Ao contrário de minha postagem
anterior, mais impulsiva, esse texto está mais condizente com o espírito do blog
pois vem de longa data a vontade de escrever sobre o assunto. Falar de doença
nunca é fácil, talvez por isso a dúvida sobre conseguir ou não falar sobre.
Bem, talvez uma doença, digamos, mais física fosse um pouco mais fácil, mas uma
doença de fundo psicológico carrega sempre uma certa dose de preconceito, como
se pegar uma gripe fosse aceitável, mas ter depressão, não. Confesso que o
preconceito primeiro e maior foi mesmo meu, em relação a mim mesmo, embora não
seja fácil para as pessoas encarar esse tipo de doença, pois não somos
ensinados a lidar com isso. Talvez por essa razão também, para poupar as
pessoas do constrangimento de não saber o que dizer, que acabei contando para
um número muito reduzido de pessoas e mesmo nessa pequena amostra deu pra
sentir como é difícil lidar com alguém assim. A quem ler essa postagem peço, se
possível, que não se preocupe em falar algo da próxima vez que nos
encontrarmos, apesar de tudo, continuo sendo o mesmo de sempre, ou talvez não,
mas o importante é que é algo que faz parte da vida e da natureza humana, mais
comum do que podemos supor, por isso, relaxa (risos). Eu tenho ouvido tantos
desabafos de pessoas que passam por problemas semelhantes e que me pedem
conselhos, que não estive sendo honesto em não contá-las que o que me faz
entender tão bem e ter uma afinidade fora do comum, como me disseram outro dia,
com pessoas que passam por tais dificuldades, é justo por experimentar em mim
mesmo, tudo aquilo que me contam reservadamente.
Há pouco mais de um ano atrás
recebi o diagnóstico da depressão. Embora vários indícios e fatos anteriores
(alguns bem anteriores) já indicassem isso, os sintomas e sentimentos à época
não deixaram dúvidas. Meu médico então, me sugeriu fortemente procurar um
terapeuta, indicando até um nome. Confesso que saí do consultório abatido, embora
nada surpreso, pois era algo já evidente, mas ouvir o diagnóstico não foi
fácil. Fiquei com o nome e o telefone da terapeuta por vários dias, pensando se
ligaria ou não. Decidi procurar no google qualquer coisa que me falasse sobre a
profissional, mas é evidente que as reservas do processo terapêutico não
estariam assim expostas na Internet e sim, nem tudo está na rede. Por
coincidência (ou seria melhor dizer sincronicidade?), quando desisti de saber
algo mais sobre a terapeuta, ao entrar no facebook, me deparei com um convite
para participar de um grupo de arteterapia que começaria em poucos dias, com
apenas 10 vagas disponíveis. Não sabia realmente do que se tratava, mas tomado
por um impulso pouco comum a mim nesses assuntos, de imediato enviei um e-mail
pedindo mais informações. Fui respondido rapidamente pelo facilitador e acabei
confirmando minha inscrição no grupo.
De certa forma a razão pela
qual estou escrevendo agora é porque neste dia de hoje, 07 de julho (7 de 7, e
o 7 é um número que merece uma postagem só para ele), faz um ano do primeiro
encontro do grupo. Fui apenas para ver como era, dizia para mim mesmo. Acabei
indo, a partir daquele dia, até o final do ano, todas as quintas-feiras à noite
para o encontro. E se alguém ouviu de mim qualquer justificativa para não ir a
algum compromisso na quinta à noite, tal como "grupo de estudo", "preparação
de seminário para o dia seguinte no doutorado" ou outra explicação
esfarrapada qualquer, peço que me desculpe. Não fiz por mal. Éramos 10 no
primeiro encontro; 5 no último. Mas não éramos certamente, os mesmos 5 daquele
grupo de 10 do primeiro dia. Muito em nós começou a mudar ali e continua até
hoje...
Nesse primeiro dia, de posse
do endereço, terceiro andar de um prédio do Recife Antigo, chego num bar onde
ninguém sabe de nada. Dou voltas em torno do local e já pensando em desistir resolvi
fazer uma última tentativa ligando para o facilitador e depois dele me atender
dando o bar como ponto de referência, que era em frente ao prédio correto,
entendi que, por uma dessas loucuras de quem determina os endereços, a rua
tinha a mesma numeração tanto do lado esquerdo quanto do direito. Descobrindo
enfim o local, subi até o terceiro e último andar do prédio em uma escada que
rangia mais do que em filmes de terror. O aspecto sombrio do prédio antigo
também não ajudava muito, mas incrivelmente eu subi com muita confiança e só
mais tarde, quando o facilitador evocou a possibilidade de que alguns de nós
talvez tivesse ficado ressabiado com a escada e a aparência do prédio, foi que
eu percebi que deveria ter me sentido assim, mas não fiquei. Durante o encontro
e em outros tantos mais, certamente como um mecanismo de defesa, procurei me
abstrair da situação como se eu estivesse ali para observar e ajudar os outros
e talvez aprender algo que me ajudasse em sala de aula, sem reconhecer que eu
precisava de ajuda. Isso foi mudando aos poucos e talvez até hoje não tenha mudado
completamente, mas mudei muito minha postura ao longo das semanas.
Não vou falar das pessoas do
grupo e nem do que lá acontecia, até porque o processo terapêutico é reservado,
mas posso dizer que me impressionou muito como cada atividade artística que
realizamos contava mais um pouquinho de cada um de nós e até de mim que sempre
fui muito reservado para a maioria dos assuntos. O tema escolhido pelo
facilitador para o grupo é o mesmo que dá o título dessa postagem,
"cuidar", e isso sincronicamente tinha muito a ver com o que me levou
até lá. Era preciso sim cuidar dos outros, mas sobretudo, cuidar de si próprio.
A lição é tão difícil de aprender que ainda hoje incorro nos mesmos erros, mas
ao menos reconhecer-se errado ou talvez limitado seja o princípio da mudança.
Assim espero, pois os encontros acabaram enquanto entidades físicas, concretas,
objetivas, reais, mas continuam enquanto momentos que passam a fazer parte da
vida da gente. Dá para entender melhor o que a raposa disse ao pequeno príncipe
no livro do Exupéry de que tudo valeu a pena pelos "campos de trigo".
Na passagem o príncipe se despede da raposa que, na sequência, diz que vai
chorar, mas que valeu a pena toda a amizade, porque sempre que ela olhasse os
campos dourados de trigo lembraria dos cabelos dourados no pequeno príncipe.
Assim, não são com os mesmos olhos que hoje vejo tintas, lápis, cartas de tarô,
máscaras, músicas, papéis, recortes... tudo valeu a pena, muito a pena, tudo
foi, é, e sempre será muito "ok". E por falar em olhos, talvez tenha sido o
principal elemento que me "perseguiu" durante aqueles meses... como foi
difícil olhar nos olhos, falar sobre o olhar, ouvir falar sobre não olhar e
como foi bom aprender a "olhar nos olhos", a enxergar com os olhos da
alma, enfim com os dois olhos e não apenas um, como nuns bonecos japoneses que
também fizeram parte dessa história.
Hoje, passado exatamente um
ano, bate aquela sensação de não ter conseguido avançar. Sei que meus amigos de
jornada no grupo arteterapêutico também de vez em quando pensam assim. Mas da
mesma forma que não se atravessa o mesmo rio duas vezes, porque nem o rio e nem
nós somos os mesmos, ao menos estamos diferentes, mais felizes quem sabe, mas
com certeza mais fortes e mais preparados para enfrentar os nossos próprios
medos, anseios, dúvidas... A vida tem seus altos e baixos como nas
montanhas-russas, mas isso é quase mais um detalhe. Que esta mensagem nos ajude
a cuidar mais, dos outros e de nós mesmos. Sempre!