quarta-feira, 31 de agosto de 2016

E NÃO É QUE ERA MESMO UM GOLPE...


Como professor de Liderança e amante do teatro, preciso dar a mão à palmatória. Realmente havia um "golpe" sendo orquestrado, uma perfeita encenação pra ser mais exato. Nos fizeram crer que entre eles, os políticos, haviam "golpistas" e "golpeados". Foram ainda mais além e nos fizeram acreditar que entre nós, haviam "golpistas" e "golpeados". 

Ao final, as reações mal contidas de alegria entre eles em ambos os discursos de hoje à tarde, o de Dilma e o de Temer, são a melhor ilustração desse momento de êxtase que só os excelentes atores conhecem, após conseguir a comoção da plateia que sai acreditando que a encenação foi realidade. A magia do teatro utilizada para a manipulação do povo, o "circo" a que se referiam os Césares do Império Romano.

A realidade: todos eles (TODOS!) eram os "golpistas" e nós, todos nós (TODOS!) os "golpeados". Bem que Maquiavel insistia no "dividir para governar". Eles conseguem que nós saíamos divididos, achando que o outro lado não entende nada, apontando todos os erros do lado oposto e esquecendo completamente os erros do lado ao qual, supostamente, pertencemos. Assim, como numa equação matemática, um lado anula o outro, e eles conseguem anular a força que teríamos se percebêssemos que juntos, nós contra eles, seríamos muito mais fortes. 

A chama de esperança que senti nas mobilizações populares de 2013, onde éramos nós contra eles, sem partidos, apenas nós, acabou de ser apagada. Eles venceram! Nossas ideias naquele período ameaçavam a todos. Eles precisavam se unir e, historicamente, são bons nisso, mesmo quando se odeiam. Além disso, como bons discípulos de Maquiavel, sempre foram experts em nos dividir. O "golpe" foi arquitetado desde aquela época. Estavam o tempo todo encenando um grande teatro para nos distrair, como sempre fizeram. Oscar merecido para Dilma e Temer!

Agora que conseguiram o que queriam, que derrotaram seus verdadeiros inimigos (NÓS!), anuladas nossas forças, cada um vai pro seu lado, encenar sua "peça" particular, cada um com uma parcela de plateia alienada, vaidosa de ter se posicionado do lado certo. 

Não é que o "gigante" tenha adormecido, ele foi covardemente dopado e derrubado. Eles conseguiram! Mais uma vez eles conseguiram! Todos eles conseguiram! Como na fala do Capitão Nascimento: "O Sistema é Foda!"

terça-feira, 30 de agosto de 2016

POLÍTICA NO BRASIL. FONTE: SAFADÃO (2014); PABLO (2013); MARÍLIA MENDONÇA (2015).



Na semana que antecedeu a votação pelo prosseguimento do processo de impeachment de Dilma pela Câmara dos Deputados, eu recebi um convite pra ser debatedor em um encontro de formação política. Segundo me informaram, queriam um debate com vertentes ideológicas diferentes e precisavam de alguém de direita, com pensamento neoliberal e, supostamente, eu preenchia os pré-requisitos.

Obviamente achei graça e expliquei, ainda por telefone, que não acreditava nessa bipolaridade esquerda/direita, principalmente nos dias atuais.  Quase na mesma semana me disseram inclusive que, se eu não acredito nisso, então é mais uma prova de que sou "de direita". Outra pessoa, utilizando o mesmo pseudo argumento usou palavra pouco elogiosa, que não vem ao caso.

Durante o debate, essa ideia retornou no seguinte comentário: "quando não nos posicionamos, os outros nos posicionam". Mas quando esse pensamento é expresso dentro da lógica de que só existem apenas dois lados, leva-nos a conclusão pueril de que "se você não está comigo, então está contra mim".  

Percebe-se claramente que é um argumento frágil, baseado em duas suposições simplórias, pouco elaboradas e notadamente falsas: (i) a de que existem apenas dois lados; e (ii) que o não posicionamento pró-lado A, faz de você um fantoche do lado B. Quando se diminui tanto o campo de análise, não dá pra levar a sério tais "posicionamentos". Como efeito espetaculoso pode até ser sensacional a depender das crenças do grupo, mas é apenas isso, um truque de efeito para fazer exatamente aquilo de que acusa o outro lado, o nosso famoso "faça o que eu digo mas não faça o que eu faço".

Mesmo assim, apesar de pedidos contrários, aceitei o convite e comecei minha participação no debate dizendo exatamente o que já havia comentado por telefone: "não acredito em direita/esquerda etc." Em complemento disse: "antigamente as coisas eram ou preto e branco ou preto no branco, hoje em dia, só de cinza tem 50 tons", em clara e bem humorada referência ao bestseller da E.L. James.

Alguns obviamente pensaram que eu estava brincando. Embora eu houvesse recorrido a uma tirada de humor, ela reflete não menos do que a verdade. Em Administração tínhamos duas vertentes básicas, a organização vista ou como máquina ou como organismo, e hoje temos dezenas de modelos teóricos divergentes e convergentes. Um amigo psicólogo me contou que existem cerca de 196 configurações diferentes catalogadas sobre o que seria uma família e tem gente que acha que família é uma equação exata cujo resultado é pai, mãe e filhos. Numa conversa que tive com um grupo de pesquisa sobre a elaboração de um questionário, a pergunta que antigamente tinha duas respostas fechadas, "homem" ou "mulher", hoje, para permanecer com respostas fechadas vai precisar de várias opções possíveis. Até a empadinha, cujos sabores básicos eram camarão ou queijo, hoje se apresenta com uma imensa gama de ingredientes alternativos para o recheio, o mesmo acontecendo com pastéis, tapiocas e coxinhas (entenda-se aqui "coxinha" como aquele salgado saboroso, preferência nacional).

Absurdo é precisar esclarecer a palavra "coxinha". Querem muitas vezes, disse eu no debate, classificar-nos como "coxinhas" ou "petralhas". Aí me pergunto: se nosso argumento é bom, se nossa base teórica é inspirada nas mais clássicas e conceituadas obras já publicadas, se não nos deixamos levar por mídia "golpista" ou "esquerdista" (mais rótulos!), se estamos assim tão certos de nossas convicções, qual a necessidade que temos de diminuir, de dar um tratamento vulgar de inferioridade à visão que é diferente da nossa? Por outro lado, a Psicologia afirma que a agressão gratuita é um subterfúgio muito utilizado quando estamos inseguros. Agredimos, porque sabemos que nossas ideias são insuficientes. O famoso "ganhar no grito".

Dito isto, como era um encontro de formação política, e não um "ato" de defesa do que quer que seja, fui ao meu argumento central que, acredito, responde até à perrenga do uso dos agressivos e inúteis termos "coxinha" e "petralha": o problema é que, no fundo, não sabemos praticamente nada sobre política  (reparem que estou falando na terceira pessoa do plural, justo para evitar que achem que estou me colocando acima do bem ou do mal). Não lemos sobre o assunto, não nos formamos sobre o tema, não recorremos aos autores que discutem seriamente a questão, nem os clássicos e nem os contemporâneos. Pior que isso, não entendemos a fundo e acusamos os outros de não entenderem. Cada vez mais concordo com o pensamento de Jüng, de que vemos nos outros aquilo que existe dentro de nós.

Assim, para entendermos o que está acontecendo no campo político brasileiro, recorrer a Marx, Engels, Fourier, Owen, Smith, Locke, Voltaire, Montesquieu, dentre outros, é completamente inútil. A grande maioria nunca leu nada, de verdade, sobre esses autores. Uma parcela pequena, às vezes, leu na faculdade uma resenha de algum autor obscuro sobre essas questões de matriz ideológicas e só. Aqueles que leram a fundo, que foram nas obras originais, que confrontaram as ideias de ambos os lados, ah, esses são mais raros que pokemons valiosos.

Não entendemos de política. Ponto. Mas de uma coisa entendemos bem. Somos ótimos em "DR" (discutir a relação). Quando não temos uma habilidade, a necessidade nos faz recorrer a outras que temos em maior quantidade. Daí a razão das nossas timelines do Facebook, por exemplo, estarem cheias de trocas de farpas, insultos e agressões, em grande parte desprovida de qualquer lógica ou coerência que não a do "querer estar certo sempre".

Assim, se nossa especialidade, mesmo discutindo política, é em DR, melhor do que recorrer àqueles autores citados acima é usar como base teórica, "filósofos" mais modernos como Wesley Safadão, Marília Mendonça e Pablo. Isso mesmo! Foi isso que você leu. Vejamos alguns exemplos.

"Como é que você ainda tem coragem de falar comigo?
Além de não ter coração, não tem juízo
Fez o que fez e vem me pedir pra voltar?
Você não merece um por cento do amor que eu te dei
Jogou nossa história num poço sem fundo
Destruiu os sonhos que um dia sonhei
Quer saber? Palmas pra você!
Você merece o título de pior mulher do mundo!
(SAFADÃO, 2014)

Só tente pensar numa situação diferente de uma briga de casal. Pense nas discussões ideológicas que têm visto no Facebook ultimamente. Imagine políticos, partidos, eleições e... duvido que não tenha percebido raciocínios similares na rede. Mas vamos a outro exemplo. Esse um dos meus preferidos. Se põe a culpa em tudo e em todos, mas nunca se põe em dúvida sua própria (in)competência.

"Você foi a culpada desse amor se acabar
Você quem destruiu a minha vida
Você que machucou meu coração, me fez chorar
E me deixou num beco sem saída"
(PABLO, 2013)

Agora um trecho que considero dos mais doentios. Tente seguir minha proposta de raciocínio, de abstrair e aplicar a lógica do pensamento à "política de Facebook":

"Mas se você soubesse o que realmente me interessa
É saber se você faz amor comigo como faz com ela
Se quando beija, morde a boca dela [sic]
Fala besteira no ouvido, como faz comigo
Tudo o que eu preciso
É saber se você faz amor comigo como faz com ela"
(MARÍLIA MENDONÇA, 2015).

Eu não consigo ouvir essa música e não me lembrar de alguns argumentos que vi. É mais importante saber como o outro lado age do que como eu próprio ou o lado que eu defendo age. Mais fácil enxergar o cisco no olho do outro do que o pedaço de madeira que está nos nossos próprios olhos.

Particularmente acredito que, enquanto continuarmos personalizando a discussão política como fazemos com nossos relacionamentos pessoais, teremos um longo caminho pela frente. Precisamos entender que a personalização nas DRs é algo perfeitamente normal, as DRs são personalizadas. Mas isso na política? Não faz sentido. Até porque, muitos amigos acabam com relações estremecidas, enquanto os políticos fazem alianças obscuras. Informação quentinha: apesar desse acirramento todo que estamos vendo, em 30% das nossas cidades, PT, PMDB e PSDB estão, coligados (isso mesmo, os três juntos!!!), nas atuais eleições municipais. Agora me diz se faz sentido, chamar de "burro" como acabei de ver num perfil do Facebook, qualquer um que pense diferente de você sobre política. Me pergunto: que traumas e carências psicológicas tão profundas nos fazem agredir amigos por divergência de pensamento político?

A boa notícia disso tudo é que, as pessoas estão, bem ou mal, discutindo muito mais sobre o tema e, espero eu, não tardarão a buscar argumentos mais sólidos e confiáveis e menos emotivo-pessoais. O outro aspecto positivo que percebo, é o fortalecimento daquilo que chamamos de amizades verdadeiras. Particularmente fico muito feliz ao perceber que boa parte de meus melhores amigos pensam completamente diferente de mim. E ainda assim somos grande amigos. E isso não significa que não falamos sobre o assunto ou não expomos um ao outro nosso ponto de vista. Ao contrário, fazemos isso até bastante, mas com a certeza de que "uma coisa é uma coisa; e outra coisa é outra coisa". Essa magia que nos une, esse respeito mútuo, essa capacidade de lidar com o diferente é que me faz acreditar que, apesar de tudo, estamos evoluindo.

segunda-feira, 21 de março de 2016

FLAUTISTA Vs SEREIA: A ORIGEM DO (DES)ENCANTAMENTO



Até nos contos a música está associada a encantamento. O flautista de Hamelin e o canto da sereia são uma prova disso. Nos últimos tempos, a indústria do entretenimento tem percebido o poder de juntar em um mesma história, personagens de diversas narrativas. A mais esperada por esses dias é o lançamento do filme "Batman Vs Superman: a origem da justiça". Isso me fez pensar como poderia ser um conto onde o flautista e a sereia divergissem entre si quanto ao que fazer com as crianças de Hamelin. Importante lembrar que nas narrativas originais o flautista, a princípio visto como um mercenário, acaba por libertar as crianças de uma sociedade corrupta. Já a sereia, apesar de seu encantamento, levava os aventureiros do mar para o fundo das águas onde padeciam. Eis o resultado desse meu pensamento:


Flautista Vs Sereia: a origem do (des)encantamento


Era uma vez, um pequeno grande vilarejo. Apesar de não serem muitos os que ali moravam, o mundo todo estava ali contido. Na verdade, cada habitante de Hamelin, era um universo em particular.


Parte da cidade vivia nas sombras e nem tomava conhecimento da existência de sua outra metade. Outra parcela da sociedade hameliniana habitava lugares que de tão iluminados não permitiam perceber a escuridão onde sua outra metade vivia.


Certo dia, algumas crianças da luz, descobriram, enquanto brincavam de pipa, bola e pião, um grande relógio antigo, parado, maior do que eles, que era na verdade uma passagem para um túnel que levava ao mundo da escuridão.


Ao abrirem a passagem, levaram luz para dentro do túnel e permitiram que habitantes das sombras conhecessem a luz e que os filhos da luz descobrissem as trevas da escuridão. O resultado dessa descoberta modificou completamente o modo de vida de ambos os povos. Eles acabaram por se perceber como criaturas de luz e de sombras.


Uma outra consequência do túnel aberto pela curiosidade infantil, foi a de que a luz assustou os ratos que viviam escondidos na escuridão, ratos com os quais os moradores desse lado sombrio haviam aprendido a conviver, até porque a falta de luz não os permitia enxergar a aparência  asquerosa dos animais. O resultado foi uma invasão de ratos por toda a cidade.


Apavorados, uns pela descoberta da existência e outros pela descoberta da aparência dos ratos, os membros da cidade, se reuniram em conselho. Alguém sugeriu que procurassem ajuda profissional, alguém que com sua arte pudesse varrer de suas vidas os ratos que tanto incomodavam. 


A indicação não podia ser mais clara: eles precisavam de um mago, um mago artista, um flautista conhecido, enfim, sugeriu um dos presentes. Seu tratamento para os nossos ratos seria a música, defendeu aquele que conhecia os benefícios daquela terapia pela arte. Alguns estranharam mas acabaram convencidos pelos entusiastas da ideia. A única coisa que pareceu desagradar a maioria foi o fato do flautista cobrar por sua arte. Acharam absurdo terem que pagar pelo tratamento-arte. Mas a emergência da situação não permitia mais delongas.


E assim o flautista conhecido iniciou seu trabalho de, com a música de sua flauta, dar sumiço a cada um dos ratos da cidade. Chegou então o momento do pagamento. A cidade em conselho decidiu que as 30 moedas de prata prometidas ao flautista eram muito. Ele apenas havia usado sua flauta, sua arte, para de forma simples e sem muito trabalho ganhar tanto. Deram-lhe três moedas de prata e até escarneceram dele, mandando que ele procurasse algo mais sério para fazer na vida.


Ao ouvir isso, com ódio da cidade, porém com pena das crianças que um dia se tornariam tão corruptas quanto os adultos, decidiu usar sua arte para salvar aquelas crianças da crueldade daquele mundo que habitavam. Aos poucos as crianças foram se rebelando, tendo vontade própria, perguntando, questionando, brincando e sorrindo como nunca antes. A cada dia que passava se tornavam seres mais completos, conscientes de seus aspectos luminosos e sombrios, o que lhes dava a oportunidade até, de viver sua completude. Estavam em perfeita comunhão com Deus e  com o universo.


Só que essas crianças começaram a crescer e suas perguntas e coragem passaram a incomodar cada vez mais os membros da cidade. Se antes a infestação havia sido de ratos da escuridão, agora a claridade do pensamento dessas novas crianças se tornava uma ameaça ainda maior. As crianças não aceitavam qualquer desculpa, não se deixavam iludir por falsas promessas e sempre, sempre, buscavam novas maneiras de fazer mais, melhor e mais belo.


Reuniram-se pois, novamente em conselho, e acataram que seria necessário adotar medidas mais drásticas quanto àquelas crianças que chamavam de indolentes. Sugeriram que elas precisariam ser medicadas urgentemente para se comportarem de maneira adequada e sensata. Alguém indicou uma sereia que havia feito grandes avanços em suas pesquisas sobre o comportamento humano, mesmo ela não sendo completamente humana. A sereia que gostava de ser tratada como "doutora", conseguiu encapsular a felicidade presente em sua voz  e em seu canto. Em forma de pequenos comprimidos, administrados regularmente, o revolucionário medicamento garantiria a paz e a tranquilidade do sono de todos os habitantes da cidade, especialmente das crianças que, diziam, pensavam demais.


O custo seria muito alto, mas alguém no conselho advogou que a ciência é cara, mas que é a maneira mais eficiente de resolver o problema. Um outro conselheiro chegou a afirmar que o problema todo começou porque eles investiram em soluções baratas como a do artista ingrato que apenas tocava flauta e que nunca havia sido uma pessoa estudada. Diante dessa argumentação, os conselheiros constataram que a única saída seria contratar a Dra. Sereia, custasse o que custasse.


As crianças passaram a receber doses cada vez maiores das "pílulas de felicidade", e aos poucos, todas passaram a se comportar de maneira semelhante e, sobretudo, sem aquela rebeldia e energia típicas que tanto incomodavam os adultos. E a cidade parecia feliz. Tudo que não era adequado era colocado na parte escura da cidade onde ninguém perceberia nada. Assim, cada cidadão ficava à vontad para publicar toda a sua suposta "luminosidade" nas rodas sociais que participavam. De tão luminosos passaram a enxergar menos, pois eram ofuscados uns pelos outros. Mas se percebiam felizes e faziam filas todos os meses à porta da sereia para ouvir seu canto e tomar mais de suas pílulas, embora enxergassem cada vez menos, se movimentassem cada vez menos, rissem cada vez menos, fossem cada vez menos humanos.


Só que no fundo da alma de cada uma daquelas crianças-luz, um som de flauta, a medida que iam perdendo a visão, parecia se tornar mais forte. Só que agora essa música não vinha mais de fora, mas de dentro da alma de cada uma delas. A pílula da sereia só funcionava para aquilo que vinha de fora. E a cidade começou a sorrir de novo...

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

CONTO DE FADAS PRA QUEM ACHA QUE SABE TUDO SOBRE RELACIONAMENTOS

A impressão que tive foi a de que eles haviam saído de algum livro de conto de fadas, logo depois do ponto final posto diante das palavras: "... e foram felizes para sempre". Ela usava uma espécie de saia armada que em composição com a blusa e com a pouca iluminação davam a ela a impressão de estar usando um vestido de verão desses típicos de princesas de contos de fada em época de...  verão. Ele usava roupas mais comuns (do que ela), mas ainda assim incomuns para os "nossos dias",  especialmente em se tratando do calçadão de uma cidade litorânea  como Olinda. Calça brim e camisa "engraçada" (me falta mais conhecimento de moda para descrever os detalhes). Definitivamente não eram príncipes de algum reino suntuoso, muito pelo contrário. Mas eram príncipes felizes e empreendedores.

Pois é, nesses tempos de grave crise financeira, não só o mundo real parece ter sido abalado. Digo isso porque meus "personagens" estavam vendendo trufas para complementar a renda. Faziam isso de mãos dadas e com os mais largos sorrisos, daqueles que intimidam qualquer um a dizer não. Foi assim que me vi estendendo uma nota de dois reais para comprar a trufa encantada do casal de príncipes empreendedores. A cena foi tão surreal que só me lembrei do trecho do livro d'O Pequeno Príncipe onde o aviador diz algo como: "quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer". No meu caso eu não ousei fazer perguntas.
 

Mas em se tratando de calçadão de praia movimentada em início de noite de céu claro, com dezenas de pessoas caminhando, correndo, passeando com crianças e/ou cachorros, namorando, meditando ou, como eu, simplesmente observando o cotidiano (após alguns quilômetros de corrida), meus "amigos" príncipes não passariam incólumes ao comentários  e às "benditas" perguntas do tipo que já trazem no kit a resposta desejada pelo perguntador.

Assim, sentada há pouco mais de dois metros de mim,  vi uma senhora com ar curioso, acompanhada de uma jovem, provavelmente sua filha, que após também não conseguir negar a compra da trufa encantada, comenta com ela em voz alta: "olha só filha, como são felizes!!! Bem que você e seu namorado podiam ser assim né?!" A senhora, ao que parece, sem perceber o enrubescimento do rosto da menina envergonhada por estar sendo exposta publicamente, se volta para o casal de príncipes e pergunta: "como vocês fazem para ser tão felizes? Queria muito que ela aprendesse com o testemunho de vocês!"

Confesso que senti uma empatia imediata com a pobre filha da senhora, haja vista minha grande experiência de pessoa, cuja vida parece ser objeto de análise de pessoas de vida entediante. Contudo, meu princípio de tentar ao máximo não me meter na vida alheia, me fez calar ante ao constrangimento sofrido pela jovem. Mas a minha vontade era de dizer umas poucas e boas àquela senhora, que podia até ser mãe da menina, mas que ainda assim não tinha o direito de expor sua intimidade a estranhos, sejam de conto de fadas ou dos fados do dia-a-dia.

Mas foi aí, nessa hora de silêncio constrangedor entre os personagens envolvidos, que a magia aconteceu. Sabe quando alguém por iluminação diz tudo o que você sempre teve vontade de dizer e nunca teve coragem de falar? Povo de conto de fadas é mesmo mágico. A princesa, sem perder um único centímetro de seu sorriso começou a dizer com aquela voz suave e doce, também típicas das princesas encantadas:

"Minha bondosa [bondosa? sei!] senhora, não diga isso. Não somos exemplo e muito menos podemos dar testemunhos a quem quer que seja quando o assunto é amor. Apenas somos! Não sabemos se nosso amor durará eternamente, mas está sendo eterno enquanto está durando. Temos a certeza que mesmo que o amor um dia acabe, ainda seremos felizes. Sabe por quê? Porque eu já era feliz antes de encontrá-lo e ele já era feliz antes de me encontrar. Agora estamos felizes juntos, embora saibamos que seríamos felizes separados também. Mas até nisso não somos um exemplo. Nós somos assim. A senhora é certamente diferente. Essa jovem linda também é diferente de nós e da senhora. E esse rapaz aqui ao lado [ela percebeu que eu ouvia a conversa] é uma outra pessoa completamente diferente da gente. E a graça na vida, é que a todos nós é dado o dom de ser feliz, do jeito que nós somos. "Felicidade é só questão de ser" [conheço essa música!]. Não precisamos copiar ninguém, somos originais, indivíduos únicos. O mal do mundo é querer nos colocar em caixinhas, nos rotular, pegar uma característica nossa e assim nos enquadrar em uma denominação, como se pequenos detalhes determinassem quem somos. Tais detalhes podem ser até importantes. Mas podem não significar nada. Podem deixar de significar uma coisa e passar a significar outra coisa. O mundo está em constante mudança, e por mais que tentemos reduzir pessoas a estereótipos, na verdade cada um é um ser de uma única espécie, a sua própria espécie."

Minha vontade era a de aplaudir a princesa, mas o príncipe também tinha sua fala...

"Vocês pensam que somos um casal de príncipes que saiu de um conto de fadas logo depois do ponto final que sucede o fatídico '...e foram felizes para sempre"? [:O ele lê pensamentos?]. Sim, nós somos! Mas vimos que o rótulo 'felizes para sempre' é muito chato e resolvemos fugir do palácio, da corte, do luxo e da ostentação. Queríamos ver o mundo e como dizem que foi a partir de Olinda que Deus criou o mundo , fizemos aqui nossa primeira parada. Como nossa moeda não vale nada aqui no mundo real, estamos vendendo essas trufas encantadas. Elas tem poderes mágicos. Elas nos fazem perceber a incoerência de nossas tentativas de reduzir os outros a dois grupos: um que pensa como nós e outro que pensa contra nós, sempre dicotômicos num "a favor" ou "contra", num "bombordo" ou "boreste", numa "maioridade" ou "menor-idade", numa "orientação" ou "desorientação", num "credo" ou "ceticismo". E sabe por que essas trufas tem esse poder? Porque na hora que a gente experimenta a trufa, a única coisa que existe somos nós, o hoje, o agora, o sabor, o saber... o saber ser sabor, agora, no nosso hoje."

E dizendo isso, ante aos rostos atônitos meu, da senhora e da jovem (agora menos vermelha), foram embora, de mãos dadas, oferecer suas trufas a um casal de namorados que estava num canto mais afastado. Quanto a mim, desembrulhei a trufa, a coloquei na boca, fechei os olhos e, naquele momento fui feliz.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

QUEM É ESSA AÍ, PAPAI? (ou Vaidade das Vaidades)



No tocante às polêmicas via Internet, 2016 começou do jeito que terminou 2015: com supostos triângulos amorosos (e respectivos "barracos") no vórtice das grandes redes sociais. Se a Fabíola, o "gordinho da saveiro" e o "marido corno destruidor de saveiros" fechou o ano, quem abriu foi nada menos que a diva poderosa hiper mega idolatrada salve salve Ivete Sangalo, que em pleno show se prestou a expressar seu ciúme em público com o agora mais novo meme da rede: "quem é essa aí, papai?" ao ver, do palco, seu marido conversando com uma mulher.

Em tempos de Facebook, Whatsapp, Snap, Youtube, Twitter e afins menos conhecidos, é lógico que a contenda não iria passar desapercebida. Se Fabíola não passou, quanto mais Ivete. É incrível a capacidade das redes sociais de catalisar as disfunções resultantes da confusão entre o público e o privado. Se isso acontecia eventualmente com algumas personalidades mais significativas, hoje, qualquer um pode ganhar o mundo nas infinitas seções de comentários disponíveis. 

O que antigamente era restrito aos "pés" de portas ou janelas, bares e bancos de praça, ganha hoje espaço nos mais improváveis locais. Basta haver sinal de rede e os fuxicos, como sempre maliciosos e superficiais, estarão se multiplicando numa impressionante curva exponencial ascendente. Como cada smartphone é hoje uma agência de notícias portátil e equipada com os mais modernos e instantâneos meios de transmissão audiovisual, o poder que cada indivíduo carrega nas mãos ao portar um "aparelhinho" desses é incomensurável. O céu (sem wifi) é o limite.  

Se, no caso da "novela" lá da Fabíola, o deixar que a história venha a público possa até ser considerado algo compreensível - nunca pelo sentimento de traição, porque isso de "sangue quente" é a maior desculpa esfarrapada de todos os tempos,  e sim por se tratar de pessoas que não estão acostumadas com a vida em público, em resumo, "amadores" - o mesmo não pode ser dito de quem é personalidade pública e que cresceu dentro do meio e está acostumado com a repercussão que cada um de seus movimentos causa. 

Sim, estou fazendo uma crítica ao posicionamento da Ivete (artista que aliás, admiro muito). Não que ela não tenha o direito a "ser humana" também, mas qual mesmo a significativa diferença do que ela fez (por muito menos) para o que fez o marido da Fabíola? Engraçado foi ver nas redes sociais, as mesmas pessoas que criticaram o marido traído por ter publicizado a história, defendendo a Ivete dizendo, por exemplo, que a "Ivete arrasa". Ora, dois pesos e duas medidas, bem distintas.

Mas a minha crítica não diz respeito à traição (que é sempre algo muito particular e íntimo dos envolvidos, ou pelo menos deveria ser) e nem mesmo da falta de coerência de quem apóia um e ataca outro em situações similares, mas sim dessa tendência cada vez mais acentuada, que citei antes, de confundir o privado com o público. 

Sou o primeiro a defender que não existe como separar, totalmente, por exemplo, a vida pessoal da vida profissional (que é apenas um dos casos da relação privado e público e talvez nem seja o exemplo mais significativo dessa relação), mas isso no sentido de que é a mesma pessoa que vive os dois "personagens" e que, portanto, um vai afetar o outro. Isso, contudo, não significa que o extremo inverso deva acontecer e passemos a incentivar uma mistura completa dos papéis. Já imaginou se o marido descarregar todos os dias a sua raiva do patrão na mulher e nos filhos ou se o vendedor, todos os dias, atender mal o cliente porque brigou com a esposa? Há espaços definidos, que devem ser ocupados pela mesma pessoa, mas em cada um desses espaços se espera alguns comportamentos básicos de quem os ocupa.

Não quero tomar Ivete pra Judas, mas é importante entender que quem assume uma função pública profissionalmente precisa manter determinadas posturas. Vai conseguir exercer isso sempre? Não! Somos todos humanos e sujeitos a falhas, mas o que me parece grotesco em toda essa história não são os personagens principais, mas a forma como agem os expectadores. Falhar é humano. Compreender e até justificar os porquês das falhas é algo extremamente aceitável e louvável eu diria, agora, querer transformar a falha em acerto, vibrar com a falha, dar apoio e pior ainda, replicar a falha ("ah, se a Ivete faz, eu também posso!"), isso que me soa muito estranho. 

Será a solução, postar o erro no Youtube? Chamar a atenção em pleno show? Por que estamos acentuando cada vez mais o julgamento rápido e a justiça pelas próprias mãos? E mais ainda, por que precisamos fazer isso em público? Por que não discutir isso depois em foro íntimo? Por que precisamos ser notados, fazer com que os outros vejam nossa situação? 

Pra mim, a única resposta que se ajusta a essas perguntas é: VAIDADE. Pura e completa vaidade. "Eu? Ivete Sangalo? Sendo preterida por 'essazinha' aí?", "Eu? o amigão? o marido sarado que paga a conta da manicure? Sendo trocado pelo cara "gordinho"?" Não à toa, o diabo no filme "Advogado do Diabo", encerra dizendo: "Vaidade! Meu pecado preferido". E se preferirem uma referência mais sagrada, lá no comecinho de Eclesiastes vemos: "vaidade das vaidades! Tudo é vaidade." O mais impressionante é que nem nos tocamos de que como a vaidade é ruim, pois sempre temos justificativa pra ela. Luxúria ninguém discute que não seja "pecado", mas a vaidade é justificada com os "ela arrasa" e os "ele é macho mesmo" da vida.

E essa vaidade parece surgir de um sentimento de posse. Tratamos o outro como uma coisa, um objeto, um troféu, uma propriedade nossa. Não quero aqui de modo algum justificar uma traição, por exemplo, mas a Fabíola e o marido da Ivete, tem o direito de fazerem o que bem quiserem da própria vida, a isso chamamos de "livre arbítrio".  Aos "santos" de plantão, que dirão que existe um "acordo" entre as partes, peço que aquele que nunca quebrou uma promessa e nunca mentiu, que atire a primeira pedra. Inclusive, se um acordo, ou promessa, ou contrato não pudesse ser quebrado, não existiria livre arbítrio. 

Mas falarão que haverá consequências. Em momento algum afirmei que não existiriam consequências, pois é justo no gerenciamento das consequências que reside o fundamento do livre arbítrio. Eu posso fazer o que quiser da minha vida. Mas o outro também pode não mais me querer fazendo aquilo que quero fazer. Muito justo, aliás! Você não quer uma mulher que vá para o motel com seu amigo? Justo! Faça como o Pablo, arrume as malas e vá embora. Ou mande ela embora. Não vai ser quebrar o carro (ou a cara dela ou do amante) e divulgar na Internet que vai resolver o seu problema. Não quer que seu marido converse com nenhuma mulher em situação suspeita enquanto você faz um show (sendo desejada por muitos, inclusive)? Manda ele embora! Vai embora! Não é dando chilique no palco, deixando público seu incômodo, que a situação vai ser resolvida. 

Que tal uma conversa a dois, sem "torcida" a favor ou contra, sem dramatizar a sua vida pessoal, tentando ganhar "curtidas" de apoio e "compartilhamentos" de sua suposta dor? Venhamos e convenhamos, nem eu e nem você temos nada a ver com a vida da Fabíola ou da Ivete. Da primeira, uma desconhecida gerente de banco, não nos interessa nada. Da segunda, o que pode nos interessar é que ela nos ajude a fazer "rolar a festa", "levantando poeira", pois a música tem esse poder de ser "beleza rara" em nossas vidas. E no foro íntimo e pessoal? Aí é que não nos interessa mesmo.