sexta-feira, 27 de maio de 2011

Um Diálogo sobre Realidade


Como não lembro das palavras exatas, sintetizo o teor e o clima da conversa que ouvi...

Ele (com ar triunfante): “enfim li algo que você escreveu que entendi totalmente... afinal de contas você estava me citando.”

Ela (com ar ainda mais triunfante, e quem triunfa por último triunfa melhor): “e quem disse que citar você significa que assim fiz dentro do significado que você deu? Veja que o que você falou é tão genérico que pode ser aplicado a muitas coisas, inclusive ao não-você”.

Não era preciso saber sobre o que falavam, só esse trecho já me foi muito inspirador. Li Bruno Latour para a aula do doutorado, bloqueei ao ponto de não conseguir amarrar nenhuma ideia enquanto fazia sua leitura, a coisa melhorou um pouco na aula com os debates e com os bons devaneios dos colegas do “fundão” da sala, mas só comecei a entender o tal texto depois que ouvi este diálogo. Fiquei até com um pouco de pena dele, afinal de contas não deve ser fácil não entendê-la, mas por outro lado, não deixa de ser bem empregado. Quem manda ele partir do pressuposto que pode entendê-la? Ele já devia ter percebido que o convencional não faz parte da cartilha dela. Mas ainda assim insiste. Acho que ele está aprendendo, mas enquanto não aprende a lição, ele ao menos me ajuda na minha lição com Latour...

Quando nos achamos detentores da verdade, corremos o risco de interpretar tudo ao nosso redor de acordo com nossos padrões pré-estabelecidos, sedimentados, decantados, tanto que chegamos mesmo a chamar esse “ao nosso redor” de “realidade”. Esquecendo que a história é contada pelas coisas e não pelas pessoas, que apenas pegam emprestados os significados que emergem dessas mesmas coisas. E se nossa significação, nossa determinação de realidade, se baseia nessa emersão de significados das coisas, não podemos desprezar que cada um dá o significado que bem entende, ou que bem apreende, para essas mesmas coisas. No diálogo, ele achou, por ter elaborado um código lingüístico para descrever a realidade observada, que era o detentor da própria realidade e, o que foi ainda mais petulante de sua parte, o detentor das significações dadas por outras pessoas, inclusive e logo, por dela, que rapidamente o pôs em seu devido lugar. Ela talvez nunca tenha lido Latour, mas pelo que observei da conversa que tiveram, ela “pratica” Latour.

Ela o ensinou que existe uma realidade que está lá, mas que também se constrói e se reconstrói. As palavras que ele disse para ela expressavam “uma” realidade. E nesse caso a “coisa” lá está. Só que uma vez lá, a coisa se altera, se transforma, se metamorfoseia, de modo que nunca mais será a mesma que antes. Não adianta pôr cercas para, dentro delas, criar um rebanho de realidades. Sem as cercas, o rebanho pode ser melhor, maior, mais amplo, mais verdadeiro. E por mais mutável que seja a realidade, por maior que seja a diferença entre o “antes” e o “depois”, ainda assim terá valido a pena. Já dizia o poeta português que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

Tenho certeza que ele não se arrependeu do que disse (antes), mas isso não lhe dá em hipótese alguma o direito de ser um ditador do “depois”. E do “depois” desse “depois”, nem ela é dona, mas a vantagem dela é que ela já sabe disso enquanto ele ainda está aprendendo. Creio que se eu tivesse mais intimidade com ele o mandaria ler Latour... quem sabe ele não lê esse post e começa a repensar, de verdade, seus pressupostos sobre a verdade, sobre as verdades.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Caminhos


Se os dias pudessem ser categorizados por temas rotulados por tags como aqui no blog, creio que hoje uma das tags possíveis seria “caminhos”. Várias foram as referências circulares em torno do tema desde que acordei e olha que isso signifca “poucas horas atrás”, até porque sabe-se lá Deus que horas eram quando enfim fui dormir.

Por vezes é tão mais cômodo ter apenas um único caminho a seguir, o que nos isenta de tomar decisões e consequentemente de arcar com os seus resultados, mas parece que o “poder divino”  não aprova muito esse “acomodar”, pelo menos não por parte de algumas pessoas que parecem ter vindo ao mundo com uma missão bem definida, a de serem fortes para poderem, por sua vez, doarem aos outros que precisam esse mesmo “poder divino” que  receberam. Aquilo que Agostinho queria dizer com “Deus quer precisar de nós!” O que seria do mundo caso essas pessoas não existissem? Contudo, é necessário, tal qual o Batman dos filmes, que é forte e que agüenta a pressão em prol dos outros, que essas pessoas sejam treinadas. Que se permitam, nem que por exercício mental, experimentar um pouco das sensações dos que têm dúvidas, dos que não são tão seguros, talvez por isso, Ele dê essas chacoalhadas para nos chamar atenção. É como de Deus tivesse um MSN e usasse aquela ferramenta de “chamar atenção” em que a tela do outro parece estar sendo vítima de um terromoto interno. A mudança nem sempre será necessária, mas a chacoalhada servirá para nos manter alerta e até para valorizarmos as decisões que tomamos ou as que iremos tomar. O mais importante será sempre o estado de prontidão à mudança e não a mudança em si, já que a última depende em grande parte da primeira, e quando se fala em “qualidade da decisão” essa dependência é ainda maior.

Em uma das dinâmicas que faço com meus alunos, o contexto que lhes é apresentado é a de que um meteoro se aproxima do planeta e que dificilmente a vida humana como a conhecemos se  manterá. Eles então são convidados a, em uma lista com 16 personagens, escolherem 8 para ocuparem uma nave espacial que permitirá aos seus tripulantes chegar a um novo planeta e recomeçar a história humana. Dou-lhes apenas poucas características de cada personagem, algumas não muito agradáveis e todas elas certamente dúbias, para a coisa ficar, digamos, mais “agitada”. O trabalho normalmente é feito em grupo e depois que os grupos chegam, após muitas discussões, a uma conclusão, peço que justifiquem suas escolhas. É curiosa e até certo ponto engraçada a forma como cada grupo defende com unhas e dentes a sua seleção de tripulantes. Mais interessante mesmo é o que acontece depois. Quando pensam que a dinâmica será encerrada, descobrem que há uma segunda fase, onde eu dou novas informações sobre os personagens e aí acontece de tudo um pouco. Há quem não queira nem ouvir as informações novas, outros por sua vez, os mais maduros, fazem questão de analisar tudo novamente e dessa análise sempre surge algo melhor, o que não significa em hipótese alguma que os grupos mudem suas escolhas iniciais, alguns até têm mais certeza ainda do caminho escolhido.

A intenção de trazer informações novas é a de chacoalhar, não a de provocar necessariamente a mudança, que poderá acontecer ou não, isso será apenas mais um detalhe, como diria o Roberto Carlos. Se tenho um caminho e me é apresentado um novo, analisar o novo me faz reanalisar o atual e tendo informações agora sobre duas (ou mais) possibilidades, a decisão por mim tomada, seja a de continuar no caminho atual, seja a de pegar um novo caminho, me ajudará a caminhar com mais convicção. E a convicção (que é diferente de radicalismo) é fundamental na caminhada. Como no livro d’O Pequeno Príncipe, o tempo gasto com a rosa  foi que fez a rosa ser tão importante para o príncipe. Por vezes, o tempo que gastamos na escolha de um ou outro caminho é o que fará dele tão importante, tanto se escolhermos ir quanto se escolhermos ficar. Quem não tem alternativas, escolhas, possibilidades, acaba não dando importância ao que tem, nem ao que escolheu.


terça-feira, 24 de maio de 2011

A Difícil Arte de Dar Explicações no Doutorado


Temos que manter coerência entre os mundos real e virtual, se é que existe mesmo uma fronteira que divida ambos, já que por vezes o virtual parece ser (bem) mais real que a própria realidade e a realidade, por sua vez, se apresenta em não raros momentos como algo ilusório. Um grande professor a quem admiro e gosto muito, apesar dele adorar “pegar no meu pé”, num de seus comentários na minha página do facebook, após verificar que minhas últimas postagens no tal site de relacionamentos versavam muito sobre música, sugeriu que eu deveria estar cursando uma “music discipline” no meu doutorado. Trocando em miúdos, é aquela velha desconfiança de que estamos com tempo demais de sobra para poder ficar compartilhando músicas na rede enquanto deveríamos estar estudando mais. É o velho “lê lê” aplicado à Academia. Mas eu perdôo, ele tem, como eu já disse a ele, uma “vontade de ser ruim”, mas é um dos caras mais humanos e verdadeiros (por vezes até demais) que eu conheço.

Mas eu precisava me defender. Precisava justificar minhas ações sem passar uma imagem de doutorando negligente. Imagem é tudo hoje em dia (risos). Vejam o trabalhão que dá justificar navegações despretensiosas no facebook quando se está num doutorado. Eis minha resposta a ele:
 
“Já estava sentindo falta de seus comentários professor (risos). Só que eu preciso me defender desse, ou melhor, utilizar argumentos que sustentem meus posicionamentos recentes no facebook. Vamos lá... Pois bem, segundo Boaventura Santos (2000) em seu "A Crítica da Razão Indolente", ele argumenta que o plano que sustentaria a Modernidade estava bem alicerçado entre dois pilares-tripés: o regulatório e o emancipatório. O tripé regulatório se sustentaria no Estado, na comunidade e no mercado. Segundo ele, contudo, nos últimos 200 anos houve uma regulação quase que exclusiva do mercado, uma discreta participação do Estado e uma quase inexistente dimensão comunitária. Já o tripé regulatório seria composto das seguintes racionalidades: moral-prática, estético-expressiva e cognitivo-instrumental. Ainda segundo ele, a ciência se apoderou da racionalidade cognitiva-instrumental de forma quase onipresente nos dois últimos séculos, as igrejas tiveram participação bem mais discreta que outrora, mas ainda assim se apossaram da razão moral-prática, ficando relegada quase que ao esquecimento a dimensão estético-expressiva, que aqui pode-se resumir como “arte” de um modo mais geral. Pois bem, Boaventura Santos defende que esse paradigma da modernidade e suas disfunções estão próximos do fim e defende um paradigma emergente que reequilibre ambos os pilares e em cada pilar, a tríade que os compõe, devendo pois, para corrigir as distorções geradas, delegar uma leve ênfase aos aspectos historicamente mais negligenciados em cada pilar: uma maior regulação pela “comunidade” e um maior poder emancipatório pela “arte”.  Assim, quando eu envio músicas (“arte”) pelo facebook (“comunidade”) eu estou de certa forma me preparando para o paradigma emergente ao mesmo tempo que coloco em prática o que estão me ensinando no doutorado. Desta forma, se eu estiver errado é bom convocar uma reunião urgente do Pleno do PROPAD, para colocarem a gente de novo no “bom” caminho... kkkkkkk... Eita, como doutorando sofre para poder explicar academicamente seus atos! (risos). Abraços!”

segunda-feira, 23 de maio de 2011

A Montanha Russa * (repost)

*Crônica "das antigas": abril de 2009. Originalmente publicada em um antigo blog.

Vou um dia ao parque. A maioria dos brinquedos não me agrada. É aquela circularidade constante. Como assim? Bem, não sei se você já reparou, mas a maior parte dos brinquedos de parque são circulares: carrossel, roda gigante e por aí vai... boa parte dos demais brinquedos são variações, saem os cavalos dos carrosséis, entram cisnes, carrinhos, frutas tamanho família e o tal do brinquedo dando voltas e mais voltas. Mês de abril me lembra aquele filme nacional muito bom (recomendo!), Abril Despedaçado. A cena inicial mostra bois girando em círculos sendo utilizados como força motriz para uma espécie de moinho. Os coitados dos animais presos por cangas, não as cangas que as mulheres usam como saída de banho nas praias, mas aquelas madeiras colocadas sobre os pescoços dos bois para prendê-los uns aos outros de modo a seguirem sempre o caminho desejado por seus donos. Está certo, você dirá que eu não precisaria ressaltar essa diferença de significados dados a esta palavra, mas sei lá, vai que alguém imagina um boi usando aqueles panos coloridos... seria uma cena engraçada... mas o filme não é uma comédia, é um drama, e dos mais fortes, ressaltando inúmeras vezes as circularidades da vida, aquele dar voltas sem sair do lugar. O filme traz o mote da vingança entre famílias, tão comum até bem como tempo atrás no interior nordestino, onde ninguém lembra muitas vezes por que e quem começou a briga, só sabe-se que o rito do olho por olho, dente por dente, deve ser perpetuado. Eu hein, comecei num parque de diversões e acabei no sertão semi-árido nordestino em meio a tiros de espingarda. Aí quando dizem que eu viajo... Ah, viagem! Lembrei onde queria chegar quando comecei a escrever...

Falava dos brinquedos que giravam sem sair do lugar e da sua quase onipresença nos parques de diversões, fato que acabava fazendo com que, desde a infância, ir a parques fosse uma experiência não tão divertida, pois quando me arriscava a embarcar em algum desses brinquedos ou em suas variantes, mais ou menos radicais, acabava com aquele famoso embrulho no estômago que tinha sempre um destino certo para ser entregue: o banheiro mais próximo (se houvesse um).

Mas eis que me aparece um brinquedo diferente, trilhos dispostos de maneiras inimagináveis à razão humana: pra cima, pra baixo, pros lados, inclinados, em looping... acima desses trilhos um ou mais vagões com pessoas dentro, presas por equipamentos de segurança, deslizando sobre esses mesmos trilhos malucos em alta velocidade. Um sobe e desce, um gira e mexe, força centrípeta para um lado, força centrífuga para o outro, subidas lentas cheias de expectativas, descidas vertiginosas sem expectativas, sem nada pensar. Só de olhar as pernas já começam a tremer, coração acelera, dá aquela vontade de sair correndo dali, mas fazer o que, a tal da montanha russa tem um poder de conquista fascinante. Entro na fila. É um misto de querer que a fila ande ao mesmo tempo em que se pensa se o não chegar a sua vez não seria uma bênção, que é de deixar qualquer um com o coração na mão. Não saio da fila. Chega a minha vez. Caminho em direção ao trenzinho. Meu Deus, isso não cai não!? Sento na poltrona. Baixo o equipamento de segurança. Dá pra desistir? Acionam o motor, o trem começa vagarosamente a andar. Não dá mais! Seja o que Deus quiser. Bem, talvez Deus tenha posto aquela fila enorme pra que eu desistisse. E eu ainda ponho a culpa Nele. Pode isso? Seja o que Deus quiser! Não custa rezar um pouco. O trem começa a subir a tal da montanha, lento que só um bicho-preguiça. Quase posso ouvir aquela “musiquinha” da famosa cena do filme Psicose quando o cara se aproxima da mulher no banho com uma faca. Estou chegando ao topo.Cheguei ao topo. O que está acontecendooooooooooooo? .... (momento sem palavras, sem pensamentos, sem ação, apenas alguns gritos de pavor, se é que está saindo algum som da garganta). O trem parou! Parou? Estou vivo? Sério? Posso ir de novo? Pode! É só entrar novamente na fila. Eu só fui mais sete vezes...

Quem me conhece sabe que nunca fui dado a essas aventuras muito radicais. Até mesmo uma simples viagem de avião me é algo angustiante. Assim, chega até a surpreender esse meu fascínio pela montanha russa. Até que me disseram que a vida é como uma montanha russa. Se fosse um desenho animado uma lâmpada teria se acendido sobre o meu ombro. Eureka! A montanha russa é uma metáfora da vida de qualquer um de nós, com suas subidas (lentas) e descidas (vertiginosas). E é bom que seja assim, pois podemos aproveitar a paisagem enquanto estamos a subir, com calma, obviamente que com aquela sensação que antecede a chegada ao topo, pelo que virá depois disso, se sobreviveremos à queda... Aí então chegamos ao topo e de um momento para o outro tudo se transforma. A descida nos deixa sem fôlego, sem palavras, sem ação, sem pensamento. E isso também é bom. Há horas na vida da gente em que é preciso se entregar totalmente ao momento. Quando subimos, a nossa atenção está para o externo, para fora, para a paisagem. Quando descemos, voltamos nosso olhar para nós mesmos, para o momento, para a queda. Precisamos dos dois momentos e das características que lhe são peculiares, respectivamente, a lentidão e aceleração, pois um só pode existir em função do outro. Lembro agora da música do Lulu Santos que ilustra bem esse meu pensamento: “não existiria som se não houvesse o silêncio”.  Lembro também do grande santo da cidadezinha de Assis na Itália, que rezava a Deus para ser portador do amor onde houvesse ódio, do perdão onde existisse ofensa, da união em meio à discórdia, da fé diante das dúvidas. São Francisco poderia ter sido inspirado por uma montanha russa, mas creio que podemos descartar essa possibilidade, pois ele viveu no século 12 e a origem das montanhas russas – russos descendo montanhas geladas em quedas vertiginosas enrolados em cobertores (e sem equipamentos de segurança) – data do século 15.

Desejo, pois, que continuemos subindo e descendo nas montanhas russas de nossas vidas cotidianas de modo a que possamos usufruir desses momentos não apenas sete vezes como disse Jesus referindo-se a quantidade de perdões que devemos dar, mas sim setenta vezes sete. Se na tradição judaica o número 7 já significa a quantidade necessária para completar algo, setenta vezes sete seria como elevar o infinito ao quadrado. Só assim seremos detentores do tudo, mesmo que seja um tudo do nada.

domingo, 22 de maio de 2011

Canção Pra Não Voltar

Mais uma dA Banda Mais Bonita da Cidade...



 

"... Não voe porque eu caio do ar
Não sei flutuar nas nuvens como você
Você não vai entender
Que eu não sei voar
Eu não sei mais nada..."

sábado, 21 de maio de 2011

Tristeza -> Oração -> Alegria OU "A Banda Mais Bonita da Cidade"

No livro Cenas da Vida, Rubem Alves apresenta uma crônica onde trata da depressão de forma singular e ímpar, colocando lá todo o seu jeito,  parte contador de histórias, parte poeta, parte terapeuta. Lá ele defende que as pessoas ficam deprimidas porque, em parte, há beleza na tristeza. Não fosse a tristeza, diz ele, não haveria tantas canções bonitas, especialmente as que falam de amor. A depressão também é, para a literatura, farta matéria-prima na produção de romances e poesias. Lá pelas tantas ele dá uma definição pouco convencional para a depressão: “depressão é quando o inconsciente fica tocando uma única música triste” e ele narra a cena em que está dirigindo, meio triste, um tanto quanto deprimido, e escolhe uma música para ouvir... essa música começa lânguida e se torna imediatamente aliada em sua tristeza, mas aí a música tem uma reviravolta, pega a depressão de surpresa e aos poucos enche o coração dele de alegria expulsando de lá a tristeza.

Essa foi a segunda crônica que li do Rubem Alves, e se a primeira, a que falava sobre poetas e cebolas, já havia me tornado o seu mais novo ardoroso fã, a sutiliza poética com que tratou um tema tão delicado fez-me um ávido consumidor de tudo por ele produzido. Mas tenho que confessar, eu nunca havia entendido (realmente) esta crônica, pelo menos não até ontem.

Estava eu meio triste como o Rubem Alves, vagueando pelo facebook, quando descubro um link para um vídeo... Muita gente comentando que era legal, compartilhando uns com os outros, aí resolvo acessá-lo. Parece o clipe de uma banda. É um clipe de uma banda, mas o nome da música é incomum (oração) e o nome da banda ainda menos ortodoxo (A Banda Mais Bonita da Cidade). A música é quase um mantra, se repete ad infinitum se assim desejarmos. Ela começa lânguida, cantada em voz única, embargada, triste, depressiva até... Minha tristeza, tal qual aconteceu com a do Rubem Alves se alia à música, se tornam companheiras, mas aí a música vai mudando, vai pegando de surpresa a tristeza e à medida que novos instrumentos e vozes são incorporados o coração vai se enchendo de uma alegria, dessas alegrias que a gente não sabe explicar, alegria de criança, alegria que dissipa as neblinas e expulsa a tristeza... Essa música não resolverá todos os problemas, não salvará o mundo, não pagará minhas contas, não apagará o passado, não fará o tempo voltar atrás ou correr pra frente, não diminuirá frustrações e ansiedades, não ajudará no seminário de terça-feira , não fará nada útil, e por isso mesmo ela traz alegria. Ela não serve a nenhum propósito, não tem objetivos, não é instrumentalizável, ou seja, é autônoma, livre de amarras e por isso é capaz de libertar nossa mente para voar... Entendo agora porque a música se chama oração, porque ela se pretende salvar o coração, mesmo não sendo o coração tão simples quanto se pensa, pois nele não cabem coisas quantificáveis, delimitadas, racionais, legais. Essas coisas a gente guarda na dispensa, lá na caixa de instrumentos que o Rubem Alves tanto fala. São importantes, mas não são vitais. A alegria pode até nem ser tão importante assim, mas é vital para continuarmos nossa caminhada sempre e sempre...

Para quem quiser ver o motivo de minha repentina e despropositada alegria, basta olhar duas postagens abaixo ou clicar AQUI.

Pergunta e Resposta

Perguntaram-me: “o que você gostaria de ter feito, teve a oportunidade de fazer e não fez?”

Respondi: “ter ficado bêbado ao menos uma vez!” 

Ok, esse post não tem um início politicamente correto e nem é minha intenção sê-lo aqui, embora fatalmente, como já me disseram antes, em algum momento desta crônica esse lado, que ora resolvi denominar de “militante” acabe emergindo... Como sempre! (acho até que já veio à tona...)

Mas enquanto o lado militante não abafa o lado poético (totalmente), continuo...

Foi uma resposta mais simbólica do que real (os interacionistas e os realistas que me desculpem, mas este é um comentário sem preocupações epistemológicas... deixo isso para as aulas das segundas – Metodologia – e quintas – Ciência e Conhecimento). Mas simbolizando que realidade? Aquela de não perder o controle!

Antes de responder à pergunta do início fiquei – durante aqueles poucos segundos que preencheram de vazio o espaço entre a pergunta e a minha resposta – pensando por horas a fio (o tempo da memória é infinitamente maior que o tempo cronológico) e elenquei um sem número de oportunidades não vivenciadas pelos mais diversos “eus” de mim mesmo. 

Qual delas escolher para dar uma resposta realmente verdadeira, como pedia a situação?  Como determinar qual, dentre tantas situações não vividas, teria sido melhor ser vivida, se não existiram, se nunca aconteceram, se ficaram no campo das ideias, do quase, do nunca? Deu tempo até de pensar no velho conto não escrito do escritor que, após perder a memória, como exercício mnemônico, começa a escrever um novo livro que acaba virando seu maior sucesso. Quando lido por uma pessoa de seu passado descobre-se que o desmemoriado escreveu na verdade um livro de memórias daquilo que nunca aconteceu.  

Não sabia mais quantas horas iriam esperar pela resposta e quase optei pela aleatoriedade, mas desisti na última hora (segundo). Não seria de meu feitio! Foi quando lembrei que símbolos têm essa coisa de dizer o que não pode ser dito, de rotular o que não pode ser categorizado, de agregar um valor muito maior do que o valor em si do objeto/fato significado, e daí a resposta me veio límpida como água transparente, embora acredite que foi mesmo a garrafa de vinho quase vazia a minha frente que me deu tal inspiração.

Para não perder o costume deixo o lado militante encerrar essa postagem...

“Se beber, não dirija! Se for beber, me chame... eu dirijo pra você!”

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Cabe em Três Vidas Inteiras...

Vídeo muito bom com a banda "A Banda Mais Bonita da Cidade" e o clip da música (quase mantra) "Oração":

ORAÇÃO
A Banda Mais Linda da Cidade
Meu amor essa é a última oração
Pra salvar seu coração 
Coração não é tão simples quanto pensa
Nele cabe o que não cabe na dispensa

Cabe o meu amor!
Cabe em três vidas inteiras
Cabe em uma penteadeira
Cabe nós dois

Cabe até o meu amor
Essa é a última oração pra salvar seu coração... [...] [...] [...]

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Receita de Moqueca de Arraia

Ingredientes da Receita de Moqueca de arraia

01 kg de arraia cortada e limpa;
01 vidro de leite de coco;
02 cebolas;
02 tomates grandes
02 pimentões, cortados em rodelas;
01 maço de salsa;
01 maço de cebolinha;
01 maço de coentro;
04 dentes de alho picados;
04 colheres de sopa de azeite de dendê.


Como Fazer Moqueca de arraia

Modo de preparo: Tempere a arraia, como se tempera qualquer peixe, pegue uma panela de barro ou outra qualquer e arrume em camadas alternadas, cebola, tomate, pimentão, salsa, ceboliha e coentro.
A arraia, alho... novamente a cebola... até em cima,leve ao fogo alto e deixe chororocar (refogar pouco), adicione o leite de coco e deixe cozinhar, quando a arraia estiver mole, adicione o sal a gosto e o azeite de dendê, deixe cozinhar por mais 05 min e sirva quente acompanhado de arroz branco.

Pinturas * (repost)

* crônica escrita há quase um ano atrás... também de lá do meu "cemitério de blogs".

Nietzsche foi brilhante ao perceber que ninguém tira de um livro mais do que tem dentro de si mesmo. Os mais puritanos podem achar até herético associá-lo a Jesus, mas este último, de forma não menos poética e filosófica, também fez menção a este fenômeno quando comparou o reino dos céus a um pai que tira de seu baú coisas novas e velhas.

Vê-se, portanto, que o que de fato importa para enxergarmos o mundo são as ”lentes” que utilizamos para tal fim: nossas experiências passadas, nossa formação (ou deformação), os êxitos e os fracassos, as certezas e as dúvidas, as oportunidades aproveitadas e aquelas cujos detalhes se perderam, parafraseando o Roberto Carlos, na longa estrada do tempo que transforma as coisas em quase nada. Mas que quase também são mais um detalhe, pois as coisas importantes, marcantes, intensas, não morrem facilmente e de vez em quando, por estarem guardadas em nossas mentes e corações, acabam aflorando, vindo à tona, se fazendo presentes pela ausência. Computadores são dotados de ferramentas para “deletar” , “bloquear”, “negar permissão”, “arquivar”, “formatar”... o ser humano não. Pobres máquinas! Talvez o Jesus adicionasse hoje em dia uma nova bem-aventurança: Bem aventurados os que não esquecem...

Em minha última crônica, “Tudo Sobre Você”, fiz referência à minha admiração aos poetas e aos compositores pela densidade do que descrevem, capazes de encerrarem o infinito no pequeno espaço de poucas palavras. Mas o que dizer dos que conseguem fazer o mesmo, mas sem as palavras? Os pintores por exemplo. Sem palavras, as telas recheadas de cores e formas – imóveis – são capazes de levar a uma infinita mobilidade de pensamentos. 

Ali, naquele espaço outrora em branco, agora coberto de tintas, o enunciado do Nietzsche é ainda mais claro, evidente, óbvio. É minha emoção, é minha recordação, é minha percepção, aquilo que dá sentido ao que vejo. Posso olhar um quadro hoje e novamente amanhã ou depois de um ano, e em cada um desses momentos, minha interpretação, minha significação, minha interação simbólica, me levará de volta aos “mares”, ao contrário do poeta, “dantes navegados” e me deixará a sensação de que da próxima vez que vê-lo, terei – agora sim, como o poeta – ido “por mares nunca dantes navegados”, com aquela sensação de estarmos dentro de um poema do T.S.Eliot, nos vendo no fim de nossa viagem, voltando ao ponto de partida e tendo a impressão de vê-lo pela primeira vez.

Enquanto escrevo, lembro de um trecho do belíssimo “Uma Mente Brilhante” – filme que é um retrato parcialmente biográfico do ganhador do Nobel, gênio matemático, precursor da Teoria dos Jogos, revisor da teoria econômica clássica e, creiam, esquizofrênico, John Nash – onde o personagem interpretado pela belíssima Jennifer Connelly, Alicia Nash, esposa do protagonista da história, em uma festa, ao admirar uma pintura supõe que Deus seja um pintor, pois só isso explicaria a existência de tantas cores.

As nossas lembranças podem ser analogamente comparadas a quadros emoldurados pela vida e fixados na parede de nossa alma. Talvez por isso, muitas vezes, nos resta tão somente a possibilidade de ter acesso apenas às pinturas que marcaram e demarcaram o nosso existir, mostrando-nos aquilo em que nos tornamos e principalmente aquilo que nunca conseguimos ser. Imobilidade... mobilidade... imobilidade...

Conjunto Vazio

Vazio: uma palavra cheia. Cheia de vazios. Lembro das aulas de matemática de minha infância onde teimavam em me ensinar sobre conjuntos e um dos tipos era o conjunto vazio. Diziam lá que conjunto “é uma coleção bem definida de objetos ou seres”. Ora, o conjunto vazio então seria um contra-senso, uma coleção bem definida de “nadas”.

Aí o tempo passa e coisas que nos acontecem fazem-nos ver a vida de forma menos literal e mais literária. Aprendemos poesia e vemos que não era a matemática o contra-senso, o contraditório estava em nós. A presença de uma ausência, o estrondo de um silêncio, o peso da sutileza, a força da fraqueza, o sucesso do anonimato e o extraordinário cotidiano nos fazem rever nossas concepções de mundo e o conjunto vazio está sempre cheio daquilo que nunca existiu, daquilo que talvez exista um dia e daquilo que nunca existirá, ou seja, cheio de vazios. 

Às vezes queremos jogar para os outros a responsabilidade de completar os nossos conjuntos vazios esquecendo-nos que é transferir para terceiros aquilo que é nossa responsabilidade, nosso desejo, nosso sonho. Por vezes nem nos damos conta que estamos fazendo isso e, certamente, em boa parte dos casos, não temos consciência do mal que estamos causando quando condicionamos o nosso senso de “preenchimento” em coisas que não dependem apenas de nós. Somos egoístas, ou melhor, egocêntricos, e achamos que o mundo deve girar em nossa órbita, esquecendo que há outros mundos, outras órbitas, outros sonhos, outros desejos, outros “nós mesmos”.

Pior que conjuntos vazios só mesmo o conjunto unitário, uma coleção de um elemento, ainda uma contradição, mas que não permite desta vez nem mesmo uma licença poética, pois o vazio pede preenchimentos, mas o unitário limita a entrada e não deixa espaços para as possibilidades. É a história única, a visão única, o jeito único de ver a vida. “Antes vazio de que mal unitário”.

Clique AQUI para assistir um interessante vídeo sobre o perigo das “histórias únicas”.

domingo, 15 de maio de 2011

Uma Vitória do Davi Tricolor Contra o Golias Rubronegro

Enfim acabou o campeonato pernambucano. Talvez agora o ano possa começar para muita gente que passou cinco meses só discutindo sobre a coisa do hexa. O Náutico querendo a todo custo evitar que o Sport obtivesse o título e o Sport querendo igualar a conquista alvirrubra, mesmo que agora (e só agora) os torcedores façam questão de dizer que não era assim tão importante o título... conversa pra boi dormir, o mesmo polêmico boi que foi oferecido como oferta num terreiro para que o time ganhasse o título

Ao final das contas, nem um e nem outro. O título ficou com o Santa Cruz, o time com uma folha de pagamento que em todo campeonato não chegou ao que o Sport paga a seus jogadores em um mês. Foi uma vitória à Davi e Golias que mostra o que sempre ensino em minhas aulas de motivação: dinheiro é fator higiênico, ou seja, não motiva, apenas evita a desmotivação.

Zé Teodoro, técnico do Santa Cruz
Um parabéns especial ao técnico do Santa Cruz que soube ser humilde até os últimos instantes. A forma como não deixou que os jogadores comemorassem na semana passada a arrasadora vitória em plena Ilha do Retiro foi um grande exemplo, ao contrário de tantos e tantos (praticamente todos!) torcedores do Sport, que quando passaram pelo Náutico e conquistaram vaga na final, já se consideravam campeões, digo, hexa-campeões. 

Mesmo estando desgostoso com o futebol (ver crônica sobre isso AQUI ), não há como negar que o esporte ensina lições e essa é preciso ser assimilada: um time em crise, que está na quarta divisão do campeonato brasileiro, que vinha decepcionando ano após ano sua torcida, com uma folha de pagamento ridícula para os padrões de Náutico e Sport, conseguiu ser um exemplo durante todo o campeonato.

Como alvirrubro é óbvio que estou alegre com o Sport ter perdido (mais uma vez!) o hexa, mesmo com todo o dinheiro que sempre teve a mais (muito mais!) desde que entrou para esse “câncer” do futebol brasileiro que reproduz todo o sistema de desigualdade social do país, que é o Clube dos 13, mas fico mesmo muito feliz em ver que ainda é possível que os pequenos e mais pobres consigam mudar histórias. Que isso represente uma inspiração para todas as pessoas que lutam dia após dia contra a dificuldade de sistemas injustos e opressores. 

Meu pai, feliz DA VIda
Mas minha alegria maior foi ver a felicidade de meu pai que conseguiu ingressos na última hora para assistir ao jogo. Ele e meu irmão são tricolores e foi bom estar alegre junto com eles, já que sempre estávamos de lado diferentes nessa área. Confesso que queria estar no jogo, para poder presenciar ao vivo a emoção deles que tiveram tantas decepções nos últimos anos, mas infelizmente essa coisa de fazer doutorado não deixa muito tempo. Era um olho nos textos de Creswell e outro no jogo. Só espero não emitir nenhuma opinião confusa na aula de amanhã, até porque o professor é rubronegro.

Parabéns ao melhor time do campeonato que conseguiu um título merecido, à base de muita motivação. Parabéns ao grande Zé Teodoro, técnico do Santa Cruz, que soube gerir um grupo teoricamente inferior e maximizou os resultados. Parabéns painho, parabéns Noberto. Saudações alvirrubras aos tricolores.

domingo, 8 de maio de 2011

Suportar a Alegria * (repost)

*Crônica "das antigas", do começo de 2009, ano ímpar, literalmente, originalmente publicada em um dos blogs apagados pelo tempo...

Desde o primeiro dia desse ano que está valendo a reforma ortográfica. Até concordei com a maioria das justificativas dadas para tal, porém ainda não tive tempo de ver a fundo e me apropriar dessas mudanças e como temos até 2012 como prazo limite para descarte da versão agora antiga, peço desculpas aos mais “puritanos”, mas ainda escreverei com a versão que me é mais familiar, prometendo aos poucos utilizar a nova grafia. Feita esta advertência inicial, vamos à postagem de hoje, a primeira do ano...

Cheguei em casa um dia desses, manhã de sábado, tv ligada em um  programa apresentado pela Xuxa, ela entrevistando o Pe. Fábio Melo. Sinceramente ambos não me empolgam muito; mesmo sendo católico, o estilo dos padres popstars não me atrai muito (bem como os padres burocratas, legalistas, distantes do povo) e além disso, em minha cabeça ainda deve restar um trauma dos tempos de criança, onde eu achava que foi Xuxa quem tirou o Balão Mágico, programa do qual eu era fã, do ar. Assim, em “condições normais de temperatura e pressão” eu apenas passaria para o meu quarto sem dar a mínima para a entrevista.

Foi quando, neste exato momento, tocaram no assunto amizade. Coincidência ou providência divina, havia eu recebido o convite para dar uma palestra no dia seguinte a um grupo de jovens católico, exatamente sobre este tema. Como custa muito pouco ouvir e pode-se obter bons ganhos, ouvi a Xuxa mencionar aquela conversa de “clara-batida-em-neve” de que amigo é aquele que está presente nos momentos difíceis e tristes de nossa vida, ao que o Pe. Fábio retrucou, afirmando que a coisa funciona de maneira oposta... nos momentos difíceis sempre tem alguém perto. Me lembrei na hora de alguns velórios que fui em que pessoas que não suportavam o morto (ou seus familiares) estavam lá, sempre presentes, enviando em não raras vezes as tão prosaicas coroas de flores, e vi que ele tinha razão em seu argumento, de modo que sentei no sofá disposto a ouvir o complemento de sua explicação, ante a cara de perplexidade feita pela Xuxa após o comentário.

Assim, o Pe. Fábio prosseguiu dizendo que amigo é aquele que consegue suportar a sua felicidade. Algo muito duro de ser dito assim, ainda mais em rede nacional, mas repleto de verdade, pois são poucas as pessoas que (realmente) se alegram com nossa alegria. Obviamente isso não se dá no campo das aparências. Por fora a pessoa se mostrará com um sorriso de canto a canto da boca, dará efusivos abraços, proclamará elogios, desejará mais sucesso, até dançará, beberá e comerá com você para demonstrar sua “incontida” alegria, porém, por dentro, estará com aquele sentimento mesquinho, invejoso e deturpado, principalmente se a conquista, a alegria, o sucesso for em segmentos em que não se obteve o mesmo, digamos, desempenho.

Professor que sou, lembrei logo dos alunos que tiram nota 10 e dos que tiram nota baixa (bem mais baixa por vezes) dando parabéns que nem sempre são sinceros. Administrador que sou, me lembrei de casos de sucesso de progressão em empresas, promoções, contratações, premiações, onde os demais da equipe se dizem muito alegres com o sucesso obtido pelo outro, quando na verdade, interiormente estão se remoendo de raiva e de frustração por não terem sido escolhidos, até mesmo quando sequer “mexeram uma palha” para merecer tratamento similar. Concluí logo que o padre estava muito certo em sua afirmação de como é difícil suportar tanta alegria.

Há uma teoria em Administração – a teoria da equidade (sem trema, olha eu já me convertendo à nova ortografia) – que diz, em grosso modo, que a motivação nossa está associada ao nosso senso de equidade, ou para ser mais preciso, de inequidade, de como nos sentimos injustiçados em relação a outras pessoas e situações. Quando dou aula sobre esse assunto gosto de fazer um pequeno devaneio-brincadeira. Escolho uma pessoa na sala e digo que ela irá ganhar um salário bastante alto, apenas para começar, em um novo emprego que estou arrumando para ela e pergunto o que ela, a pessoa, sente. O aluno escolhido normalmente fica muito alegre, mesmo sendo a proposta coisa de ficção científica. Aí me dirijo a um outro aluno na sala e proponho a ele um outro emprego, com atividades e carga de trabalho muito similares ao que o colega anterior irá desempenhar só que com o dobro do salário recebido pelo primeiro. Obviamente este último fica ainda mais feliz e então pergunto ao primeiro o que acha disso, e a alegria anterior parece que fez as malas e partiu. Convém destacar que se aplicarmos esse teste a maioria de nós o sentimento será o mesmo, de modo que não estou criticando ninguém com o teste, apenas mostrando como nossa natureza humana é e principalmente como é difícil suportar a felicidade alheia, mesmo quando estamos felizes. Por conseqüência isso mostra como é igualmente difícil sermos amigos de verdade. Minha linha de pensamento não vai pelo já conhecido caminho de julgarmos se fulano ou cicrano é ou não nosso amigo, por esse parâmetro da “suportabilidade” ou outro qualquer que determinemos, mas se por este ou outro parâmetro, podemos nos auto-julgar e nos auto-denominar como amigos verdadeiros ou de amigos de ocasião.

Minha reflexão ampliou-se ainda para outros segmentos que não apenas a amizade. Talvez o chefe, o líder ideal, seja aquele que consegue suportar o sucesso do subordinado. O amor verdadeiro talvez seja aquele surge quando um consegue suportar a felicidade do ser amado mesmo e quando não se é o motivo da alegria. E os bons pais talvez devam ser aqueles que se alegram verdadeiramente com o crescimento e as conquistas do filho, muitas vezes maiores do que eles – os pais – tiveram um dia. Não sei, são só “talvezes” que com o tempo podem vir a ser discutidos em maior profundidade.

Por fim, espero que vocês suportem mais esse texto, que se não é um motivo de alegria exacerbada para mim, talvez seja um recomeço para esse hábito de escrever que me faz tão bem, mas que precisa de inspiração, algo que acabei perdendo nos últimos tempos, mas que torço possa ser recuperado.

Um Feliz e Suportável 2009 a todos e a todas que por aqui passam...

Identidade Secreta

Tem dias em que a gente acorda pensativo. Pensamento no passado, no que ficou, no que nos tornamos, no que seremos. A memória vai buscar arquivos, que se não mortos, ao menos estão armazenados em lugares por onde não passamos com frequência, o que faz até com que nos esqueçamos deles. Mas aí um dia uma conversa, uma fotografia, um som, um gosto, um cheiro ou mesmo a textura de um objeto, fazem a gente lembrar daquela caixa onde guardamos nossos “eus” de ontem.

Creio que foi o que aconteceu hoje. Ao escrever um e-mail me lembrei dos super-heróis de minha infância. Para ler, os gibis eram sempre do super-homem. Para rir, o escrachado Batman da TV na década de 80, que nada tinha a ver com o obscuro Batman original. Para fazer traquinagens, nada melhor do que tentar subir pelas paredes como o homem aranha. Para ficar triste, o Hulk... (não essa versão anabolizada atual, e sim a do seriado de meus tempos de criança)


Paro ao tirar o Hulk (ou pelo menos a minha percepção de Hulk) do arquivo. O Hulk é agressivo. O Dr. Banner, identidade secreta dele, o oposto. Mas ambos são os mesmos. Talvez o gosto pelo personagem venha da ambiguidade, ou melhor, da identificação com a ambiguidade.  Da caixa sai ainda uma música, uma música instrumental. Aos primeiros acordes é como se o tempo parasse. Posso fechar os olhos e ver a parte que mais me atraia no seriado. Inevitavelmente o Dr. Banner, depois de salvar o mundo com a agressividade do Hulk, terminava cada episódio só, caminhando em direção a não se sabe onde, pedindo carona e ao fundo essa música... Pergunto-me por que uma criança ficaria sempre tão atenta a esse tipo de cena ao ponto de hoje ela fazer parte da memória adulta dessa mesma criança que não consegue contudo, se lembrar especificamente de nenhuma cena de ação? A música ecoa na cabeça e a questão parece ter uma resposta, mas aí o adulto pega a resposta e a coloca lá dentro da caixa de coisas velhas. 

“Fazer memória” para os judeus, do hebraico “Zikáron”, sempre foi um termo muito específico que significa mais do que recordar, e que tem origem na palavra ferroar (ou espinhar), ou seja, aquilo que penetra na carne, que marca, que por vezes dói, mas que nos traz à mente o passado, tornando-o mais presente do que nunca. Quando lembro, vivo novamente o passado. Mas será possível viver o futuro? Aquilo que ainda não aconteceu? Reza a lenda que crianças têm esse poder. Onde vi essa lenda? Não sei... coloquei de volta no arquivo-morto.

sábado, 7 de maio de 2011

De Mário Quintana

"Somos donos de nossos atos,
mas não donos de nossos sentimentos;
Somos culpados pelo que fazemos,
mas não somos culpados pelo que sentimos;
Podemos prometer atos,
mas não podemos prometer sentimentos...
Atos sao pássaros engailoados,
sentimentos são passaros em vôo."

Sobre mim... de alguém!

"Tua vida é uma série de feitos e acontecimentos interessantes,
mas niguém tem nada a ver com isso."

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Sobre Sentimentos

Se perguntado fosse eu
Sobre qual o pior sentimento
Responderia que é aquele quando não se tem
O menor direito de senti-lo
(Ainda que pior)
E ainda assim, se sente
E sobretudo assim, se sente

domingo, 1 de maio de 2011

TIMES DE FUTEBOL: vou não, quero não, posso não, eu mesmo não me deixo não!

Já faz algum tempo que estou querendo escrever algo sobre o que vou falar, mas pensava que seria melhor deixar para quando o meu time, o Náutico, ganhasse, porque assim ninguém poderia dizer que era “choro de perdedor” ou coisa parecida. Mas aí pensei melhor, muitas coisas se somaram nos últimos dias e decidi que vou falar assim mesmo, apesar da derrota de hoje, é um direito que me é reservado, o blog é meu, e afora isso, quem quiser pode falar o que der vontade, que também lhes é de direito, só não esperem respostas pois elas não virão, até porque escolhi decidir que essas coisas não são importantes, e não são mesmo.

Nos últimos tempos tenho até tentado continuar a ser torcedor. Não é coisa de hoje, mas até de alguns anos. Ser um torcedor digamos mais “fanáutico” começou meio que por acaso, quando ao me tornar professor universitário, percebi que “brincar” com essa coisa de time de futebol ajuda a “quebrar o gelo” nas aulas e me aproximar mais dos alunos. Só que precisava de elementos para poder usar no dia-a-dia, precisava me informar sempre sobre as últimas notícias dos times, campeonatos, estratégias etc. E acho que é nessas horas que a gente corre o risco de perder um pouco a razão e passar a dar importância demais a coisas sem importância. Não digo que seja necessariamente mal torcer por algum time, até porque ainda continuarei a torcer pelo Náutico, certamente vibrarei com gols e conquistas do time alvirrubro, mas é algo hoje, impensável pra mim, dar o nível de importância que vejo sendo dada ao assunto por outros torcedores, tanto do Náutico, quanto do Santa Cruz, do Sport e de outros times do Brasil e do mundo.

Fazendo uma análise mais aprofundada das raízes desse meu sentimento. Vi que a coisa vem de bem mais longe e acredito que começou quando fui morar em Caruaru após ter passado em concurso para professor do Campus do Agreste da UFPE. Foi lá que eu percebi que as “brincadeiras de time” não surtiam o mesmo efeito lá que surtiam em Recife, pelo menos se usássemos os três times principais de Pernambuco. Em Caruaru a maior parte ainda torce por times do sul do país, tanto que a cidade hoje lá deve estar certamente bem rubro-negra, mas com certeza não pela classificação às finais do Sport, mas sim pelo título carioca conquistado pelo Flamengo. Contudo, não é sobre isso que quero discutir!

Essa foi a origem, mas o curioso que a primeira vez que me dei conta de que essa rivalidade da forma como se apresenta atualmente não era algo saudável, foi quando o Náutico ganhava de três a zero desse mesmo Sport, no primeiro jogo das finais do ano passado. Depois o Sport em duas distrações do Náutico ainda conseguiu fazer dois gols que o ajudaram a ser campeão no segundo jogo da final. Mas na hora que a “ficha caiu” o Náutico ganhava e jogava bem e eu, como os demais torcedores alvirrubros presentes ao estádio, vibrávamos à plenos pulmões. Aí eu parei de pular e disse pra mim mesmo: “O que eu estou fazendo aqui? O que eu ganho com isso? Por que estou xingando os torcedores adversários?” Foi uma ducha de água fria. Todo mundo alegre ao meu lado e eu deprimido, decepcionado comigo mesmo. Percebi que por causa de um time, de uma dita paixão, eu deixava de ser eu mesmo e me transformava numa pessoa pior. Como disse antes, desde então tenho tentado mais parecer torcedor do que ser um. Quase que desempenhando um papel. Até porque, tanto os que torcem pelo mesmo time, quanto pelos times rivais, esperavam um certo “desempenho” de  minha parte nas conversas quando esse assunto surgia. A sensação de vazio e de fraude só aumentavam a cada dia, tanto que, a meu jeito, fiquei inventando desculpas para não ir ao estádio esse ano, mesmo com o time fazendo sua melhor campanha dentre as últimas temporadas.

Talvez eu até continuasse com a encenação esperando o melhor momento para terminar a “peça”, porém alguns fatos aceleraram esse processo. Uma delas foi ver um vídeo no youtube, onde uma pessoa, presumo que o pai ou irmão mais velho, estimula uma criança de dois ou três anos, a torcer pelo Náutico, mas de forma completamente distorcida, incitando-o a repetir palavras de ordem, palavrões, xingamentos, ódio puro. E ninguém duvida que isso aconteça também com torcedores dos outros times, mas precisa ter estômago para isso e sinceramente não tenho mais.

Quando terminou o jogo hoje, com a classificação do Sport, entrei no meu facebook, onde em tese estão relacionados amigos meus, gente conhecida, gente boa, gente trabalhadora, e li as coisas mais absurdas possíveis. Um sentimento de ódio e rancor dos torcedores do Sport para com os torcedores do Náutico, com insultos que nem ouso repetir aqui nem mesmo como exemplo. Eu olhava alguns comentários e via a foto da pessoa e achava decepcionante ler o que escreviam. Alguns dirão que isso é rivalidade sadia, que pela Internet as pessoas se soltam mais, mas não concordo. Aquelas coisas ali escritas não podem nunca ser sadias e se a pessoa soltou algo a mais na Internet, não muda o fato de que só se solta o que se tem dentro de si.

Na semana passada, quando o Sport ganhou o primeiro jogo, resolvi fazer um experimento e resolvi mandar mensagens via celular para vários amigos rubro-negros parabenizando-os pela vitória, que tinham jogado melhor e mereceram etc. e o que recebi de muitos (não de todos, felizmente) foi apenas mais gozação e algumas de um gosto extremamente duvidoso. Hoje mesmo, recebi de alguns destes, mensagens com uma linguagem de tão baixo calão, que eu não entendo como se tem coragem de enviar algo assim a um amigo. Eu teria pudores de enviar algo semelhante a um inimigo... Mais uma decepção! E tenho certeza que comentários assim teriam também surgido se o Náutico houvesse ganhado. Pois bem, antes que eu me transforme em alguém que não consegue controlar seus piores instintos primitivos, eu decido parar.

Além disso, nem vou aprofundar aqui a discussão do suposto suborno de dirigentes do Sport para que jogadores do Náutico entregassem a partida. Para mim quem denunciou no Náutico não podia fazer isso sem as devidas provas, mas certamente, no fundo, no fundo, nem o mais ingênuo torcedor do Sport consegue acreditar (mesmo) que tal coisa não tenha acontecido. Não seria a primeira vez e certamente não será a última, mas eu posso escolher acompanhar isso, me preocupar com isso, discutir isso, brigar por isso, fazer de conta que não vejo isso, mas eu também posso simplesmente escolher não querer saber mais disso e de outras coisas mais.

Só me preocupa o fato de que não são acontecimentos isolados, restritos apenas ao futebol. As pessoas hoje em dia estão tão frustradas em suas vidas pessoais, afetivas, familiares e profissionais que acabam descarregando toda essa frustração em ambientes que estão sendo direcionados para ser uma descarga emocional ao invés de procurar soluções reais aos problemas que enfrenta. Senti isso nesses comentários dos torcedores, sinto isso diariamente no trânsito dessa cidade louca, nas páginas das redes sociais virtuais, até nas eleições para reitor lá na UFPE senti isso, quando fui seguido pelos corredores no dia da votação apenas porque havia declarado apoiar um candidato que não era o preferido da maioria de meu centro. Até meus alunos foram ameaçados por isso, mesmo os pobres coitados nem sabendo quem eu apoiava, pois em sala de aula eu sou professor e professor de todos e nunca intimidaria ninguém com adesivos, camisas e discursos. Aula pra mim sim, é coisa sagrada. Reitoria, trânsito, Internet, time de futebol são coisas tão supérfluas que, parafraseando a música cantada pela Maria Rita, “não valem uma fisgada, de tão pequenos”.

E se eu tivesse ainda alguma dúvida se deveria fazer ou não esse desabafo hoje, o evangelho da missa de hoje, que assisti logo após o jogo, missa da oitava da páscoa, me teria feito decidir por colocar tudo isso agora. Os discípulos com medo, se escondiam num lugar secreto e com todas as portas fechadas. Essas mesmas portas não foram capazes de conter a entrada do ressuscitado que se apresentou no meio deles e, podendo dizer muitas coisas, escolheu dizer: “a paz esteja entre vocês!”

Sport e Santa Cruz farão a final do Pernambucano. O prof. Anísio, agora meu reitor, comandará a UFPE nos próximos quatro anos. Sairei no trânsito amanhã cedo. Continuarei com meus perfis no Orkut, no facebook, MSN, com esse blog etc. E a todos, só desejo que joguem, administrem, dirijam e se inter-relacionem com essa “paz” do ressuscitado, essa “paz” que deve fazer de nós o melhor que pudermos ser, uma pessoa melhor a cada dia, que faz do uso da palavra o melhor uso possível. E palavra é sempre algo muito sério, especialmente quando é dita da boca pra fora, pois é quando sai de dentro de nós que ela revela quem realmente somos.

Boa noite!