quinta-feira, 29 de maio de 2014

PRECISO DE SUA OPINIÃO!



Povo do Facebook, do Twitter, do Whatsapp e afins... tenho percebido que várias pessoas têm dado um uso inusitado às redes sociais. Nem sei ao certo se o termo inusitado é adequado, pois é algo até óbvio. As pessoas em dúvida sobre um assunto, jogam seu problema na "rede" e buscam conselhos de como resolver tal problema. Pensando assim, resolvi fazer, eu também, um teste com uma dúvida que um aluno meu, de Administração, me passou. Eis a contexto da questão:

A família dele é proprietária de uma fábrica de confecções de relativo porte na região do agreste pernambucano. Os pais estão praticamente se retirando para deixar a condução dos negócios a cargo dos filhos. Por ele ser o filho mais velho e por cursar Administração, tem se visto com frequência tendo que tomar decisões centrais quanto à seleção e à demissão de funcionários, por exemplo.

Ele percebeu que no setor de compras é praxe se fazer uma cotação de preços. O principal funcionário do setor deve cotar, comprar e receber as compras dentro do prazo. Ele tem observado que o funcionário atual cota um pedido por exemplo de dez mil reais e no final de todo o processo, a empresa tem pago quase oito mil reais acima do que foi cotado anteriormente. O funcionário sempre justifica que houve alguns problemas na primeira cotação e que, por isso, o preço final tem aumentado. Nesse caso foi cerca de 80% de acréscimo. Um outro problema que ele tem enfrentado no mesmo setor, é que, não bastasse o valor mais alto pago pelas compras, elas têm demorado muito a ser entregues e ainda assim as entregas são feitas de forma parcial ou mesmo têm vindo incompletas, o que tem atrasado por consequência a fabricação dos produtos finais, gerando até mesmo o cancelamento de vendas.

Em resumo, tem-se:

  • Preço de compra 80% acima da cotação inicial;
  • Demora na entrega dos produtos comprados;
  • Entregas feitas de forma parcial ou mesmo incompleta;
  • Atrasos e perdas de prazo na produção; e
  • Cancelamento de vendas.

Há suspeitas do que o funcionário do setor de compras, além de não ter a competência necessária, está fazendo acordos "por baixo dos panos" com os fornecedores. Aí ele me pergunta: o que fazer?

Faço então a mesma pergunta a vocês: o que ele deve fazer?
 
Pensou?  (se não pensou, antes de prosseguir na leitura do caso, pare mesmo e pense um pouco no que você faria se tivesse poder decisório nessa organização).

...
...
...

Pensou  mesmo? Então vamos lá. Continuando...

Pois bem, o caso que eu contei acima é pura ficção. Invenção de minha cabeça. Contudo, não posso receber os créditos pela criatividade da elaboração da história porque apenas troquei as personagens e o contexto a partir de fatos bem concretos de nosso cotidiano. Talvez até lendo o texto vocês tenham percebido um certo paralelismo com fatos recentes.

Digamos que a compra cotada, feita e entregue no prazo sejam os novos estádios de futebol e demais obras de infraestrutura para a Copa do Mundo. O que vemos o tempo inteiro é que muitas dessas obras foram cotadas por um valor X, estão custando em alguns casos bem mais do que os 80% de ágio da história que contei, estão sendo entregues fora do prazo, de forma parcial, incompletos, com defeitos e com muitas obras, especialmente as de infraestrutura, que só serão entregues (dizem) depois da Copa.

E aí? O que você pensou para o "pobre" funcionário do setor de compras da fictícia empresa de confecções serve para quem hoje é responsável pelas obras da Copa? Lá estava envolvido coisa de dez mil reais... na vida real são quase dez bilhões de reais... de dinheiro do povo, diga-se de passagem.

#vaitercopa... mas a que custo?

sábado, 10 de maio de 2014

GUERRAS (DAS) PRIVADAS: ONDE VAMOS PARAR?


Lembro ainda como se fosse hoje, embora muitos anos tenham se passado, que quando éramos crianças, se eu e meus irmãos brigássemos aquelas briguinhas típicas de irmãos típicos, tipicamente nossa mãe vinha nos dar aquelas "lições de moral" típicas. A mais típica das reclamações era sempre pelo Natal. Ela dizia que ao menos naquela época do ano os povos de todo o mundo que estavam em guerra davam-se uma trégua.

Quando cresci, descobri que a verdade (infelizmente) não era bem essa. Em todo caso, ela conseguia nos deixar com um baita sentimento de culpa nos fazendo sentir piores do que iranianos e iraquianos no Oriente Médio, do que católicos e protestantes na Irlanda, do que ingleses e argentinos nas Ilhas Malvinas, do que orientais e ocidentais alemães, do que americanos e soviéticos no mundo inteiro numa quente e permanente guerra fria. Em minha memória infantil eram esses os conflitos que inundavam os noticiários da época.

Mas como já comentei anteriormente, eu não devia ser uma criança muito normal, pois meus pensamentos sempre iam um pouco (ou muito) além do que (não) se esperava e rapidamente a culpa se transformava em uma reflexão acerca do comportamento humano.

Mesmo sabendo que aqueles embates aconteciam muito, muito, mas muito longe da minha realidade, pensava assim: "se eu, minha irmã e meu irmão, 'sangue do mesmo sangue' - como mainha dizia - não nos entendíamos, vivíamos naquelas arengas (pra quem não é de Pernambuco, arenga = briguinha típica de irmãos), imagina aqueles povos que brigavam por terra seca, por terra cercada de água por todos os lados, por terras entre um muro, por terras do mundo, por Deus... Pelo-amor-de-deus...!!! Onde este mundo vai parar?" 

Mas o mundo não parou e os radicais iranianos e iraquianos se juntaram contra os americanos que, por sua vez, se aliaram (pelo menos no papel) aos soviéticos, digo, aos russos, pois a União Soviética, "perestroikamente", ruiu junto com o muro de Berlim, tornando a seleção alemã ainda mais forte no futebol, futebol que parece representar o último local de embate (até bem humorado) entre ingleses e argentinos, como bem dava a entender a manchete do jornal argentino Olé! antes das quartas-de-final entre Brasil e Inglaterra na Copa de 2002: "Que percam os dois!"
 
E quando o mundo não pára, muita coisa volta para o mesmo lugar, mesmo que um tantinho diferente, na melhor tradição (tradução) poética do T.S. Eliot que dizia que "o fim de toda nossa busca será chegarmos onde começamos e ver o lugar pela primeira vez". Assim, muitos desses conflitos permanecem ainda hoje, um tanto quanto disfarçados, modificados, remodelados, reinventados... todavia, apesar disso (e por isso) não seria apenas licença poética dizer que é como se os víssemos (mesmo) pela primeira vez...

Contudo, sob a minha perspectiva, sob a perspectiva daquela criança que um dia fui, uma coisa mudou nessas voltas que o mundo deu: a distância. A minha distância dos conflitos.

Lançar privadas do alto de um estádio, pra mim, é um atentado terrorista. Tal qual bomba certeira quando o objetivo (terrorista) é alcançado, se espalham por todos os lados partes de... pessoas. Ou seja, às ruas de Teerã, de Bagdá, de Belfast, de Berlim, se juntam as ruas no entorno do estádio do Arruda. Mas não só essas. Avenidas como a Conde da Boa Vista, a Agamenon Magalhães, a Abdias de Carvalho e a Rosa e Silva já foram palcos de barbáries de dar inveja a filmes como O Gladiador. Por falar nisso, a nova nomenclatura dada aos estádios modernos, "arenas",  parece trazer em si um herança etimológica perversa.

Como se não bastasse toda essa proximidade do "terror", descubro pelos noticiários que um dos que lançaram o vaso sanitário mora e trabalha no bairro onde eu morei praticamente a minha vida toda. O cara era porteiro de um colégio onde, embora não tenha estudado, já fui algumas vezes. Fica há pouco mais de 2km da casa de meus pais.

Só que em tempos digitais, essa distância é ainda menor. Obviamente que eu fiquei chateado porque o meu time perdeu na final do campeonato pernambucano para o Sport. Todo torcedor de um time quer vê-lo campeão. Aceito até o deboche de que foram poucas as vezes que vi isso acontecer, mas paciência, eu sou alvirrubro e não desisto nunca. Porém, não aceito, ou melhor, não quero aceitar algumas realidades que vi em meu Facebook após o final da final. Eu olhava minha timeline e nao acreditava no que lia. Eram amigos meus, ainda que seja necessário ressalvar o termo "amigos" para se encaixar no sentido facebookiano da palavra. Pouco havia de comemoração no que lia. Muito havia de insultos, de provocações, de "chupa isso", "toma naquilo", "que se explodam", "morrammm"...  explodir? morrer? matar?

Meu Deus!!!

Diziam isso para toda a torcida do time rival. E eu, amante do futebol, não da guerra, sou dessa torcida, da torcida "desorganizada" que paga caro pra ver seu time jogar. Sou eu que tenho que chupar? que tomar no C#? que ser explodido? morto? Ao contrário dos conflitos vistos pela TV na minha infância, quem escreveu essas coisas não vive em outro país, em outra cultura, em outra ilha, em outra profissão religiosa, em outro modelo econômico... são meus amigos de face!... Me desejam feliz páscoa, feliz aniversário, feliz natal, feliz ano novo... desejam que eu morra, que eu me exploda, porque eu torço para um time diferente deles.

Dirão, reverenciando um certo "terrorista" travestido de jogador de futebol, que estão só "frescando"... Prefiro reverenciar as palavras de um galileu que há uns dois mil anos atrás, também vítima da violência de pessoas próximas, disse que "a boca fala daquilo que o coração está cheio" e me pergunto por que meus "amigos" estão cheios de tanto ódio, de tanto rancor?  Conheço muitos deles, e poderia dar o mesmo depoimento dado por várias pessoas conhecidas do acusado de lançar as privadas: "são pessoas boas, trabalhadoras...".  

Por quê? Por quê? Por quê?

Por que lançar insultos? Por que lançar ofensas? Por que lançar desejos de morte? Por que lançar privadas? 

Aproveitando o mote sanitário  (admito que de forma infame, porém realista): que merda! que merda! que merda!

No Facebook terminaria esse texto com um: "se sentindo desanimado com o (meu) mundo".
Aqui termino com mais um "que merda!"

Melhor... apesar de profundamente pessimista, vou preferir terminar com um desejo de mudança. Que mudança? A mudança que esse vídeo aqui abaixo parece querer ser promessa...


domingo, 4 de maio de 2014

365 DIAS



"Noite de sábado para domingo. Passava um pouco da meia-noite. Eu conversava pela Internet com algumas pessoas, até para me distrair um pouco. Foi quando o telefone de casa tocou. Àquela hora só podia ser a notícia que nós não queríamos ouvir. De um sobressalto corri em direção ao telefone. Eu não queria que meu pai atendesse. Do outro lado da linha uma voz de mulher pedia que a família fosse ao hospital porque minha mãe havia piorado, mas a gente sabia que não apenas isso. Era o fim!"

Isso aconteceu há um ano atrás e esse relato foi uma das poucas coisas que consegui escrever sobre a morte de minha mãe. Escrevi para um experimento dramatúrgico do qual participei, onde em nossas falas, os recursos do teatro se confundiam com nossos depoimentos e histórias pessoais. Esse texto saiu quando a motivação era trazer à memória um momento de medo. No caso, aquele instante em que o telefone toca e o coração imediatamente acelera. Acelera de medo.

Desde então, passaram-se 364 dias... Em poucas horas a terra estará, após dar uma volta completa no sol, no mesmo lugar de um ano atrás... mas as coisas não permaneceram no mesmo lugar. Na missa que fui há pouco, em virtude do mês mariano, cantaram "...o tempo passa, não volta mais; tenho saudades daquele tempo que eu te chamava de minha mãe..."

Se completa o primeiro ciclo de ano sem que ela estivesse presente como antes... em maio, na semana seguinte à sua morte, foi dia das mães, onde os comerciais de TV empurrando um comércio de presentes fez ainda menos sentido; em junho, um gosto ausente de pamonha se fez presente; em julho, meu sobrinho não tinha como dar parabéns a avó que tanto o adorava; em agosto o dia dos pais pareceu ainda mais vazio do que o dia das mães, sem ela pra reclamar de como não estávamos fazendo o que tinha que ser feito; em setembro, veio a primeira primavera de saudades; em outubro, o aniversário dela, no dia do professor, profissão escolhida por todos os filhos; em novembro, aquele que seria mais um aniversário de casamento; em dezembro, meu próprio aniversário sem um cartão dela, sem um presente daqueles bem simples em que ela só queria fazer memória do momento que me mostrou a luz do mundo; em janeiro, nos primeiros instantes após a contagem dos dez últimos segundos do ano, onde o "feliz ano novo!" soou estranho, incompleto...; em fevereiro, uma mudança para uma casa nova, alugada num alto da serra, sem que ela estivesse ajudando na arrumação de tudo; em março, o carnaval e a quarta-feira de cinzas sem o sabor do feijão e do peixe, ambos ao côco; em abril, na Semana Santa, aquela leitura do Êxodo na Vigília Pascal, com os carros, cavalos e cavaleiros do faraó, que uma vez ela leu, sem óculos, substituindo alguém que não havia aparecido na hora devida; e novamente maio... como na música, "mudaram as estações, nada mudou, mas eu sei que alguma coisa aconteceu, tá tudo assim, tão diferente..." Pois é, também achei que tudo era pra sempre, sem saber que até o "pra sempre", sempre acaba.

 
Contudo, Mãe, um ano depois de sua páscoa, de sua passagem, o evangelho desse domingo traz o trecho dos discípulos de Emaús, e tudo parece fazer muito sentido. Nessa passagem, desanimados ante à morte do mestre, dois discípulos deixam a missão e voltam pra casa.  No caminho eles, cegos pelo  choro, não enxergam que o próprio Jesus caminha ao lado deles. Perguntando sobre as razões da tristeza, Jesus obtêm respostas de pura lamentação e repreende-os lembrando que eles foram preparados para aquele momento. Enxugando as lágrimas, com a noite se aproximando, os dois pedem ao "desconhecido" que fique com eles, e quando estão prestes a dividir o pão, reconhecem no partir do pão o próprio Jesus, vivo e ressuscitado. Logo depois Jesus some, mas eles entendem que é preciso voltar à missão, pouco importando se ainda está escuro, pois a luz virá ao amanhecer.

Assim também mãe, ao longo deste ano, desanimamos e por vezes não enxergamos as sementes que você nos deixou pelo caminho. Nossas lágrimas não nos deixaram ver que novas mães surgem a cada dia, que o sabor sacramental da pamonha está dentro de nosso coração, que o carinho de avó está guardado na memória do netinho, que sempre saberemos como nos preparar para o dia-a-dia e para a festa, seja dos pais ou dos filhos, pois cada tempo, cada momento, traz carregado sempre dentro de si o que foi vivido, o que ficou marcado e isso mãe, é ressurreição, é páscoa, é vida que vence a morte. E assim, você pode ir pois já sabemos que precisamos saber: voltar à nossa missão, à nossa origem, à nossa essência. Agora é conosco! 

Obrigado mãe! Te amo!

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

PENSAR (ou BATE-BATE)


Eu criança já tinha umas brincadeiras, se não estranhas, mas ao menos diferentes das de outras crianças. Pelo menos eu acredito nisso! Mas como dizem que "de perto ninguém é normal", talvez até eu não estivesse, em todos aqueles anos, sozinho no mesmo barco. Porém, até que se diga o contrário, nunca vi nenhum dos "compêndios" de brincadeiras infantis em que seja habitual uma criança escolher uma pessoa aleatoriamente na rua, por exemplo, e começar a imaginar como é a vida daquela pessoa, o que ela está pensando no momento, se é feliz, se está magoada, se tem problemas, se é rica, se passa dificuldade, se trabalha, se estuda, como se comporta com a família, se tem muitos amigos... Em não raros momentos me peguei, por óbvia falta de dados sobre a pessoa observada, inventando histórias, preenchendo com minha imaginação, as lacunas que meus "personagens" me deixavam. Quem sabe não seja essa a grande brincadeira da vida: preencher, com nossos próprios pensamentos, as lacunas que nos deixam as pessoas que passam por nós.

Fato recente aconteceu em um parque de diversões. Na fila de espera do brinquedo "bate-bate". Esse é um brinquedo peculiar, talvez uma bela metáfora para a vida, pois vejamos, eles necessitam de energia para se moverem, precisam estar ligados, conectados a uma energia superior, a uma teia que, uma vez energizada transfere essa eletricidade ao carrinho. Os carrinhos são engraçados, com proteções muito frágeis, mesmo sendo capazes de aguentar  fortes batidas. A direção é estranha, nunca sabemos ao certo se vamos conseguir mesmo ir pra frente. Há momentos, como na vida, em que o carrinho, alheio à nossa vontade, vai para trás. Curioso perceber que em alguns momentos o ir para trás é a única forma de sair de um engarrafamento de carrinhos ou mesmo de escapar de uma batida. Mais curioso ainda é o fato de que é, por vezes, a batida que nos tira dos tais engarrafamentos. Levamos um solavanco e quando menos esperamos a direção está livre e o pedal, que é o mesmo para acelerar e cessar a aceleração, nos leva para alguns momentos de liberdade, sentindo o vento bater no rosto com o caminho aberto a nossa frente. Ok, o vento no rosto foi um pouco exagerado, mas é metáfora e se isso incomodou, melhor parar de ler por aqui e ir assistir O Carteiro e o Poeta e só depois retornar à leitura.

Mas pelo visto me empolguei com os carrinhos... Voltando... Como dizia, estava na fila do brinquedo, quando eu vi um pai e um filho... Alerto que, desde já, entra em jogo minha imaginação para preencher os vazios... por exemplo, não sei mesmo se eram pai e filho, mas isso não importa, como no filme As Aventuras de Pi, o que importa é a história. Difícil dizer quem parecia mais emocionado, mais ansioso para ter sua vez no brinquedo.

Eram pobres, muito pobres. Era dia de festa e suas melhores roupas surradas os denunciava. A ocasião pedia o melhor. O pai era um homem baixo, do tipo que foi rebaixado de várias formas pelo destino. Estatura baixa por não ter tido os nutrientes e vitaminas necessárias enquanto criança; rebaixado ainda mais pelo peso de algum trabalho que lhe fez constantemente curvar a coluna; diminuído quem sabe, por uma sociedade que segrega e impõe não autoridade, mas autoritarismo.

Porém estava lá ele, com seu filho, ambos com olhos fixos no brinquedo. Coração acelerado, sorriso nos lábios, mãos suadas. O ingresso custava quatro reais. Os dois juntos estavam pagando oito reais. Fico pensando quantos sacrifícios não foram feitos, quanto suor não foi necessário para aquele momento mágico de custo tão elevado. Desculpa Senhora Presidenta, mas aquele pai é que tem sim condições de encher a  boca para dizer que pode escolher o brinquedo que quiser porque ele paga a própria conta, ele PODE gastar uma "fortuna" para desfrutar de momentos únicos como aquele.

Chega então o momento tão esperado. Enquanto os que acabaram de brincar saem, os poucos segundos que separam  os dois de entrarem naquele mundo novo parecem uma eternidade. Mas até eternidade tem um fim, e enfim eles estão lá, cada um em seu carro "próprio". Por alguns minutos sentirão o que é ter uma propriedade, algo deles, algo em que eles possam ser os atores principais. Chega de ser coadjuvante! O destino está nas mãos. O brinquedo é energizado e eles são felizes para sempre nos próximos três minutos.


Eu também, por motivos diferentes, estava feliz, absorto que fiquei com a felicidade alheia, tão absorto que a campanhia  tocou, o brinquedo parou e eles saíram sem que eu percebesse. Desde então, ao lembrar-me deles, busco preencher meus vazios tentando responder a perguntas como: quem são? onde estão? o que fazem agora?  quais seus sonhos? E aí, de repente, não mais do que de repente, como falava o poeta, percebo que talvez a felicidade esteja justo na ausência das respostas, de modo que só me resta sorrir :)

CONTO (OU CONTA) DE FADAS PRESIDENCIAL *

* publicado originalmente no blog Observatório Feminino em 01/02/2014

Antes, deixa-me te contar um conto.

Conta um conto, conto que não é de fadas, mas que conta com uma menina que até parece uma (fada), que um contador de contos, vulgo escritor, caminhava pela praia contando o tempo que lhe restava para entregar a seu editor seu próximo livro de contos, livro que certamente lhe traria alguns bons contos, não de réis, que é moeda antiga, mas de reais, e até quem sabe, contaram-lhe, de dólares e euros bem contados.

Enquanto contava o tempo, os passos, e os espaços de duração entre uma onda e outra, avistou ao longe, em sua caminhada,  uma menina (a tal que te contei parecer uma fadinha). Ela vinha em sua direção, mas parava de tempos em tempos, apanhava algo no chão, contava de um a três e lançava o que quer que fosse que estivesse em suas mãos, ao mar.

Curioso com a cena ficou, como ele viria a contar depois a seus amigos, e contou que ela já devia ter lançado o que quer que fosse ao mar, umas seis vezes naquele curto espaço de tempo. Ao se aproximar da menina, o contador de contos percebeu que ela lançava estrelas-do-mar de volta ao seu habitat antes que elas morressem na inóspita areia da praia. Curioso, perguntou à menina o que e o porquê de estar fazendo aquilo. Ela sorridente, em sua simplicidade de criança, lhe contou que estava lançando as estrelas-do-mar ao mar, porque elas eram estrelas do mar e não da terra ou dos céus, e que isto evitava que elas morressem.

O escritor conteve o riso, pensou em silenciar, mas contar vantagem sempre faz bem pro ego, especialmente dos que contam com baixa auto estima, e assim, sarcasticamente, perguntou à menina: “você não conta com a razão? Não sabe que se for contar a quantidade de estrelas-do-mar que morrem esturricadas no sol dos, contados, milhares de quilômetros de litoral de nosso país, tem-se uma contagem infinitamente superior às que você tem devolvido ao mar?”

Talvez a menina já contasse com esse tipo de pergunta, porque outros que já contam vários anos a mais vividos, os ditos adultos, já teriam contado a ela essa mesma monótona situação. Ele certamente não contava era com a resposta da menina.

Ela calmamente abaixou-se para pegar uma nova estrela-do-mar , e então contou-lhe seu segredo: “para essa estrela-do-mar eu fiz a diferença!”. Ao contar isso, contou de um a três e com toda a força de seu pequeno braço, arremessou a estrela-do-mar de volta ao… mar.
Conta a história, que desde esse dia  a menina passou a contar com a constante presença do contador de contos junto a ela. Conta-se ainda que estão fazendo a diferença pelo mundo afora, vivendo a vida e não contos de fada.

Por incrível que pareça, essa história voltou à minha mente por esses dias, depois da repercussão da “visitinha básica de comadres, compadres e compatriotas”, da comitiva da presidente da república brasileira a Portugal. Gostei sobretudo deste trecho do texto contado (no Observatório Feminino no dia 28.01.2014) pela jornalista Talita Corrêa:

“com essa estadiazinha dispendiosa, Dilma poderia construir cinco casas populares em Chão de Estrelas, comunidade pobre do Recife. Poderia distribuir 1.400 cestas básicas no Complexo de Manguinhos, na Zona Norte do Rio. Poderia comprar 80 camas hospitalares para a sucateada rede pública de saúde de São Paulo”.

Ao mostrar minha indignação, alguns diminuíram o fato e me contaram (como se eu não soubesse) que 5 casas não são nada diante do déficit habitacional brasileiro acometido por uma bolha imobiliária prestes a estourar. Me contaram ainda, que 80 camas hospitalares não significa quase nada diante da imensa necessidade de leitos hospitalares em nosso país para que médicos brasileiros, cubanos ou da conchinchina possam atender dignamente seus pacientes. E me contaram quase às risadas que 1400 cestas básicas são como uma gota no oceano de fome e miséria que toda a “maquiagem” feita pelos estatísticos dos governos não consegue esconder. Contaram-me que era tempestade em copo d’água por causa de um “jantarzinho”… sempre se fez isso no quilométrico litoral de nossa história enquanto país.

Quando  me contaram tudo isso, especialmente quando usaram a palavra “oceano” e “água”, me lembrei da menina do conto do contador de contos e então pensei na diferença que 80 camas hospitalares poderia fazer na emergência de um grande hospital público onde pessoas são amontoadas em corredores, no chão, com dores lancinantes e familiares desesperados. Pensei ainda na diferença feita pelo alívio daquela dor de fome doída que 1400 cestas básicas poderia proporcionar. E pensei lá na comunidade de Chão de Estrelas, a qual a Talita se refere. Cinco casinhas fariam uma diferença enorme para uma comunidade onde o próprio nome parece sincronicamente ligado ao conto aqui contado, onde estrelas são deixadas no chão para morrerem abandonadas por aqueles com quem contamos para nos representar.

Tempestade em copo d’água? Estadia inesperada? Jantarzinho simples? A conta paga com dinheiro próprio? Sei… Conto do vigário, isso sim… Ah, conta outra… e se estou exagerando, põe na conta… só posso dar conta da minha própria opinião.