sábado, 2 de janeiro de 2016

RIR DE TUDO É... A SOLUÇÃO



RIR DE TUDO É DESESPERO A SOLUÇÃO

Estamos diante de uma crise de humor. Estamos ficando chatos por medo de sermos julgados racistas, homofóbicos, xenófobos, machistas... Não que tais atitudes em si, quando confirmadas, após a devida análise e julgamento, não devam ser punidas, mas a pergunta é: se transformarmos as redes sociais numa grande delegacia/tribunal/prisão, que funcionem sob nossas próprias regras e baseadas em nosso estado de espírito, chegaremos (mesmo) a uma solução? Ou só estaríamos remediando um mal causando outros males com novas (e antigas) consequências?

Quando eu digo que estamos ficando cada vez mais chatos, me coloco no topo da lista. Certa vez, uma colega veio conversar comigo sobre um problema que ela havia enfrentado a frente de um projeto e eu esbocei um sorriso com a intenção de dar apoio, de mostrar solidariedade, como é comum que as pessoas façam, por exemplo, em um velório, para dar força à família. Tempos depois ela veio me confessar, irritada, que sentiu muita raiva de mim naquele dia porque eu havia feito pouco caso dela. Desse dia em diante passei a tratá-la educadamente, como sempre, contudo de forma burocrática, fria, sisuda, impessoal. 

Poderão dizer que fui radical. E fui. Fiquei mais chato. E é disso que escrevo aqui. Ela estaria em um mal dia? Teria tido algum problema em casa? Alguma disfunção hormonal? Um traço de personalidade? Uma carência afetiva desenvolvida na infância? Não sei. Mas peço que se coloquem no meu lugar. O que fariam? Tentariam sorrir outra vez? Sinceramente, depois de ouvirem o que ouvi, sou capaz de apostar que agiriam de forma parecida.

Sim, ela poderia ter algum dos problemas que citei acima e isso seria um forte atenuante, mas os problemas dela não impedem - muito ao contrário - que suas ações decorrentes me afetem. Eu (e todo mundo) temos também o direito de desenvolver nossos próprios mecanismos de defesa. E nesse caso, já que se corre o risco de que a outra pessoa entenda mal sua piada, de que julgue apressadamente o seu humor, de que não consiga diferenciar verdades, ironias, sátiras, "alfinetadas" e comentários infelizes e impensados, o melhor é cortar o mal pela raiz.

"Cortar o mal pela raiz". Essa expressão sempre me remete a duas passagens. A primeira é bíblica. Jesus recomenda deixar que o joio (erva ruim) cresça junto ao trigo, já que no primeiro momento é difícil fazer distinção entre os dois tipos de erva, e assim seria melhor dar um pouco mais de tempo, ou seja, se empenhar numa análise mais aprofundada e não agir de forma tão precipitada e radical, o que me leva à segunda referência, esta musical, onde na letra da canção A Lista, se encontra o trecho: "quantos defeitos sanados com o tempo eram o melhor que havia em você".

E já que entramos na seara da música, me veio à mente a bela composição do Frejat, Amor pra Recomeçar, que nos traz ótimos conselhos, mas um desses conselhos, em especial, nunca me soou bem. Diz a letra: "... que você descubra que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero." 

Tempos depois eu percebi que o que me incomodava nesse trecho da música era que ele se tratava, na verdade, de um pseudo-conselho. E percebi mais ainda, que é justo o não rir de tudo que tem tornado a nossa vida cada vez mais desesperadora. 

Parece ser (e é) uma ideia radical. Rir de tudo? Até das coisas ruins, das injustiças, da morte, da dor? Sim! Mas peço que se atenham à própria palavra "radical". O radicalismo do qual falo é o de ir na raiz. O que acontece na raiz afeta toda a árvore. Se em nossa raiz, se na raiz de todos os problemas que enfrentarmos estiver o humor, onde ele não for suficiente para melhorar, de certo não vai piorar. Mas atenção!!! Tudo, absolutamente tudo, teria que ser tratado com bom humor. Impossível? Utopia? Talvez até seja, mas não será propagando uma máxima (a de que rir de tudo é desespero) não só errada como "cancerígena", que vamos resolver nossos problemas. Ela só nos levará cada vez mais rápido à "metástase".

Eu percebi isso há tempos, mas tinha uma enorme dificuldade em expressar esse sentimento. A raposa d'O Pequeno Príncipe estava certa quando dizia que a linguagem é uma fonte de mal entendidos. Até que certo dia encontrei uma história sufi que explica muito do que estou querendo argumentar. 

Em resumo, três místicos chineses, irmãos, conhecidos como "os três santos risonhos", vagavam pelo mundo rindo de tudo, de absolutamente tudo que acontecia. Sempre que chegavam a uma nova vila ou aldeia as pessoas estranhavam no começo mas acabam contagiadas pelo sorriso daqueles homens e todos riam juntos. Certo dia um deles morreu e os habitantes da cidade decretaram que rir naquele momento seria um desrespeito e os outros dois irmãos do falecido não sabiam o que fazer, pois sempre aprenderam (e ensinaram) que só o sorriso, só o bom humor, deveria imperar. Como poderiam negar ao irmão morto tudo o que sempre vivenciaram juntos? Mas o poder da sociedade foi mais forte e eles cessaram com o riso. O último desejo do morto, porém, era ser cremado da forma como estava, com as roupas do momento da morte, sem nenhum tipo de tratamento ou ritual. Como era um último desejo, ainda que dissonante com os costumes locais, eles assim o fizeram. E não poderiam ter tido surpresa maior. Mal sabiam que o morto havia escondido dentro das roupas fogos de artifício. Quando foi colocado na fogueira um grande show pirotécnico aconteceu e eles entenderam a última piada feita pelo morto. Os irmãos começaram a rir e em sequência, toda a cidade. Eles perceberam que não estavam diante da morte, mas de uma nova vida.

E já que houve outras referências musicais no texto, encerro fazendo uma tradução superficial de um trecho de Imagine do John Lennon: "você pode dizer que eu sou um sonhador. E eu sou. Mas eu não estou só. Desejo que um dia você se junte a nós".

E que 2016 seja repleto de humor!

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