segunda-feira, 2 de julho de 2012

ORAÇÃO


Há dias em que apenas a oração é capaz de ajudar a preencher nossos espaços vazios. Me sentia assim ontem, tanto que fugi de boa parte de uma festa de aniversário para ir a uma missa próxima do local da festa. Minha esperança estava em escutar o que Deus tinha para me falar pois aprendi com o tempo a confiar nas leituras programadas para cada dia. Chegando lá me lembrei que, quando a festa dos santos Pedro e Paulo acontece no meio da semana, a transferem para o domingo mais próximo. Assim, as leituras de ontem foram as da festa dos santos considerados "colunas" da Igreja e não as do 13º domingo do tempo comum. Por um lado foi bom ouvir uma de minhas leituras preferidas, aquela em que Paulo, perto da morte, emite sua declaração de missão cumprida ("combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Desde já me está reservada a coroa da justiça que o justo juiz me reservou"). Paulo podia morrer tranquilo pois tinha a certeza de que fez o seu melhor. Ao contrário de me inspirar como tantas vezes fez, a leitura me deixou ainda mais agitado. Tive muito medo de morrer (estou com esse medo ainda), medo não da morte em si, mas de não ter aproveitado a vida para fazer o meu melhor. Ou pior, medo de a vida inteira ter achado que fazia o melhor e, de repente, perceber que tudo foi, não só inútil, como também uma ilusão que me deixou bem longe de poder um dia merecer usar o mesmo discurso de Paulo.

Voltei para a festa vestindo um sorriso que agradou muito meu sobrinho que se fartou de brincar com o tio (bem, na verdade, eu cansei bem antes dele, mas ele é insistente e terrivelmente simpático quando quer algo - risos) e acho que assim sentiu menos a ausência do pai que não pôde ir à festa com ele. Mas o que fazer com minhas próprias ausências, com a minha própria ausência? A pergunta retumbava na mente e, à noite, antes de dormir, a agitação continuava. Recorrendo mais uma vez à oração, pensei em ler o evangelho que teria sido lido nesse final de semana não fosse a coincidência com a festa de Pedro e Paulo. E era uma leitura de cura, de amor, de entrega...

Jesus está famoso, tanto que multidões acorrem até ele. A notícia de seus milagres se espalha. Jairo, o chefe da sinagoga, se joga aos pés de Jesus e pede que o galileu cure sua filhinha à beira da morte. Fiquei pensando naquele homem. Tão poderoso no local, dava ordens que eram cumpridas, era reconhecidamente importante, alguém que representava o próprio Deus diante do povo, mas diante da filha doente se reconhece incapaz, mais ainda, percebe que nada do que tivesse feito até então valeria a pena se não tivesse junto a si, sua filha querida, tão amada e que se encontrava doente. Ele sem ter (ou sem saber) mais o que fazer, se joga diante de Jesus pedindo a cura da filha, é o que lhe resta, entregar-se em oração. Nessa hora me lembrei de uma música católica bem tradicional, das que minha mãe, quando eu criança, cantava para me pôr para dormir e que dizia "a melhor oração é amar; se não sabes amar, tu não deves orar, a melhor oração é amar". Nessa hora, alguns homens chegam com a notícia da morte da menina, mas Jesus, vendo o quanto aquele homem amava a sua filha, diz: "ela não morreu, ela apenas dorme". É certo que os homens não creram nisso e não acreditaram porque eles não amavam. Ainda que aflito, ainda que angustiado, ainda que temeroso, é certo que Jairo acreditou, pois ele amava, sua melhor oração não era a oração das sinagogas, era a oração do amor. E é certo que ele acreditou pois quando Jesus disse à filha de Jairo: "talita cumi" (menina, levanta-te), ela despertou bem, para alegria daquele pai que reconheceu que nada mais no mundo é tão importante como a presença de quem se ama.

Jairo nos ensina que a cura é diária e está relacionada à entrega de nossas vidas nas mãos de Deus, pois ninguém nos ama mais do que Ele. Ele já nos amava antes do nascimento, antes que nos formássemos no ventre de nossa mãe. Por isso, quando deixamos que Deus cuide daquilo que não podemos nós mesmos cuidar e fazemos nossa parte naquilo que podemos cuidar, com fé e paciência, é certo que despertaremos como a filha de Jairo da morte para a vida. E mais uma vez teremos a chance de fazer o melhor e quem sabe, um dia, na nossa hora derradeira, tal qual Paulo, poder se entregar, enfim, definitivamente, nos braços do Pai, certos de termos cumprido nossa missão.

E foi pensando em Jesus, em Jairo e sua filha, e no amor que une as pessoas por todo o sempre, aliado ao cansaço de ter sido pai substituto por um dia, que adormeci, deixando Deus cuidar um pouco de mim e de minhas angústias. Se não acordei mais feliz, ao menos acordei como na música, com vontade de continuar "tocando em frente, como um velho boiadeiro, levando a boiada" e pensando que "vou levando os dias pela longa estrada, eu vou, estrada eu sou..."

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