo
Faz tanto tempo que eu te queria

Ouça a música AQUI

Quando se está apaixonado as coisas acontecem mais ou menos assim como na música, cada hora, cada fim de semana, cada mês, cada semestre, cada conjunto de 365 dias é dedicado a saber mais, a conhecer mais a pessoa amada, a pessoa que não se esquece, a pessoa em torno da qual os nossos pensamentos passam a girar.

Quando se ama de verdade, não é preciso pedir ao amante que faça resumos sobre a vida do ser amado,até porque a vontade de quem ama não é resumir, é ampliar.

Quando o amor fala mais alto, exigir freqüência de quem se ama soa até ridículo, pois quem ama está presente até na presença de uma ausência.

Quando se ama de coração, não é necessário pedir que quem ama faça uma apresentação em PowerPoint do seu amor, pois a apresentação está nele mesmo, na alegria estampada na “tela” de seu rosto, no entusiasmo com o qual fala sobre a pessoa que ama.

Quando o amor é verdadeiro, não são necessárias provas, avaliações, testes, pois fica sempre notório que a pessoa que ama é expert quando o assunto é o objeto de seu amor.

Quando a pessoa amada passa a ser o centro de sua vida, não existe nota, muito menos média mínima, pois sempre se quer o máximo, sempre se quer ir além dos limites, ir até onde ninguém foi, romper barreiras, sejam elas geográficas, sociais ou mesmo ideológicas.

Quando o coração bate mais forte à mínima menção do nome de quem se ama, e quando essa pulsação acelerada vem acompanhada de um sentimento de felicidade, não existem reprovações, apenas a certeza de que se tem o essencial e não o supérfluo e, ainda que esse “essencial” seja invisível aos olhos como nos ensina a raposa d’O Pequeno Príncipe.

Se utilizássemos um pouco dessa lógica em nossas salas de aula, nós professores, compreenderíamos que nosso objetivo principal não é o de ensinar o assunto, o conteúdo programático, a ementa, mas sim o de sermos “cupidos” intermediadores entre os alunos e os conhecimentos.

Nosso papel é o de promover, atiçar e eternizar a paixão pela busca do conhecimento. Se fizéssemos isso, resumos, apresentações, seminários, chamadas, provas, testes, simulados, notas, médias, aprovações, seriam termos obsoletos para designar palavras como amplidão, felicidade, prazer, alegria, intensidade, motivação, autonomia, liberdade, admiração, realização, integridade, coerência...

Colegas professores, bem que podíamos ouvir mais músicas, recitar mais poesias, assistir mais filmes, enfim, nos apaixonar mais, pois sem paixão não faz sentido ser professor, não faz sentido ser aluno, não faz sentido existir conhecimento algum, pois não haveria sentido em buscá-lo. Nada faz mesmo muito sentido quando não se tem paixão...