Já faz algum tempo que estou querendo escrever algo sobre o que vou falar, mas pensava que seria melhor deixar para quando o meu time, o Náutico, ganhasse, porque assim ninguém poderia dizer que era “choro de perdedor” ou coisa parecida. Mas aí pensei melhor, muitas coisas se somaram nos últimos dias e decidi que vou falar assim mesmo, apesar da derrota de hoje, é um direito que me é reservado, o blog é meu, e afora isso, quem quiser pode falar o que der vontade, que também lhes é de direito, só não esperem respostas pois elas não virão, até porque escolhi decidir que essas coisas não são importantes, e não são mesmo.
Nos últimos tempos tenho até tentado continuar a ser torcedor. Não é coisa de hoje, mas até de alguns anos. Ser um torcedor digamos mais “fanáutico” começou meio que por acaso, quando ao me tornar professor universitário, percebi que “brincar” com essa coisa de time de futebol ajuda a “quebrar o gelo” nas aulas e me aproximar mais dos alunos. Só que precisava de elementos para poder usar no dia-a-dia, precisava me informar sempre sobre as últimas notícias dos times, campeonatos, estratégias etc. E acho que é nessas horas que a gente corre o risco de perder um pouco a razão e passar a dar importância demais a coisas sem importância. Não digo que seja necessariamente mal torcer por algum time, até porque ainda continuarei a torcer pelo Náutico, certamente vibrarei com gols e conquistas do time alvirrubro, mas é algo hoje, impensável pra mim, dar o nível de importância que vejo sendo dada ao assunto por outros torcedores, tanto do Náutico, quanto do Santa Cruz, do Sport e de outros times do Brasil e do mundo.
Fazendo uma análise mais aprofundada das raízes desse meu sentimento. Vi que a coisa vem de bem mais longe e acredito que começou quando fui morar em Caruaru após ter passado em concurso para professor do Campus do Agreste da UFPE. Foi lá que eu percebi que as “brincadeiras de time” não surtiam o mesmo efeito lá que surtiam em Recife, pelo menos se usássemos os três times principais de Pernambuco. Em Caruaru a maior parte ainda torce por times do sul do país, tanto que a cidade hoje lá deve estar certamente bem rubro-negra, mas com certeza não pela classificação às finais do Sport, mas sim pelo título carioca conquistado pelo Flamengo. Contudo, não é sobre isso que quero discutir!
Essa foi a origem, mas o curioso que a primeira vez que me dei conta de que essa rivalidade da forma como se apresenta atualmente não era algo saudável, foi quando o Náutico ganhava de três a zero desse mesmo Sport, no primeiro jogo das finais do ano passado. Depois o Sport em duas distrações do Náutico ainda conseguiu fazer dois gols que o ajudaram a ser campeão no segundo jogo da final. Mas na hora que a “ficha caiu” o Náutico ganhava e jogava bem e eu, como os demais torcedores alvirrubros presentes ao estádio, vibrávamos à plenos pulmões. Aí eu parei de pular e disse pra mim mesmo: “O que eu estou fazendo aqui? O que eu ganho com isso? Por que estou xingando os torcedores adversários?” Foi uma ducha de água fria. Todo mundo alegre ao meu lado e eu deprimido, decepcionado comigo mesmo. Percebi que por causa de um time, de uma dita paixão, eu deixava de ser eu mesmo e me transformava numa pessoa pior. Como disse antes, desde então tenho tentado mais parecer torcedor do que ser um. Quase que desempenhando um papel. Até porque, tanto os que torcem pelo mesmo time, quanto pelos times rivais, esperavam um certo “desempenho” de minha parte nas conversas quando esse assunto surgia. A sensação de vazio e de fraude só aumentavam a cada dia, tanto que, a meu jeito, fiquei inventando desculpas para não ir ao estádio esse ano, mesmo com o time fazendo sua melhor campanha dentre as últimas temporadas.
Talvez eu até continuasse com a encenação esperando o melhor momento para terminar a “peça”, porém alguns fatos aceleraram esse processo. Uma delas foi ver um vídeo no youtube, onde uma pessoa, presumo que o pai ou irmão mais velho, estimula uma criança de dois ou três anos, a torcer pelo Náutico, mas de forma completamente distorcida, incitando-o a repetir palavras de ordem, palavrões, xingamentos, ódio puro. E ninguém duvida que isso aconteça também com torcedores dos outros times, mas precisa ter estômago para isso e sinceramente não tenho mais.
Quando terminou o jogo hoje, com a classificação do Sport, entrei no meu facebook, onde em tese estão relacionados amigos meus, gente conhecida, gente boa, gente trabalhadora, e li as coisas mais absurdas possíveis. Um sentimento de ódio e rancor dos torcedores do Sport para com os torcedores do Náutico, com insultos que nem ouso repetir aqui nem mesmo como exemplo. Eu olhava alguns comentários e via a foto da pessoa e achava decepcionante ler o que escreviam. Alguns dirão que isso é rivalidade sadia, que pela Internet as pessoas se soltam mais, mas não concordo. Aquelas coisas ali escritas não podem nunca ser sadias e se a pessoa soltou algo a mais na Internet, não muda o fato de que só se solta o que se tem dentro de si.
Na semana passada, quando o Sport ganhou o primeiro jogo, resolvi fazer um experimento e resolvi mandar mensagens via celular para vários amigos rubro-negros parabenizando-os pela vitória, que tinham jogado melhor e mereceram etc. e o que recebi de muitos (não de todos, felizmente) foi apenas mais gozação e algumas de um gosto extremamente duvidoso. Hoje mesmo, recebi de alguns destes, mensagens com uma linguagem de tão baixo calão, que eu não entendo como se tem coragem de enviar algo assim a um amigo. Eu teria pudores de enviar algo semelhante a um inimigo... Mais uma decepção! E tenho certeza que comentários assim teriam também surgido se o Náutico houvesse ganhado. Pois bem, antes que eu me transforme em alguém que não consegue controlar seus piores instintos primitivos, eu decido parar.
Além disso, nem vou aprofundar aqui a discussão do suposto suborno de dirigentes do Sport para que jogadores do Náutico entregassem a partida. Para mim quem denunciou no Náutico não podia fazer isso sem as devidas provas, mas certamente, no fundo, no fundo, nem o mais ingênuo torcedor do Sport consegue acreditar (mesmo) que tal coisa não tenha acontecido. Não seria a primeira vez e certamente não será a última, mas eu posso escolher acompanhar isso, me preocupar com isso, discutir isso, brigar por isso, fazer de conta que não vejo isso, mas eu também posso simplesmente escolher não querer saber mais disso e de outras coisas mais.
Só me preocupa o fato de que não são acontecimentos isolados, restritos apenas ao futebol. As pessoas hoje em dia estão tão frustradas em suas vidas pessoais, afetivas, familiares e profissionais que acabam descarregando toda essa frustração em ambientes que estão sendo direcionados para ser uma descarga emocional ao invés de procurar soluções reais aos problemas que enfrenta. Senti isso nesses comentários dos torcedores, sinto isso diariamente no trânsito dessa cidade louca, nas páginas das redes sociais virtuais, até nas eleições para reitor lá na UFPE senti isso, quando fui seguido pelos corredores no dia da votação apenas porque havia declarado apoiar um candidato que não era o preferido da maioria de meu centro. Até meus alunos foram ameaçados por isso, mesmo os pobres coitados nem sabendo quem eu apoiava, pois em sala de aula eu sou professor e professor de todos e nunca intimidaria ninguém com adesivos, camisas e discursos. Aula pra mim sim, é coisa sagrada. Reitoria, trânsito, Internet, time de futebol são coisas tão supérfluas que, parafraseando a música cantada pela Maria Rita, “não valem uma fisgada, de tão pequenos”.
E se eu tivesse ainda alguma dúvida se deveria fazer ou não esse desabafo hoje, o evangelho da missa de hoje, que assisti logo após o jogo, missa da oitava da páscoa, me teria feito decidir por colocar tudo isso agora. Os discípulos com medo, se escondiam num lugar secreto e com todas as portas fechadas. Essas mesmas portas não foram capazes de conter a entrada do ressuscitado que se apresentou no meio deles e, podendo dizer muitas coisas, escolheu dizer: “a paz esteja entre vocês!”
Sport e Santa Cruz farão a final do Pernambucano. O prof. Anísio, agora meu reitor, comandará a UFPE nos próximos quatro anos. Sairei no trânsito amanhã cedo. Continuarei com meus perfis no Orkut, no facebook, MSN, com esse blog etc. E a todos, só desejo que joguem, administrem, dirijam e se inter-relacionem com essa “paz” do ressuscitado, essa “paz” que deve fazer de nós o melhor que pudermos ser, uma pessoa melhor a cada dia, que faz do uso da palavra o melhor uso possível. E palavra é sempre algo muito sério, especialmente quando é dita da boca pra fora, pois é quando sai de dentro de nós que ela revela quem realmente somos.
Boa noite!