É curiosa a sensação de já estar sendo observado desde muito
antes. De uns tempos pra cá, e já comentei sobre isso no blog, dei de reparar a
lua, ou para ser mais exato, passei a conversar com ela. Embora prestar atenção
a ela seja recente, descobri que ela já me olhava lá de cima há bem mais tempo.
É certo que só agora ela tem a oportunidade de me perguntar o significado de
certas coisas e é interessante como ela fica atenta a cada detalhe, como que
tentando associar minha fala aos eventos passados. Antes de continuar a
escrever, quero apenas esclarecer aos que estão esperando pelas histórias que a
lua tem me contado nos últimos meses, sobre as pessoas e fatos que ela observou
em sua milenar experiência, que muito certamente terão que esperar um pouco
mais por isso, pois acredito que ainda não seja o momento de pô-las no papel.
Quem sabe um livro... Enquanto o “livro”
não sai, eu fico por aqui contando um pouco de nossas conversas menos sérias
(leia-se, conversas sobre tudo e sobre nada, sobre mim e sobre ela, sobre as
relevantes irrelevâncias de cada dia).
Dia desses ela me indagou: “quais os principais momentos de tua vida nos últimos
dez anos?”. Confesso que a pergunta me
deixou meio sem chão, mas a minha cabeça se voltou imediatamente para o ano de
2001. Coincidência ou não, foi um ano bem simbólico em fatos, acontecimentos,
além de ser o primeiro ano do novo milênio. E esse pensamento em 2001 foi algo
não isolado, pois há pouco, estavam os meios de comunicação noticiando os dez
anos do atentado ao WTC. Lembro que
naquele fatídico 11 de setembro, um pouco mais tarde, à noite, eu recebi minha
primeira homenagem como professor de uma turma em que dei aula. E eu não era
nem professor efetivo e nem mesmo substituto, apenas um voluntário aluno do
mestrado em Administração, mestrado do qual, por razões que não vem aqui ao caso,
havia sido “desligado” (foi essa a palavra que utilizaram na carta que me
mandaram após terem negado meu pedido de prorrogação) poucos dias antes da
homenagem. Foi dolorido participar das cerimônias de formatura e ser perguntado
sobre o mestrado e ter que admitir que tinha sido “desligado”. O eficiente “robô”,
que desde criança até concluir o curso superior nunca havia reprovado uma única
disciplina sequer, que estudava com alunos em média dois anos mais velhos, que
passou no primeiro vestibular que fez, que chegou a dar aulas para quem havia ingressado
na universidade por este mesmo vestibular que ele, que à época foi o mais
novo mestrando do programa ao qual
estava vinculado, este mesmo “robô” por não “funcionar” adequadamente naquele
momento foi “desligado”. E foi exatamente essa a sensação que me acometeu
naquele final de inverno e início de primavera de 10 anos atrás.
Quando a lua me perguntou sobre esse período de tempo, a
rápida retrospectiva que fiz me deu a entender que pouco adiantou os tantos
planos feitos, aquela quase que obsessiva tendência a pensar no futuro, até
porque o mundo mudou muito nos últimos 10 anos e o que realmente me ajudou a
chegar aos dias de hoje foram os momentos em que vivi com mais intensidade o “hoje”,
aquele “hoje”, hoje passado, porém presente na memória do “hoje” de hoje. Isso
eu só percebi porque a pergunta dela me levou a isso, e como ela já me
observava desde antes, eu até acredito que a pergunta não tenha sido ao acaso.
Conhecendo-a mais agora, imagino que tenha sido muito mais um artifício pedagógico para
promover em mim uma auto-reflexão do que apenas a pura curiosidade de uma lua questionadora.
Nesta semana os noticiários apresentam a morte de um dos
homens mais criativos que a história recente produziu: Steve Jobs. Co-fundador
da Apple, ele revolucionou o mundo da informação e tornou esses últimos dez anos ainda
mais intensos. Mês passado, quando ele
se afastou da Apple pela doença que o levaria à morte, assisti um vídeo no qual
ele faz um discurso a uma turma de formandos da Stanford, e onde contava três
histórias: a segunda, sobre sua demissão da Apple; a terceira, sobre a morte; e
deixei para falar da primeira ao final, porque é dela que quero continuar a
refletir: “sobre ligar pontos”.
Jobs argumenta que os pontos soltos só fazem sentido quando
olhamos para trás. No caso dele, ter sido dado para doação e ter sido recusado
pelo primeiro casal que deveria adotá-lo porque queriam uma menina, só fez
sentido mais na frente, quando o novo casal de pais adotivos começou a gastar
todas as suas economias para dar ao filho [ele] uma formação superior. Ao perceber isso e, mais ainda, ao perceber
que não gostava do que o estavam ensinando, abandonou o curso e com o tempo que
passou a dispor, pôs-se a assistir as aulas que gostaria de ter, ainda que de forma
“oficiosa”, tais como: caligrafia. Aparentemente seria um ponto bem solto, não
fosse o fato de que, dez anos mais tarde, as noções de tipografia que aprendeu
naquelas, aparentemente, insignificantes aulas, dariam um salto qualitativo sem
precedentes nos editores de textos pós-macintosh. No discurso Jobs pede que
acreditemos que os pontos de hoje serão ligados amanhã se fizermos o “hoje” com
o coração. De uma forma ou de outra, embora a morte pareça sempre nos dizer o
contrário, os pontos soltos da vida de Jobs foram todos ligados essa semana,
e se acaso não parecem ligados, é porque
os pontos soltos da vida de uns se confundem com os pontos soltos da vida de
outros.
A lua, que estava ainda mais atenta aos meus pensamentos e
palavras, meus atos e omissões, me pediu em sua lunática sabedoria que
aprendesse a viver um dia de cada vez, sem despedidas e sem promessas, fazendo
de cada dia o melhor dia possível, dando o melhor de mim: o melhor abraço
possível para o momento, o melhor sorriso possível para a situação, o melhor
olhar possível para a circunstância, a melhor palavra possível para a ocasião. Ao
mesmo tempo em que é empolgante descobrir-se a cada dia um aprendiz, confesso
que tem sido uma lição difícil de aprender. É complicado rever conceitos,
opiniões, valores e crenças. Mais complicando ainda é questioná-los. E muito
mais complexo é perceber que alguns deles fazem pouco sentido de agora em
diante, embora tenham sido extremamente úteis para se chegar até aqui. Acontece
que não é possível carregar tudo e sempre. Como na bela declaração ao amor de São
Paulo aos Coríntios, para cada fase da vida precisamos nos ver de formas
diferentes. O que foi adequado antes talvez não seja depois e nem por isso
perde seu valor, pois fica guardado na memória, local onde os momentos são
eternos. Somos sim uma soma de nosso passado, mas somos mais ainda aquilo que
queiramos ser. Para isso, por vezes, é preciso, além de somar, subtrair,
dividir e certamente multiplicar.