Ultimamente até piadas me fazem refletir, algumas até mais do que muitos dos textos acadêmicos lidos. No post anterior já havia iniciado com a piada do eletricista, agora não consegui dormi e acabei me levantando pensando em outra piada, e até como forma de ver se, colocando essas palavras para fora, eu consiga voltar pra cama, aqui estou escrevendo.
A anedota de minha insônia de hoje conta que numa grande enchente, dessas que estão virando rotina, um pastor evangélico de muita fé, precisou subir até o telhado para fugir das águas. Passou então um morador com uma canoa oferecendo carona e ele disse que não precisava porque Deus iria salvá-lo. Depois a defesa civil veio com uma lancha e tentou resgatá-lo, mas ele disse que não precisava porque sabia que Deus viria salvá-lo. Por fim, quando as águas já se precipitavam por sobre o telhado, um helicóptero das forças armadas que ajudava no resgate jogou uma escada dessas de corda para que ele subisse e ele insistiu em não ir, gritando para que ouvissem apesar do barulho das hélices, que Deus viria salvá-lo. Por fim, o pastor morreu afogado. Chegando ao céu, ele resolveu tirar satisfações pessoalmente com Deus. Pediu uma audiência e ao ser atendido foi logo acusando o Todo Poderoso de ter sido negligente, de não ter cumprido a promessa de salvá-lo uma vez que ele tivesse assumido sua fé e outras coisas mais. Deus escutou tudo e ao final disse calmamente: “meu filho, eu mandei até helicóptero para lhe salvar...”
Fiquei pensando nas tantas oportunidades que a vida nos oferece e nós acabamos deixando passar. Diz a mitologia que a Oportunidade era um ser selvagem que vivia correndo em alta velocidade pelos bosques e florestas. Rezava ainda o mito que, quem conseguisse agarrar uma Oportunidade teria sorte para toda a vida. O problema era que, além de passar sempre correndo, ela, a Oportunidade, tinha o corpo escorregadio, sendo possível agarrá-la apenas pelos cabelos. O detalhe era que a Oportunidade só tinha cabelos na parte posterior da cabeça. Assim, a única forma de conseguir agarrar a dita cuja era prever sua chegada e no momento exato virar-se de frente para a criatura e agarrar-lhe, com unhas e dentes (dizem que é daí que deriva a expressão popular que alude a esse fato), os seus cabelos. Só assim ela poderia ser capturada.
Fiquei triste com a situação do pastor da piada. Tanto tempo de preparação não lhe foi útil para agarrar as inúmeras oportunidades que lhe foram oferecidas, tanto que acabou pagando com a própria vida por sua incapacidade de entender os fatos e de reagir diante dessas informações.
Lembrei-me ainda do filme “Proposta Indecente”, onde um homem muito rico oferece um milhão de dólares a um casal para passar uma noite com a mulher. Quando o enredo consegue nos deixar bem à vontade no papel de juízes das ações do milionário, levando-nos a considerá-lo um canalha, ele conta uma história de sua adolescência, ainda pobre, quando voltava para casa de metrô. Nessa viagem, diz ele, havia uma linda garota sentada um pouco a sua frente. Toda vez que ele a olhava ela desviava seu olhar. O mesmo fazia ele ao ser encarado por ela. Numa das estações ela desceu. Olhando pela janela, nas palavras dele, ela lhe deu o mais lindo sorriso que jamais vira e desde então nunca mais esquecera. Ele tentou ainda descer do trem, mas as portas se fecharam e ele foi levado a outra estação. Chegando lá pegou um trem de volta, desceu na estação anterior, a procurou por todos os lados, pelas redondezas, voltou dia após dia até a estação, no mesmo horário e em outros horários, mas nunca mais a encontrou. Segundo ele, havia perdido a oportunidade de sua vida e por isso resolvera que acontecesse o que acontecesse não deixaria isso tornar a se repetir, por isso foi capaz de oferecer tanto dinheiro por ela. Mais tarde, no filme, ele a deixa ir porque, a despeito de todos os seus esforços ele sabe que ela nunca olhará para ele como olhava para o marido. Ao menos ele tentara. Mas essa coisa de olhar é sempre muito forte mesmo...
Não estou querendo fazer apologia à ética instrumentalista onde os fins são justificados pelos meios. Apenas me vieram essas imagens à cabeça e precisava colocá-las para fora para tentar dormir. Sei que o pastor e o milionário são diferentes, mas agiram de forma semelhante a muitos de nós que ficamos presos ao comodismo das convenções que nos são impostas. Impossível não se identificar com eles. Impossível não se perceber tão incapaz nessas horas em que perdemos oportunidades por motivos diversos, alguns até razoavelmente justificados por essas convenções, mas que ainda assim são e serão sempre oportunidades perdidas. E depois ainda reclamamos de não termos sorte na vida...