terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

PENSAR (ou BATE-BATE)


Eu criança já tinha umas brincadeiras, se não estranhas, mas ao menos diferentes das de outras crianças. Pelo menos eu acredito nisso! Mas como dizem que "de perto ninguém é normal", talvez até eu não estivesse, em todos aqueles anos, sozinho no mesmo barco. Porém, até que se diga o contrário, nunca vi nenhum dos "compêndios" de brincadeiras infantis em que seja habitual uma criança escolher uma pessoa aleatoriamente na rua, por exemplo, e começar a imaginar como é a vida daquela pessoa, o que ela está pensando no momento, se é feliz, se está magoada, se tem problemas, se é rica, se passa dificuldade, se trabalha, se estuda, como se comporta com a família, se tem muitos amigos... Em não raros momentos me peguei, por óbvia falta de dados sobre a pessoa observada, inventando histórias, preenchendo com minha imaginação, as lacunas que meus "personagens" me deixavam. Quem sabe não seja essa a grande brincadeira da vida: preencher, com nossos próprios pensamentos, as lacunas que nos deixam as pessoas que passam por nós.

Fato recente aconteceu em um parque de diversões. Na fila de espera do brinquedo "bate-bate". Esse é um brinquedo peculiar, talvez uma bela metáfora para a vida, pois vejamos, eles necessitam de energia para se moverem, precisam estar ligados, conectados a uma energia superior, a uma teia que, uma vez energizada transfere essa eletricidade ao carrinho. Os carrinhos são engraçados, com proteções muito frágeis, mesmo sendo capazes de aguentar  fortes batidas. A direção é estranha, nunca sabemos ao certo se vamos conseguir mesmo ir pra frente. Há momentos, como na vida, em que o carrinho, alheio à nossa vontade, vai para trás. Curioso perceber que em alguns momentos o ir para trás é a única forma de sair de um engarrafamento de carrinhos ou mesmo de escapar de uma batida. Mais curioso ainda é o fato de que é, por vezes, a batida que nos tira dos tais engarrafamentos. Levamos um solavanco e quando menos esperamos a direção está livre e o pedal, que é o mesmo para acelerar e cessar a aceleração, nos leva para alguns momentos de liberdade, sentindo o vento bater no rosto com o caminho aberto a nossa frente. Ok, o vento no rosto foi um pouco exagerado, mas é metáfora e se isso incomodou, melhor parar de ler por aqui e ir assistir O Carteiro e o Poeta e só depois retornar à leitura.

Mas pelo visto me empolguei com os carrinhos... Voltando... Como dizia, estava na fila do brinquedo, quando eu vi um pai e um filho... Alerto que, desde já, entra em jogo minha imaginação para preencher os vazios... por exemplo, não sei mesmo se eram pai e filho, mas isso não importa, como no filme As Aventuras de Pi, o que importa é a história. Difícil dizer quem parecia mais emocionado, mais ansioso para ter sua vez no brinquedo.

Eram pobres, muito pobres. Era dia de festa e suas melhores roupas surradas os denunciava. A ocasião pedia o melhor. O pai era um homem baixo, do tipo que foi rebaixado de várias formas pelo destino. Estatura baixa por não ter tido os nutrientes e vitaminas necessárias enquanto criança; rebaixado ainda mais pelo peso de algum trabalho que lhe fez constantemente curvar a coluna; diminuído quem sabe, por uma sociedade que segrega e impõe não autoridade, mas autoritarismo.

Porém estava lá ele, com seu filho, ambos com olhos fixos no brinquedo. Coração acelerado, sorriso nos lábios, mãos suadas. O ingresso custava quatro reais. Os dois juntos estavam pagando oito reais. Fico pensando quantos sacrifícios não foram feitos, quanto suor não foi necessário para aquele momento mágico de custo tão elevado. Desculpa Senhora Presidenta, mas aquele pai é que tem sim condições de encher a  boca para dizer que pode escolher o brinquedo que quiser porque ele paga a própria conta, ele PODE gastar uma "fortuna" para desfrutar de momentos únicos como aquele.

Chega então o momento tão esperado. Enquanto os que acabaram de brincar saem, os poucos segundos que separam  os dois de entrarem naquele mundo novo parecem uma eternidade. Mas até eternidade tem um fim, e enfim eles estão lá, cada um em seu carro "próprio". Por alguns minutos sentirão o que é ter uma propriedade, algo deles, algo em que eles possam ser os atores principais. Chega de ser coadjuvante! O destino está nas mãos. O brinquedo é energizado e eles são felizes para sempre nos próximos três minutos.


Eu também, por motivos diferentes, estava feliz, absorto que fiquei com a felicidade alheia, tão absorto que a campanhia  tocou, o brinquedo parou e eles saíram sem que eu percebesse. Desde então, ao lembrar-me deles, busco preencher meus vazios tentando responder a perguntas como: quem são? onde estão? o que fazem agora?  quais seus sonhos? E aí, de repente, não mais do que de repente, como falava o poeta, percebo que talvez a felicidade esteja justo na ausência das respostas, de modo que só me resta sorrir :)

CONTO (OU CONTA) DE FADAS PRESIDENCIAL *

* publicado originalmente no blog Observatório Feminino em 01/02/2014

Antes, deixa-me te contar um conto.

Conta um conto, conto que não é de fadas, mas que conta com uma menina que até parece uma (fada), que um contador de contos, vulgo escritor, caminhava pela praia contando o tempo que lhe restava para entregar a seu editor seu próximo livro de contos, livro que certamente lhe traria alguns bons contos, não de réis, que é moeda antiga, mas de reais, e até quem sabe, contaram-lhe, de dólares e euros bem contados.

Enquanto contava o tempo, os passos, e os espaços de duração entre uma onda e outra, avistou ao longe, em sua caminhada,  uma menina (a tal que te contei parecer uma fadinha). Ela vinha em sua direção, mas parava de tempos em tempos, apanhava algo no chão, contava de um a três e lançava o que quer que fosse que estivesse em suas mãos, ao mar.

Curioso com a cena ficou, como ele viria a contar depois a seus amigos, e contou que ela já devia ter lançado o que quer que fosse ao mar, umas seis vezes naquele curto espaço de tempo. Ao se aproximar da menina, o contador de contos percebeu que ela lançava estrelas-do-mar de volta ao seu habitat antes que elas morressem na inóspita areia da praia. Curioso, perguntou à menina o que e o porquê de estar fazendo aquilo. Ela sorridente, em sua simplicidade de criança, lhe contou que estava lançando as estrelas-do-mar ao mar, porque elas eram estrelas do mar e não da terra ou dos céus, e que isto evitava que elas morressem.

O escritor conteve o riso, pensou em silenciar, mas contar vantagem sempre faz bem pro ego, especialmente dos que contam com baixa auto estima, e assim, sarcasticamente, perguntou à menina: “você não conta com a razão? Não sabe que se for contar a quantidade de estrelas-do-mar que morrem esturricadas no sol dos, contados, milhares de quilômetros de litoral de nosso país, tem-se uma contagem infinitamente superior às que você tem devolvido ao mar?”

Talvez a menina já contasse com esse tipo de pergunta, porque outros que já contam vários anos a mais vividos, os ditos adultos, já teriam contado a ela essa mesma monótona situação. Ele certamente não contava era com a resposta da menina.

Ela calmamente abaixou-se para pegar uma nova estrela-do-mar , e então contou-lhe seu segredo: “para essa estrela-do-mar eu fiz a diferença!”. Ao contar isso, contou de um a três e com toda a força de seu pequeno braço, arremessou a estrela-do-mar de volta ao… mar.
Conta a história, que desde esse dia  a menina passou a contar com a constante presença do contador de contos junto a ela. Conta-se ainda que estão fazendo a diferença pelo mundo afora, vivendo a vida e não contos de fada.

Por incrível que pareça, essa história voltou à minha mente por esses dias, depois da repercussão da “visitinha básica de comadres, compadres e compatriotas”, da comitiva da presidente da república brasileira a Portugal. Gostei sobretudo deste trecho do texto contado (no Observatório Feminino no dia 28.01.2014) pela jornalista Talita Corrêa:

“com essa estadiazinha dispendiosa, Dilma poderia construir cinco casas populares em Chão de Estrelas, comunidade pobre do Recife. Poderia distribuir 1.400 cestas básicas no Complexo de Manguinhos, na Zona Norte do Rio. Poderia comprar 80 camas hospitalares para a sucateada rede pública de saúde de São Paulo”.

Ao mostrar minha indignação, alguns diminuíram o fato e me contaram (como se eu não soubesse) que 5 casas não são nada diante do déficit habitacional brasileiro acometido por uma bolha imobiliária prestes a estourar. Me contaram ainda, que 80 camas hospitalares não significa quase nada diante da imensa necessidade de leitos hospitalares em nosso país para que médicos brasileiros, cubanos ou da conchinchina possam atender dignamente seus pacientes. E me contaram quase às risadas que 1400 cestas básicas são como uma gota no oceano de fome e miséria que toda a “maquiagem” feita pelos estatísticos dos governos não consegue esconder. Contaram-me que era tempestade em copo d’água por causa de um “jantarzinho”… sempre se fez isso no quilométrico litoral de nossa história enquanto país.

Quando  me contaram tudo isso, especialmente quando usaram a palavra “oceano” e “água”, me lembrei da menina do conto do contador de contos e então pensei na diferença que 80 camas hospitalares poderia fazer na emergência de um grande hospital público onde pessoas são amontoadas em corredores, no chão, com dores lancinantes e familiares desesperados. Pensei ainda na diferença feita pelo alívio daquela dor de fome doída que 1400 cestas básicas poderia proporcionar. E pensei lá na comunidade de Chão de Estrelas, a qual a Talita se refere. Cinco casinhas fariam uma diferença enorme para uma comunidade onde o próprio nome parece sincronicamente ligado ao conto aqui contado, onde estrelas são deixadas no chão para morrerem abandonadas por aqueles com quem contamos para nos representar.

Tempestade em copo d’água? Estadia inesperada? Jantarzinho simples? A conta paga com dinheiro próprio? Sei… Conto do vigário, isso sim… Ah, conta outra… e se estou exagerando, põe na conta… só posso dar conta da minha própria opinião.