sábado, 30 de abril de 2011

Ode à Cebola* (Pablo Neruda)

Cebola,
luminosa redoma,
pétala a pétala
formou-se a tua formosura,
escamas de cristal te acrescentaram
e no segredo da terra sombria
arredondou-se o teu ventre de orvalho.
Sob a terra
deu-se o milagre
e quando apareceu
teu rude caule verde,
e nasceram
as tuas folhas como espadas no horto
a terra acumulou seu poderio
mostrando a tua nua transparência,
e como em Afrodite o mar distante
duplicou a magnólia
levantando-lhe os seios,
a terra
fez-te assim,
cebola,
clara como um planeta,
e destinada
a reluzir,
constelação constante,
redonda rosa de agua,
sobre
a mesa
dos pobres.

Generosa
desfazes
teu globo de frescura
na consumação
fervente do cozido,
e o giram de cristal
ao calor inflamado do azeite
transforma-se em ondulada pluma de ouro.

Pablo Neruda
Recordarei também como a tua influência
fecunda o amor da salada
e parece que contribui o céu
dando-te a fina forma do granizo
a celebrar a tua luz picada
sobre os hemisférios de um tomate.
Mas ao alcance
das mãos do povo,
regada com azeite,
polvilhada
com um pouco de sal,
matas a fome
do jornaleiro no duro caminho.
Estrela dos pobres,
fada madrinha
envolta
em delicado
papel, tu sais do solo,
eterna, intacta, pura
como semente de astros,
e ao cortar-te
a faca de cozinha
sobe a única lagrima
sem mágoa.
Fizeste-nos chorar mas sem sofrer.
Tudo o que existe celebrei, cebola,
mas para mim és
mais formosa que um pássaro
de plumas ofuscantes,
és para os meus olhos
globo celeste, taça de platina,
baile imóvel
de anémona nevada.


* traducao de José Bento, in Antologia de Pablo Neruda, editorial Inova, 1973 - As mãos e os frutos)

O Porquê do Pequeno Príncipe Não Publicar Artigos Científicos *


Trecho do livro O Pequeno Príncipe do francês Antoine Saint-Exupéry: 

“As pessoas grandes adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo amigo, elas jamais se informam do essencial. Não perguntam: ‘Qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que prefere? Será que ele coleciona borboletas?’ Mas perguntam: ‘Qual é sua idade? Quantos irmãos ele tem? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai?’ Somente então é que elas julgam conhecê-lo. Se dizemos às pessoas grandes: ‘Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado...’ elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma ideia da casa. É preciso dizer-lhes: ‘Vi uma casa de seiscentos contos’. Então elas exclamam: ‘Que beleza!’”

Ainda dizem que é um livro para crianças. Mas deve ser mesmo, porque parece que nós adultos não temos inteligência suficiente para entendê-lo. Aprendemos a ver o mundo apenas do nosso ponto de vista, esquecendo, como diz Leonardo Boff que todo ponto de vista é apenas a vista de um ponto. As nossas universidades têm sido construídas em cima desse “ponto”, ou melhor, desses “pontos”. Tudo é pontuação, é número, é medido, é quantificável.

Se eu digo que um aluno é divertido, interessado, disposto, curioso e questionador não conseguimos ter uma imagem nítida desse aluno. Agora quando dizemos que é um aluno nota 10, aí temos o nosso estereótipo de bom aluno. 

Se falamos de professores que abstraem conceitos, que despertam o interesse pela pesquisa genuína, que agem como mentores de seus orientandos, que sorriem e compreendem que seus alunos têm emoções, sentimentos e frustrações, não conseguimos dimensionar a qualidade desse professor. Mas se dissermos que ele tem publicações Qualis A, aí sim, sabemos que estamos diante dO professor, dO pesquisador.

Damos aos alunos notas de 0 a 10, exigimos freqüência mínima de 75%, contamos a quantidade de intervenções feitas em sala, olhamos de soslaio para nossos relógios para medir o atraso. Avaliamos nossos professores pela quantidade de turmas, de alunos. Pelo número de publicações, citações, orientações, participações em congressos, encontros, seminários... esses  por sua vez são divididos em categorias baseadas em rankings avaliados de forma quantitativa.  Nos submetemos às exigências  dos órgãos de fomento e de aperfeiçoamento em pesquisa. Vivemos em busca de conceitos maiores, de notas melhores, gravitamos em torno de indicadores quantitativos. Sinceramente, a Academia parece pouco diferente de uma franquia da McDonalds.

A moda agora são os combos de artigos. Você num artigo coloca o nome de vários pesquisadores. Cada um escreve um e põe o nome dos outros e no final cada um tem um “combo” de artigos. Para acompanhar, ainda colocam uns bolsistas “batata-frita” e uns pesquisadores “refrigerante”. E por mais alguns reais de financiamento se consegue uma porção maior de publicação internacional. 

Só que às vezes esse modelo gorduroso, causa algumas indigestões, como a que aconteceu lá na USP, uma das mais respeitadas universidades brasileiras. Um professor coordenava um projeto com mais 10 pesquisadores. Na publicação copiaram descaradamente as fotos de uma bactéria tiradas e publicadas por outro grupo de pesquisa, lá da UFRJ. Ainda colocaram na legenda que as fotos eram de outro tipo de organismo. Ou seja, nem pra plagiar direito foram competentes. O professor foi demitido e alega que foi sua orientanda que cometeu o deslize. Ela teve, inclusive, seu título de doutora cassado. O professor além de coordenar esse tanto de gente, tinha suas aulas, cargos administrativos, outras pesquisas e projetos de extensão. Alega que não tinha como perceber todos os detalhes. Mas como então garantir que a publicação é confiável? A ciência usa caixas de Pandora para prender lá dentro tudo o que faz. O problema é que, de vê em quando, alguém resolve abrir a caixa. O mais interessante é ver como os jornais se referiam ao professor. Disseram que ele era um dos mais renomados professores da faculdade porque, percebam, publicou dezenas de artigos. Redundante não? E olha que Nietzsche muitas décadas atrás já nos advertia quanto a isso.

Ah, e teve também o caso de outro renomado professor, agora de química, lá da Unicamp, outra grande universidade brasileira. Ele foi acusado de fraudar 11 artigos científicos. O professor de 68 anos, está na Unicamp desde 1968.

Mas não é só no Brasil que essas coisas acontecem. Recentemente, nos Estados Unidos, um biólogo pesquisador e professor de Harvard foi acusado de distorcer dados sobre o aprendizado de pequenos macacos. Pra quem gosta de números, lá na terra do Tio Sam que possui uma agência federal para investigar casos assim, o número de fraudes científicas cresceu 161% em 16 anos. Só em 2009 foram 217 denúncias investigadas ao custo de, acreditem, 110 milhões de dólares. Fico imaginando aqui no Brasil onde há uma clara leniência na investigação de fatos assim. Uma das professoras envolvidas na pesquisa lá da USP era reitora até bem pouco tempo.

Os professores reclamam que os alunos fazem colchas de retalhos nos trabalhos, que cada um faz uma parte, que copiam da Internet, que colocam os nomes dos colegas. Mas será mesmo que eles próprios, professores, pesquisadores, não fazem isso e numa escala bem maior?

Não que devamos desmerecer a pesquisa e diminuir nossos critérios abdicando dos avanços obtidos nos últimos anos. Mas a que custo? Precisamos pensar nisso! Alunos, professores, pesquisadores, são antes de tudo seres humanos. Não adianta ficar em sala de aula criticando Taylor, Fayol, Ford e Weber e sermos no nosso dia-a-dia, tão mecânicos quanto a personagem do Chaplin em Tempos Modernos. Publicação científica não é parafuso! Universidade não é indústria. E nós não somos máquinas.

* texto originalmente elaborado como contribuição ao trabalho de um dos grupos da disciplina de Didática do Ensino Superior do PROPAD/UFPE 2011.1, gentilmente solicitado por minha "mentoranda", Bruna Guevara Bin Laden :)

"Epimélia Heautôu" e já se dê por satisfeito!


Por que a intimidade alheia dá tanta audiência? Se isso já era verdade, fenômenos como os “reality shows” e, de maior acessibilidade, as redes sociais, acabam por maximizar esse efeito. Mas isso não é de hoje. Semana passada estávamos na semana santa e nas celebrações religiosas que fazem memória da paixão, morte e ressurreição de Jesus, isso já ficava evidente. Uma massa, ávida por novidades aclama a entrada triunfante de Jesus em Jerusalém para logo depois, ávida agora por mais novidades, novidades de sangue, levada pelas autoridades, pede a crucificação do nazareno. A crucificação é um espetáculo. Houvesse a mídia dos dias atuais, passariam não mais que uma semana falando sobre o assunto, mas essa seria O assunto dessa semana. Fariam cobertura instante a instante da crucificação, trariam depoimentos de especialistas em madeira, em dor, em espinhos, até em moda para como melhor dividir o manto. Instalariam câmeras de diversos ângulos e microfones aos pés da cruz. Entrevistariam apóstolos, autoridades e tentariam uma exclusiva com Maria. Tudo para satisfazer a audiência.

 A cobertura do caso do massacre das crianças no Rio de Janeiro foi um exemplo disso. Fiquei estupefato diante de uma Ana Maria Braga perguntando no dia seguinte a uma das sobreviventes, uma menina de pouco mais de 10 anos, primeiro: “você soltou o cabelo? Ontem você estava com o cabelo preso! Ficou mais bonita!” Depois: “você conseguiu dormir de ontem pra hoje?” e o interessante foi a cara de nítido desapontamento da apresentadora diante da resposta da menina que disse que demorou um pouquinho, mas que sim, que dormiu a noite toda até o dia seguinte. Não satisfeita a Ana ainda sapecou esta pergunta: “pra você o que é a morte?”. Desculpem-me, mas foi revoltante. Não bastava o que aquela menina passou no dia anterior ser submetida àquilo. Nem condeno a mãe da menina que a levou lá, até porque, quando aquela pobre mãe teria a oportunidade de “ir ao programa da Ana Maria”. Tudo isso em busca de uns traços de ibope. 

A novidade dos últimos dias foi o auê em torno do casamento dos agora duques de Cambridge. Ao menos é uma daquelas mobilizações fúteis em que nada acrescenta a nossa vida diária. Ou até acrescenta, pois os cerimoniais ficarão muito felizes em elaborar decorações, vestidos e cerimônias genéricas para os noivos da hora em troca de um maior percentual de moeda corrente. Mas ainda assim, superficialidade. Só uma coisa me incomoda: não saber onde o casal de nubentes vai passar a lua-de-mel. África, Chile, Jordânia, lá mesmo? Só sabemos que saíram de helicóptero... Mas pra onde? Por favor, quem souber, me diga! 

Tenha a santa paciência!!! Sinceramente...

Mas é compreensível. Ocupar-se da vida alheia é uma excelente forma de não preocupar-se com a sua própria vida. Nessa linha recomendo as aulas iniciais de Foucault em “A hermenêutica do sujeito” sobre a epimélia heautôu, traduzindo, “o cuidado de si’, “ocupar-se consigo”. Seria mais interessante agir como numa dessas engraçadas “campanhas” que viraram moda com o facebook: “Campanha pela VIDA: cada um cuida da sua!” E já é muito!

Oh! Chuva


Chuva torrencial! Antes, relâmpagos de tornar a noite dia e trovões que davam impressão de que uma linha nova de metrô acabou de ser instalada no seu telhado. Vento começando a soprar mais forte. Temperatura caindo rápido. Gosto disso! Desde pequeno sempre fui mais chuva e frio, do que sol e calor.

A parte ruim é pensar em quem mora nos morros, em quem está fora de casa. No facebook vejo que amigos estão com dificuldade para voltar para casa. Alguns chegam a andar na contramão. Sei, sei, isso não é agradável, mas sei lá, me atrai. Apesar dos perigos, adorava até dirigir na chuva, o mundo fica tão bonito. Atualmente gosto menos. Depois que rodei com o carro em plena BR232 e fui parar fora da pista sem ter o menor controle do veículo, fiquei meio ressabiado. Mas ainda é bonito ver o mundo com chuva.

Coloquei uma cadeira em frente à janela para “assistir” o show que a natureza resolveu exibir hoje. A trilha sonora de fortes gotas d’água caindo sobre os telhados das casas vizinhas completa o espetáculo. Lembro do salmista dizendo “lavai-me Senhor, lavai-me!”. O dia amanhecerá novo amanhã. A parte má da notícia eu deixo para os telejornais; eu fico com a parte boa.

Não tenha medo da chuva... não somos de papel, açúcar ou mel... música boa do Falamansa no link: Oh! Chuva (Falamansa, 2004)

Palavras Iniciais do Palavrador


O que fica mal resolvido teima em voltar. Depois de alguns “blogcídios” eis que resolvo me aventurar novamente no mar das palavras, essas “criaturas” feitas de letras e sons, e como já disse o poeta, de carne e sangue. Talvez por isso seja tão difícil viver longe delas. Ainda não sei sobre o que escrever, mas sei que quero sempre ser um “palavrador”. Mas também nem sei ao certo o que isso significa, mas imagino sendo algo que tem a ver com quem lida em seu dia-a-dia com as palavras.