Há dias em que apenas a oração é capaz de ajudar a preencher
nossos espaços vazios. Me sentia assim ontem, tanto que fugi de boa parte de
uma festa de aniversário para ir a uma missa próxima do local da festa. Minha
esperança estava em escutar o que Deus tinha para me falar pois aprendi com o
tempo a confiar nas leituras programadas para cada dia. Chegando lá me lembrei
que, quando a festa dos santos Pedro e Paulo acontece no meio da semana, a
transferem para o domingo mais próximo. Assim, as leituras de ontem foram as da
festa dos santos considerados "colunas" da Igreja e não as do 13º
domingo do tempo comum. Por um lado foi bom ouvir uma de minhas leituras
preferidas, aquela em que Paulo, perto da morte, emite sua declaração de missão
cumprida ("combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé.
Desde já me está reservada a coroa da justiça que o justo juiz me
reservou"). Paulo podia morrer tranquilo pois tinha a certeza de que fez o
seu melhor. Ao contrário de me inspirar como tantas vezes fez, a leitura me
deixou ainda mais agitado. Tive muito medo de morrer (estou com esse medo
ainda), medo não da morte em si, mas de não ter aproveitado a vida para fazer o
meu melhor. Ou pior, medo de a vida inteira ter achado que fazia o melhor e, de
repente, perceber que tudo foi, não só inútil, como também uma ilusão que me
deixou bem longe de poder um dia merecer usar o mesmo discurso de Paulo.
Voltei para a festa vestindo um sorriso que agradou muito
meu sobrinho que se fartou de brincar com o tio (bem, na verdade, eu cansei bem
antes dele, mas ele é insistente e terrivelmente simpático quando quer algo -
risos) e acho que assim sentiu menos a ausência do pai que não pôde ir à festa
com ele. Mas o que fazer com minhas próprias ausências, com a minha própria
ausência? A pergunta retumbava na mente e, à noite, antes de dormir, a agitação
continuava. Recorrendo mais uma vez à oração, pensei em ler o evangelho que
teria sido lido nesse final de semana não fosse a coincidência com a festa de
Pedro e Paulo. E era uma leitura de cura, de amor, de entrega...
Jesus está famoso, tanto que multidões acorrem até ele. A
notícia de seus milagres se espalha. Jairo, o chefe da sinagoga, se joga aos
pés de Jesus e pede que o galileu cure sua filhinha à beira da morte. Fiquei
pensando naquele homem. Tão poderoso no local, dava ordens que eram cumpridas,
era reconhecidamente importante, alguém que representava o próprio Deus diante
do povo, mas diante da filha doente se reconhece incapaz, mais ainda, percebe
que nada do que tivesse feito até então valeria a pena se não tivesse junto a
si, sua filha querida, tão amada e que se encontrava doente. Ele sem ter (ou
sem saber) mais o que fazer, se joga diante de Jesus pedindo a cura da filha, é
o que lhe resta, entregar-se em oração. Nessa hora me lembrei de uma música
católica bem tradicional, das que minha mãe, quando eu criança, cantava para me
pôr para dormir e que dizia "a melhor oração é amar; se não sabes amar, tu
não deves orar, a melhor oração é amar". Nessa hora, alguns homens chegam
com a notícia da morte da menina, mas Jesus, vendo o quanto aquele homem amava
a sua filha, diz: "ela não morreu, ela apenas dorme". É certo que os
homens não creram nisso e não acreditaram porque eles não amavam. Ainda que
aflito, ainda que angustiado, ainda que temeroso, é certo que Jairo acreditou,
pois ele amava, sua melhor oração não era a oração das sinagogas, era a oração
do amor. E é certo que ele acreditou pois quando Jesus disse à filha de Jairo:
"talita cumi" (menina,
levanta-te), ela despertou bem, para alegria daquele pai que reconheceu que
nada mais no mundo é tão importante como a presença de quem se ama.
Jairo nos ensina que a cura é diária e está relacionada à
entrega de nossas vidas nas mãos de Deus, pois ninguém nos ama mais do que Ele.
Ele já nos amava antes do nascimento, antes que nos formássemos no ventre de
nossa mãe. Por isso, quando deixamos que Deus cuide daquilo que não podemos nós
mesmos cuidar e fazemos nossa parte naquilo que podemos cuidar, com fé e
paciência, é certo que despertaremos como a filha de Jairo da morte para a
vida. E mais uma vez teremos a chance de fazer o melhor e quem sabe, um dia, na
nossa hora derradeira, tal qual Paulo, poder se entregar, enfim,
definitivamente, nos braços do Pai, certos de termos cumprido nossa missão.
E foi pensando em Jesus, em Jairo e sua filha, e no amor que
une as pessoas por todo o sempre, aliado ao cansaço de ter sido pai substituto
por um dia, que adormeci, deixando Deus cuidar um pouco de mim e de minhas
angústias. Se não acordei mais feliz, ao menos acordei como na música, com vontade
de continuar "tocando em frente, como um velho boiadeiro, levando a
boiada" e pensando que "vou levando os dias pela longa estrada, eu
vou, estrada eu sou..."
:-)
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