sábado, 28 de julho de 2018

MISTÉRIOS DE UM ECLIPSE DA LUA


Ontem foi dia (noite) de eclipse da lua. Há os que não acreditam em mistérios. Respeito! Até porque já fui cético e racionalista em demasia. Mas hoje me dou, ao menos, o benefício da dúvida. O simples fato de que pessoas no mundo inteiro pararam um pouco para receber as energias do eclipse, já é um pequeno grande mistério. Por alguns momentos, muitos deixaram de lado as preocupações mundanas, o natural egocentrismo que nos caracteriza tanto, para pensar além, vibrar energia positiva, gestar coisas boas. Ainda que seja tudo ilusão, ainda assim será real a magia da mudança do momento. Como disse a pouco: um pequeno grande mistério.

Dias atrás quando vi a primeira notícia sobre o eclipse, percebi que no dia/horário estaria em um sítio, no sertão de Alagoas, que têm aqueles céus que fazem jus à música Luar do Sertão. Pensei: terei visão privilegiada! Na manhã de ontem, soube que em Recife/Olinda chovia e o tempo era nublado, enquanto isso, onde eu estava, apenas poucas nuvens eram vistas no céu. Assim, tive certeza de estar no lugar certo. Bastava apenas esperar. Mas no meio da tarde os ventos passaram a não ser mais tão favoráveis. Na hora do eclipse, em Recife/Olinda o céu abriu e no sertão de Alagoas... nuvens escuras cobriam todo o céu. Frustração? Sim! Mas também é mágico perceber que o tempo muda, as coisas mudam, os ventos mudam. Uma hora sopram a favor; em outros momentos, contra. Aprender que não se pode ter certezas absolutas e que as situações mudam talvez seja o maior dos aprendizados e nos fazem honrar o momento presente.

Passar o dia inteiro monitorando o céu, descobrindo os pontos cardeais é bem interessante por si só. A gente aprende a observar e a respeitar a natureza, a criação, o criador e até mesmo a nós, criaturas. Mas há outras coisas legais como explicar o que é um eclipse para crianças com duas moedas e a lanterna do celular e ver, no olhar delas, aquele espanto ante o extraordinário que não temos mais depois de crescidos. Astros que se “penduram” no universo sob uma força que chamam de gravidade (mas que nem a Física sabe mesmo o que é, e como acontece), se alinhando e se projetando uns sobre os outros e nós, em nossa superficialidade, nos sentindo superiores ao mistério maior, perdendo as bênçãos da magia universal.

Por fim, mesmo diante de nuvens escuras, também é mágico se perceber feliz por saber que em algum lugar ali, naquele céu fechado havia uma lua, um mistério, um eclipse, sorrindo pra gente, entendendo enfim a sensação do aviador do livro do Antoine de Saint-Exupery sobre o sorriso do pequeno príncipe estar em algum lugar do céu imenso.

Há quem duvide do poder de um eclipse. Eu hoje me rendo ao sabor do mistério, à entrega despojada, ao sorriso de uma criança, ao improvável, ao impossível, ao extraordinário, ao superior, a Deus. Gratidão!

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

“VEM PRA CAIXA VOCÊ TAMBÉM... NÃO!”



“antigamente as coisas eram
‘preto ou branco’ ou ‘preto no branco’;
hoje, só de cinza há uns 50 tons”.

Na semana passada ouvi uma expressão que me chamou atenção. Diante da grande polarização do debate nos mais variados campos, especialmente o da política, a pessoa, sensatamente, insistia que deveríamos buscar as nossas “zonas de trégua”, sob pena de chegarmos ao final do ano em guerra com pessoas que gostamos muito. Passei o resto da noite e dos dias seguintes pensando nisso e resolvi escrever um pouco sobre isso. Mas antes, quero dar três exemplos para embasar minha linha de argumentação...

(i) Meio sem querer acabei inventando um bordão em minhas aulas que diz mais ou menos assim: “antigamente as coisas eram ‘preto ou branco’ ou ‘preto no branco’; hoje, só de cinza há uns 50 tons”. O trocadilho é uma clara referência ao título do livro que tempos atrás foi bestseller. Não li o livro, mas assisti ao filme, e numa análise mais ampla e conceitual, a ideia é de que existem inúmeras nuances para o nosso comportamento, sempre muito mais complexo do que imaginamos.

(ii) Numa simplificação grosseira da matemática, sabemos que quanto mais equações, graus, incógnitas e variáveis existem, maiores são as dificuldades para a resolução dos problemas. Quem chegou a estudar Pesquisa Operacional sabe que alguns cálculos são quase impossíveis de se resolver sem a adoção de um algoritmo conhecido como “Método Simplex”. Lembro que na graduação (de Administração) o professor, cansado de nossas piadinhas que apelidaram o método de “complex”, decidiu um dia resolver um sistema de três variáveis pelo método tradicional e precisou encher o quadro branco duas vezes para chegar à solução. “Imagina”, perguntou ele, “se fossem 4 variáveis?!”, enfatizando que a dificuldade é exponencial, ou seja, cada acréscimo afeta ainda mais o nível de dificuldade.

(iii) Um último exemplo, que envolve os dois anteriores por se tratar tanto de uma questão comportamental quanto matemática: quando você está sozinho (salvos casos patológicos de múltiplas personalidades), não existe aí nenhuma relação interpessoal; contudo, se aparece no contexto uma segunda pessoa, temos duas relações, uma de A para B e outra de B para A; inserindo uma terceira pessoa esse número de relações (variáveis) aumenta exponencialmente e passa para 13, ou seja, de A para B e (vice-versa), de B para C e (vice-versa), de C para A (e vice-versa), além de A+B para C (e vice-versa), B+C para A (e vice-versa) e C+A para B e (vice-versa), terminando ainda com a própria relação que existe na interação A+B+C. E para os mais puritanos que dirão que, por exemplo, A+B ou A+B+C já formam um grupo e que, portanto, não seriam mais relações “interPESSOAIS”, a ideia aqui é destacar aquela personalidade que surge quando A e B estão juntos, que é diferente das personalidades isoladas de A e B. Exemplo prático: o marido que é uma coisa na frente da esposa e outra na frente dos amigos. Não vou nem fazer os cálculos se no contexto surgir uma quarta, quinta, sexta pessoa... acredito que já tenha ficado claro a ideia de exponencialidade da complexidade do aumento de variáveis.

Pois bem, é razoável admitir que, em geral, o conflito tenha menor potencial quanto menor for o número de variáveis. É isso que nos faz, naturalmente, querer reduzir o maior número de incertezas em nossas vidas. Pensar em muitas coisas ao mesmo tempo pode ser bem estressante, complexo e trabalhoso. 

Na vida real, para tudo, existem luzes e sombras. Mesmo que a multiplicidade de pensamentos tenha o potencial de enriquecer nosso conhecimento (luz), a nossa sombra, o nosso lado oculto, tende a querer reduzir essa multiplicidade ao máximo para não ter o trabalho de processar tantas informações decorrentes de tantas variáveis. E é isso que nos faz, mesmo sendo óbvio que existam 50 tons ou mais de cinza, que insistamos em reduzir tudo ao preto e ao branco, ou até mesmo a uma cor só, num monocromatismo irreal, porém de fácil gerenciamento.

Sabendo dessa nossa tendência de procurar o mais simples ainda que utópico, as organizações de um modo geral, as grandes corporações e os partidos políticos, principalmente, se aproveitam disso para gastar menos “energia” e conseguir nos manipular muito mais facilmente e por um menor custo. Gerenciar poucas variáveis é sempre muito mais barato. 

Mas isso não é novidade. Maquiavel (1469-1524) já sabia disso séculos atrás e sugeria como preceito de liderança: “dividir para governar”. E pelas colocações matemáticas que fiz percebe-se que dividir em dois blocos é tanto útil para governar, quanto também é menos complexo e mais barato.

O sistema de algoritmos do Facebook, por exemplo, que faz com que vejamos cada vez mais de um assunto que nos interesse é bem eficiente mas, se oferecer alternativas demais, torna-se mais complexo, caro e de difícil administração. Desta forma, a solução é dividir o que nos é apresentado em dois grandes blocos: aquilo em que acreditamos; e algo considerado como oposto, isolando os extremos e nos fazendo acreditar que só existem o preto e o branco, relegando assim, ao nimbo virtual, os 50 tons de cinza, as diversas nuances que são nosso real comportamento, até porque, como diz Leonardo Boff, todo “ponto de vista é apenas a vista de um ponto”. Mas é “caro” demais gerenciar tantos pontos de vista.

Os partidos políticos são ainda mais engenhosos e manipulativos. Desde muito tempo já perceberam que se o povo estiver dividido sempre em dois grandes blocos, um contra o outro na linha bem convencional do “nós contra eles”, facilmente será manipulado. Percebam que até o regime de segundo turno das eleições favorece “coincidentemente” essa polarização. Será mesmo coincidência? Eles sabem que uma hora o bloco que lideram irá ganhar e em outras horas irá perder. Mas irão perder aquelas eleições especificamente e não o que lhes mais interessa: o poder. O povo, distraído na briga do lado A contra o lado B (e vice-versa), acaba não percebendo que eles estão coesos, independentes de posições partidárias, até porque o que querem não é o bem estar do povo, mesmo porque esse bem estar complica a vida deles, pois as necessidades se sofisticam e eles ou oferecem mais ou perdem poder. Nessa lógica, Maquiavel também disse: “o mal faça de uma vez; o bem faça aos poucos”. Eles, os políticos, sempre foram alunos muito aplicados dessa lição. É preciso fazer algum bem, mas criando dependências, para que o povo, ao receber “migalhas”, fique sempre na esperança do “pão”, dos “salvadores da pátria”, dos “mitos”, do “nunca antes na história desse país”. Se assistirem aos debates eleitorais com mais atenção perceberão que o discurso gira sempre em quem ofereceu mais migalhas e quem promete mais pão.

Volto agora à história das “zonas de trégua” ou daquilo que a teoria de grupos sociais chama de “elementos de identidade”. Se as corporações, redes sociais e partidos políticos insistem tanto em enfatizar as diferenças, demonizando o “outro lado”, para que sejamos mais facilmente manipulados, uma forma de, verdadeiramente, protestar contra isso tudo seria buscar no outro aquilo que nos une, aquilo que temos em comum, nem que sejam nossos medos, nossos traumas, nossas desilusões. Nada é mais forte do que um grupo coeso. Eles, os políticos, estão sempre em número menor, mas se mantêm no poder justo porque há uma unidade entre eles, apesar de teatralizarem que são diferentes entre si. 

Enquanto isso, nós estamos excluindo amizades, brigando em família, agredindo-nos uns aos outros, física ou verbalmente e, principalmente, nos forçando a caber em uma das duas caixas que eles nos oferecem. Nossa emancipação passa por manter nossa integridade, nossa personalidade, nosso pensamento, nossos valores e, apesar deles, acolher os jeitos de serem, de pensarem e de agirem dos outros. Até Jesus já dizia que não há muito mérito em amar apenas a quem nos ama. Amar é, antes de tudo, um comportamento, meu para com os outros, para com os diversos “outros” que são diferentes de mim. Se assim não for, seremos sempre peças no jogo de xadrez dos poderosos, peças (de um das duas cores) que voltam ao final sempre para uma única e mesma caixa: a dos divididos, desorganizados, e automutiláveis. 

“Vem pra caixa você também!” Está na hora de trocar o fim desse conhecido (e subliminar) slogan, por um redundante “Não!”

sábado, 29 de abril de 2017

COXINHAS E MORTADELAS: sobre a diferença entre o príncipe de Maquiavel e o príncipe de Exupéry.



Em tempos de tensão política extrema, catalisada pelo poder de alcance das redes sociais, é até normal que alguns de nós tenhamos exagerado em nossos posicionamentos ideológicos. Contudo, ser um pouco mais enérgico, vez ou outra, é típico do debate político e, desde que restrito a dados momentos, contextos e ações não violentas, é não só aceitável como libertador, afinal de contas, ninguém deveria ser obrigado a acatar, calado, opiniões diferentes da sua.

Mas o que temos visto atualmente sai da curva de normalidade da tradição do debate político. As discussões se dão a qualquer momento, em quaisquer contextos e vêm carregadas de sentimentos de ódio, e o que é pior, projetadas em direção a “amigos”, que passam a ser personificados como “inimigos”.

Analisando minha timeline no Facebook e as seções de comentários nas mídias digitais, é notório como o conteúdo das postagens mais agressivas é quase sempre direcionado aos “amigos”, ainda que em forma de ataques mais indiretos e imprecisos, até porque não temos (mesmo) coragem de olhar nos olhos da outra pessoa, sem o intermédio da desfaçatez da aparelhagem tecnológica que utilizamos como máscaras, como personas, como disfarces. Inclusive, em nosso país isso nem é um fenômeno recente a julgar por nosso hino nacional que já inicia de forma impessoal, indireta e imprecisa: “OUVIRAM do Ipiranga...”. Mas quem ouviu? – “Ouviram!”

Nicolau Maquiavel em “O Príncipe” recomenda: “dividir para governar”. A obra é uma espécie de tratado estratégico-político a ser seguido pelo príncipe (autoridades) a fim de se manter no poder e sair vitorioso das batalhas às quais o reino é submetido. A observação é um tanto quanto óbvia, até porque gerenciar um grupo coeso é infinitamente mais complexo do que liderar pessoas divididas, intoleráveis umas com as outras, parciais, partidárias, fechadas ao diálogo e ao compartilhamento de ideias.

Nossos políticos são exímios seguidores do pensamento maquiavélico. Entre eles, se arranjam de tal modo a aparentarem estar em lados opostos e nos incitam a tomarmos partidos e nos impõem o jogo do “nós contra eles”, onde o “eles”, o inimigo, é apenas aquela pessoa que pensa diferente de mim, que possui uma ideologia diversa, que acredita em aspectos que abomino etc. Infelizmente temos feito esse papel de fantoches. Não duvidem: aqueles que dizem que os do outro lado são ” massa de manobra”, não percebem o quão foram manobrados para repetir papagaiadas afirmações que, no fundo, servem apenas para manter no poder, uma classe política suja, corrupta, desonesta, teatralizada e que se borra de medo de ser pega com calças curtas.

Os protestos de 2013 foram um lampejo do que pode acontecer quando dentro do “nós contra eles”, o “eles” é a própria classe de governantes que temos, os quais se apressaram em desacreditar o movimento que clamava: “sem partido!”. Eles sabem que quando as pessoas não tomam partido, na verdade elas podem estar simplesmente querendo dizer que estão fartas de serem partidas, espedaçadas, compartimentadas em caixinhas básicas dispostas à direita ou à esquerda e utilizadas por grupos político-partidários para se manterem e/ou se perpetuarem no poder. 

Tais estratégias de descrédito dos movimentos de 2013 foram centradas na destruição da imagem e da reputação dos manifestantes, acusando-os de serem superficiais, acéfalos, apolíticos, alienados e, sobretudo, “massa de manobra”. Como bons discípulos de Maquiavel, nossos políticos agiram rápido para abafar o fenômeno que havia “acordado o gigante”. Deram-lhe doses cavalares de calmantes ideológicos, mas esqueceram que todo anestésico, por mais eficaz que seja, demora um pouco para fazer efeito e assim, levados pelo calor do momento e pela pressa em oferecer alguma resposta ao enfurecido gigante, acabaram aprovando uma série de medidas anticorrupção, que foi justamente o que permitiu que surgissem investigações mais autônomas, onde a mais famosa delas tem sido a Operação Lava-Jato que, não obstante algumas disfunções,  tem derrubado um poderoso e sedimentado castelo de cartas políticas.

Minha esperança particular reside no conteúdo do pensamento de Einstein que defende que “uma mente que se expande, nunca mais retorna ao seu tamanho anterior”. Mesmo que o gigante tenha sido dopado, derrubado e amarrado, está na memória que, um dia, ele já se levantou, que um dia, o povo já se rebelou contra ser partido, fracionado, picado, esmigalhado. 

Mas não dá pra tirar o mérito da maligna competência de nossos governantes. Eles são bons em se manterem no poder e em nos manter dominados. Simplesmente aproveitaram a energia que diariamente é gasta nas redes sociais e nos dividiram ainda mais, polarizando toda e qualquer discussão política, ainda que esteja claro que as saídas polarizadas são as piores possíveis. Nos fizeram crer na dicotomia do contra ou a favor e nos separaram em rebanhos agressivos e passamos a nos hostilizar entre nós mesmos, desviando assim o foco dos verdadeiros lobos em pele de cordeiro que agem sorrateiramente nos eliminando. 

Fomos separados em “coxinhas” e “mortadelas”. Curiosamente iguarias que apresentam uma aparência por fora diferente da aparência interna onde são recheadas com uma mistura. Ideias misturadas, desfiadas, trituradas, condimentadas para disfarçar ou realçar sabores e saberes. Alimentados, por uma ou por outra iguaria, não sentimos a fome do vazio interior que nos assola por termos sido separados. Como cereja do bolo, transformaram cada recheio em ojeriza aos amantes do recheio concorrente. Impediram que um lado provasse a “ração” do outro lado. Fizeram-nos acreditar na verdade única e na certeza de que dela somos detentores. E assim em pouco tempo estávamos novamente amansados, nos distraindo uns com os outros e não atentos às ações em que eles se empenham para continuar nos bastidores do poder, com suas pérfidas e improváveis alianças, com suas negociatas e estratagemas de alto grau de sofisticação e, sobretudo, com a encenação de que representam, cada um, um lado diferente da moeda, uma visão alternativa do modelo, um luz no fim de um túnel sem saída. 

Mas o “melhor” parece ter sido guardado para o “grand finale”. Não bastasse terem nos dividido e enfraquecido, investiram pesado para nos tornarem inimigos. Elevaram à enésima potência o conselho de Maquiavel empregando-o de forma literal inclusive, e passaram a assistir nos digladiarmos entre nós. Assim, não correm o risco de que ouçamos o que o outro nos tem a dizer, não deixam que a curiosidade pelo saber o sabor do outro recheio ideológico acentue nossa fome de querer mais, não nos permitem sermos plenos, senhores de si, abertos às novidades e disponíveis ao diálogo construtivo que certamente nos levaria, como já levou em algum momento, a nos perceber como integrantes de um mesmo barco que afunda a poucos metros da ilha onde descansam à beira-mar aqueles que dizem nos representar.

Como cura coletiva, apelo a um outro príncipe, um bem pequeno em estatura, mas de grande porte real e que nos foi dado como presente pelo Antoine de Saint-Exupéry. O pequeno príncipe sai de seu isolamento, de seu pequeno planeta, em busca de amigos e encontra nas sábias palavras da raposa que o essencial é invisível aos olhos, que somos corresponsáveis pelo mundo que construímos e que é necessário relembrar a importância de criar laços, de nos aproximarmos cada dia um pouco mais, de tornar o outro importante pelo tempo que gastamos com ele e não contra ele. 

Que tal trocarmos o amigo deletado de nossa rede de contatos, que apenas pensa diferente da gente, pelo político que não será reeleito nas próximas eleições?

Que tal renunciar à agressão verbal ao outro e dirigirmos nossos protestos às câmaras e assembleias legislativas Brasil a fora?

Que tal olharmos com carinho para os que pensam diferente, por mais difícil que seja, e buscar aqueles pontos em comum que todos temos?

Que tal sair das antiquadas caixinhas, dos recheios únicos e das certezas absolutas?

Que tal respeitar o direito de fala, de argumento e de exposição do pensamento do diferente?

Que tal???

quarta-feira, 19 de abril de 2017

NOS OLHOS DOS OUTROS É REFRESCO...



Em meio às notícias diárias que têm por mote os casos de corrupção na política brasileira, me causou espanto mesmo foi o caso do zagueiro Rodrigo Caio, jogador do São Paulo, nas semifinais do campeonato paulista.  O cara simplesmente foi honesto e admitiu para o juiz da partida que quem pisou no goleiro durante um lance foi ele próprio e não o jogador do outro time que recebeu, inclusive, inicial e injustamente, cartão amarelo.

Ser honesto deveria ser padrão e já seria de se estranhar tentar exaltar o fato como quis fazer parte da imprensa, afinal de contas essa publicidade em torno do fair play só mostra que vivemos numa sociedade decadente que precisa de bons exemplos para se modificar. Mas não há nada ruim que não possa piorar. Alguns diretores do time, parte da comissão técnica, certos jogadores da equipe e parte considerável da torcida têm feito exatamente o contrário: estão execrando o jogador e usam como argumento a frágil falácia de que os adversários não fariam o mesmo se fosse o inverso. 

Estamos mesmo mal nisso que chamam de comportamento cidadão. Preferimos a mentira, desde que beneficie nossa “equipe”, nosso partido, nossa ideologia. Por outro lado, execramos e condenamos a verdade que surge de nosso meio, se ela expõe nossas fraquezas, nossas artimanhas, nossas corrupções. Se houver alguma condenação, dizemos, que seja pelos “juízes” da vida e se pudermos desmoralizar a decisão do juiz, faremos também.

Inclusive isso me fez lembrar outro lance de futebol desse mesmo fim de semana. No jogo Sport X Náutico pelas semifinais do campeonato pernambucano, o time alvirrubro fez um gol legítimo, o goleiro do time adversário em nenhum momento foi tocado pelo jogador que fez o gol e o juiz anulou o tento porque, supostamente, viu falta no goleiro. As câmeras mostraram que não houve falta e obviamente o goleiro da equipe rubro-negra viu que não foi tocado. O que ele fez? Se dirigiu ao árbitro para corrigir o equívoco? Não! Simplesmente, tal qual Pilatos, lavou as mãos e continuou o jogo. E a torcida do time prejudicado? Reclamou do goleiro? Não! Reclamou do juiz! Chamou o juiz de ladrão e a sua mãe foi, muito certamente, difamada sem o menor peso na consciência por parte de seus detratores. Talvez o juiz simplesmente não tenha visto o lance, algo que é uma exigência de sua profissão, mas que é passível de falha humana,  mas pior é quem estava no lance e simplesmente se cala, mente e se torna cúmplice voluntariamente. Mas a julgar pelo caso do zagueiro são-paulino talvez seja mesmo o comportamento menos perigoso, apesar de antiético.

Há uma frase que acredito ser do Gandhi, onde ele conclui que “olho por olho... e acabaremos cegos”. Não “acabaremos”, já estamos cegos. Deixamos, por vontade própria de enxergar a verdade e preferimos nos apegar às mentiras contadas por nossos jogadores, amigos, políticos, chefes, professores..., porque são “nossos”.  Parece que, há muito, esquecemos do ditado que diz: “não é pra quem se faz, mas de quem se faz”. Adotamos o “amigo meu, não tem defeitos; inimigo,se não tiver eu arranjo”. Depois ninguém sabe o porquê vivemos em um período de trevas. Como é difícil ser coerente hoje em dia... pimenta nos olhos dos outros é sempre refrescante!