domingo, 29 de julho de 2012

ABRAÇO

Algumas coisas só são compreendidas tempos depois...

Anos atrás minha mãe trouxe de uma reunião da igreja uma mensagem sobre o valor do abraço e fez questão de nos mostrar, a mim e a meus irmãos, pois era uma mensagem bonita. O engraçado é que ela própria nunca foi dada a abraços, razão talvez pela qual eu sempre tenha tido dificuldade com tais gestos. Confesso que não me empolguei muito com a mensagem, achei até um pouco piegas, mas ela estava tão empolgada que eu, como bom filho, concordei com a "beleza" da mensagem. (Para ler essa mensagem, clique AQUI)

O tempo passou e um abraço me trouxe essa mensagem à memória. Memória essa que me causou um susto dois  dias atrás quando estava dirigindo e por cerca de um minuto, talvez um pouco mais, fiquei sem saber em que rua estava e de onde estava vindo, mesmo sendo um caminho bem conhecido. Acho que é normal de vez em quando ter esses "apagões", mas é uma sensação bem estranha e refletindo sobre o fato, uma certa aflição recaiu sobre mim e um medo antigo, o de esquecer de momentos importantes da vida, ressurgiu com força. E um desses momentos foi justo o abraço que trouxe a mensagem de minha mãe de volta do passado.

Ao lembrar desse abraço, percebi que a mensagem fazia sentido e entendi enfim o por quê da alegria de minha mãe quando a mostrou pra nós. Naquele momento eu ainda não entendia quão precioso pode ser um abraço. É, algumas coisas só são compreendidas tempos depois...

Deus, que minha memória não me deixe esquecer daquele abraço!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

POR QUE EXISTE A GESTÃO DE PESSOAS? (Sobre Feitores e Mentores)

Por esses dias escutei a pergunta que dá título a essa postagem. Na verdade, a pergunta saiu mais como um desabafo do que mesmo como um questionamento e embora tenha sido dita em contexto bem específico, ela ficou na minha cabeça, dando voltas como só as boas perguntas sabem fazer. Não, não vou aqui apontar respostas, conclusões, definições ou qualquer coisa parecida. Certamente não fará diferença alguma o que pretendo escrever, pois é apenas uma fotografia das elucubrações que minha mente fez ao ser submetida à roda viva de tão intrigante pergunta, catalisada pela própria liberdade de pensamento que me permiti dar, usando a questão apenas como um mote para raciocinar (ou racionalizar, dirão talvez os psicólogos). 

Lembro agora de saudoso professor que para "alfinetar" os adeptos, como eu, das abordagens mais comportamentais da administração, em uma de suas aulas nos disse que o primeiro gestor de pessoas que se tem registro histórico no Brasil foi o feitor de escravos. E não é que foi mesmo! Se foi uma "alfinetada", foi brilhante como o era também o professor. O fato é que a gestão de pessoas existe porque existem pessoas. Pode-se ser um gestor de pessoas bom ou deficiente, humano ou impessoal, companheiro ou tirano, servidor ou sádico, tolerante ou intransigente, mas se alguém lida de alguma forma com pessoas, seja no trabalho, em casa, na rua ou na mesa do bar, a pessoa é, quer goste ou não, um gestor de pessoas, cabendo-lhe apenas optar por qual tipo de gestor de pessoas lhe parece mais adequado, lhe cai melhor, lhe revela sua essência, seus princípios, suas ações: se um gestor de pessoas "feitor"; ou um gestor de pessoas "mentor". Ah, e por favor não me venham taxar-me de radical ou, pior ainda, me acusar de categorizar sem base científica tais polos. Se não ficou perceptível no primeiro momento, essa é uma dicotomia poética. Vale mais pelo efeito da rima (feitor/mentor) do que propriamente pela "cientificidade" da intransigente taxonomia que adora colocar tudo em "caixinhas" bem arrumadas. 

Nietzsche dizia que ninguém tira de um livro mais do que tem dentro de si. Concordo e amplio o pensamento, se assim me permitem, defendendo que ninguém, ao lidar com o outro, age diferente daquilo que tem dentro de si. Podemos até não gostar do "eu" que descobrimos nessas horas, mas ainda assim será o "eu". 

Durante muito tempo a conversa de valorizar as pessoas nas organizações  foi apenas um discurso bonito de manipulação. Ainda hoje há muito (muito mesmo!) disso, mas não mais "apenas" disso. Olhando a história em perspectiva, percebemos que no modelo agrícola-feudal detinha o poder quem possuía a "terra"; no modelo mercantil-industrial o poder estava com o detentor do capital; mas no modelo informacional para o qual estamos caminhando a passos largos, o que importa não é tanto o capital, nem muito menos a "terra", mas o conhecimento. Obviamente que ter "terra" e capital ajudam, mas não determinam necessariamente quem terá acesso ao conhecimento. Pela primeira vez na história da humanidade o poder está nas mãos dos trabalhadores (que possuem conhecimento) e numa sociedade que a cada dia estabelece mais seu funcionamento sobre essa base informacional, escolher agir como feitor é não só cada vez mais obseleto como também pouco inteligente. E não adianta querer fingir ser mentor, pois na era da metáfora da informação que ocupa aos poucos a metáfora da máquina, não há nada mais valioso do que a autenticidade. Do mesmo jeito que informação falsa é informação sem utilidade, um gestor não autêntico é sério candidato a servir de deboche, como acontece com a personagem do Steve Carell no seriado The Office, um chefe que "se acha" mas que não é  levado a sério por ninguém.

Jesus voltando hoje à terra talvez atualizasse suas bem aventuranças para algo do tipo: bem aventurados os que se sensibilizam, os que se emocionam, os que são autênticos, os que percebem (realmente) que do outro lado da mesa do escritório, que na caixinha de baixo do organograma, que na carteira escolar a sua frente, que na maca funcionalmente disposta nos ambulatórios, que no aconchego dos lares ou que nos sites de relacionamento, não estão apenas empregados, subordinados, alunos, pacientes, filhos ou amigos, mas sim pessoas, seres humanos, sensíveis, complexos, contraditórios, maravilhosos, enfim, gente! 

Fui testemunha ontem de uma belíssima ação de mentoria para com pessoas com quem a vida não tem sido muito fácil, pessoas simples, mas muito humanas, demasiadamente humanas como diria novamente o Nietzsche. Da mesma forma que, como diz um provérbio de um local que não lembro qual, quem realiza seu trabalho como máquina torna seu agir como máquina, quem faz seu trabalho de forma humana torna a (nossa) vida mais humana. Que bom que existem pessoas assim no mundo, bem aventuradas, bem aventureiras! 

quinta-feira, 19 de julho de 2012

CONTOS DA LUA #1: Luiz e Maria (julho, 2012)


A série sobre "Contos da Lua" foi idealizada na postagem "Mundo da Lua" e comentada em outras postagens (clique AQUI para lê-las) que têm, neste blog, a palavra "lua" como tag. Na última dessas postagens, "Sobreviver (um preâmbulo aos contos da lua)", prometi que a cada nova lua cheia, poria no ar um novo conto da lua, exceto o primeiro desses contos, agendado para o meio desse mês, mesmo sem ser lua cheia, porque remonta a uma data especial acontecida há quase 40 anos, data, à época, que ocorreu sob lua cheia. A data era 14 de julho, porém, por uns compromissos assumidos de última hora, só hoje estou conseguindo pôr no ar o primeiro conto da lua: a história de um casal que durante anos sonhou um com o outro tendo a lua como elemento de ligação, que se conheceram há pouco mais de 40 anos, começando a namorar em seguida, e que num 14 de julho, dia da queda da Bastilha, marco da Revolução Francesa, há 39 anos, ficaram noivos, vindo a casar pouco mais de 2 anos depois. Esse conto é a versão da lua para o amor de Luiz e Maria, meus pais.

Ele nasceu no interior de Alagoas. Ela no interior de Pernambuco. A cidade dele protegida por Santana, mãe de Maria. A dela, protegida por São José, esposo de Maria. Santana do Ipanema e Bezerros, os nomes da cidade. Mas não nasceram no centro, nasceram na área rural. Ele num povoado chamado Queimadas do Rio e ela num lugarejo chamado Beira do Rio. O rio dele era o Ipanema, o dela o Ipojuca, ambas palavras indígenas que significam "água sem peixes" e "água escura", respectivamente. Ambos nasceram sob luas cheias. Ele nasceu no dia de São João. Ela no dia do professor. Coincidentemente os três filhos deles seriam mais tarde professores.

Ele, a noite, olhava para a lua e desejava ir para um lugar maior onde pudesse trabalhar no que gostasse e não no roçado. Ela, a noite, olhava para a lua e desejava ir para um lugar maior onde pudesse estudar. Ele sempre foi muito traquina. Ela sempre muito esperta. Ele muito sorridente. Ela muito séria. Ela veio primeiro para o Recife, na verdade Jaboatão, bairro de Cavaleiro. Ele veio depois para o Recife, na verdade Olinda, bairro de Ouro Preto. Ela foi morar com os avós paternos. Ele com os tios. Acabaram se encontrando, agora sim, em Recife, na mesma rua, Direita, centro da cidade, trabalhando em lojas quase de frente uma para a outra. Ele insiste até hoje que era ela que olhava para ele. Ela jura que era o contrário. O que ninguém explica é como um sabia que o outro olhava. A lua acabou o mistério, eles olhavam, disse-me ela, alternadamente, um para o outro, talvez por isso explique-se o fato de que minha cena de cinema favorita seja a de um casal fazendo coisa parecida (para ver a cena no youtube, clique AQUI).  O poder do olhar...

Um dia, final de tarde, começo da noite, ela larga do trabalho para ir à escola. No meio do caminho uma chuva, uma chuva no meio do caminho. Ela se protege debaixo da marquise de uma loja. Ele havia saído antes, mas a chuva o pegou também no caminho e lembrou-lhe do guarda-chuva esquecido. Voltou para buscar. Enquanto voltava a encontrou. Disse-lhe para esperar que ele estava indo buscar o guarda-chuva e lhe daria uma "carona". Ela esperou. Ele a levou à parada. Ele pegou o mesmo ônibus que ela, que ia para o lado oposto de onde ele morava. Iria fazer companhia a ela até o colégio. Bem, nesse dia ela não assistiu aula. De modo irônico, pode-se dizer que três professores vieram ao mundo porque a mãe deles, uma vez na vida, resolveu matar aula, tentada que foi pelo simpático pai deles que tinha uma conversa eloquente e cativante. A lua que testemunhou aquela primeira conversa e o início daquele namoro era crescente, tão crescente quanto o amor deles se mostraria ao longo dos mais de 40 anos que se seguem desde então.

Nem tudo foi tão perfeito. Brigaram por motivo que mereceria uma crônica só sobre isso (quem sabe um dia) e o afastamento deles foi doído demais um para o outro, e doído para a lua que não mais via junto o casal que ela um dia viu nascer, crescer, sonhar, lutar, se encontrar e se apaixonar. A reconciliação ocorreu quando o avô dela adoeceu e ele foi ao hospital fazer uma visita. Ela o acompanhou quando saia e descendo pelas escadas, olhando um para o outro, ele a pegou em seus braços e a beijou. Ambos sentiam muita falta um do outro. Será mais uma coincidência que a segunda cena de cinema que eu mais gosto (cena com o mesmo casal mas num segundo filme, que é uma continuação do primeiro) seja justo numa escada? (Não encontrei a cena completa no youtube, mas AQUI há um link para o thriller do filme e em 1'38", mais ou menos, dá para ver um curto trecho da cena).  Como a reconciliação aconteceu na escada, a lua não viu o beijo, mas deu seu testemunho de que a luz havia voltado ao olhar daqueles dois jovens, luz que refletia a luz da lua que refletia a luz do sol, reflexos de um amor sem tamanho.

Mas a prova definitiva ainda estava por vir. Pouco tempo depois do noivado naquele 14 de julho, ele foi transferido para Salvador, onde passou cerca de um ano. Numa época onde telefones fixos eram raros e caros, onde celulares com ligações mesmo que limitadas não existiam, mensagens de sms não eram nem mesmo sonho e e-mails só em ficção científica, aquele amor se sustentou a base de cartas que demoravam alguns dias para chegar ao seu destino. E foram centenas de cartas que os filhos se divertiram muito lendo, anos depois, quando foram reunidas em vários blocos. Riam daquelas cartas tão sensivelmente ridículas, pois como disse Fernando Pessoa, "todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas". Só quem ama entende o que dizia aquelas cartas ridículas, narrando pequenas coisas do cotidiano e a saudade que aplacava aqueles dois corações separados por mais de 800km. A lua foi de extrema importância nesse momento. Eles mandavam recados um para o outro através dela. E quantas vezes, ao olharem ao mesmo tempo para a lua, pelo seu reflexo, se viam e se amavam ainda mais.

E eles se casaram em noite de lua cheia. E em noites de lua crescente, uma em dezembro de 1976, outra em fevereiro de 1978 e a última em fevereiro de 1982, a família cresceu. E cresceu o número de histórias que a lua poderia contar sobre o amor daqueles dois. Vou contar uma das mais recentes. Ela foi diagnosticada meses atrás com uma doença muito séria que careceria de uma complexa cirurgia no cérebro e de um tratamento posterior. No hospital ele fez questão de ficar a maior parte do tempo possível com ela. Ele que sempre sorria chorou várias vezes, mesmo tentando ser forte na frente dos filhos. A lua testemunhou a conversa das enfermeiras que se admiraram de como eles se amavam, de como ele a beijava sempre e com muito carinho, mesmo depois de tantos anos casados. No dia da cirurgia que durou quase 10 horas ele não arredou o pé do hospital. Eu estava ao lado dele praticamente todo o tempo e dava pra entender o que o Nando Reis quer dizer quando canta "...pra você guardei o amor que aprendi vendo os meus pais..." 

Minha fé de filho ainda é pouca, admito, mas a fé que surge do amor salva e cura, e embora ainda em tratamento, o fato dela ter saído da cirurgia sem sequelas e estar se recuperando a cada dia, mostra que a cura diária acontece mesmo pelo amor, disso não tenho mais dúvidas.

Minha oração é para que Deus continue a abençoar esse amor tão antigo para que a lua possa me contar feliz, novas histórias sobre eles, mesmo que elas não venham parar aqui neste blog, até porque a lua quer que eu conte outras tantas histórias que ela testemunhou em suas mais diversas fases. Assim, até a próxima lua cheia!

sábado, 7 de julho de 2012

CUIDAR


Ao contrário de minha postagem anterior, mais impulsiva, esse texto está mais condizente com o espírito do blog pois vem de longa data a vontade de escrever sobre o assunto. Falar de doença nunca é fácil, talvez por isso a dúvida sobre conseguir ou não falar sobre. Bem, talvez uma doença, digamos, mais física fosse um pouco mais fácil, mas uma doença de fundo psicológico carrega sempre uma certa dose de preconceito, como se pegar uma gripe fosse aceitável, mas ter depressão, não. Confesso que o preconceito primeiro e maior foi mesmo meu, em relação a mim mesmo, embora não seja fácil para as pessoas encarar esse tipo de doença, pois não somos ensinados a lidar com isso. Talvez por essa razão também, para poupar as pessoas do constrangimento de não saber o que dizer, que acabei contando para um número muito reduzido de pessoas e mesmo nessa pequena amostra deu pra sentir como é difícil lidar com alguém assim. A quem ler essa postagem peço, se possível, que não se preocupe em falar algo da próxima vez que nos encontrarmos, apesar de tudo, continuo sendo o mesmo de sempre, ou talvez não, mas o importante é que é algo que faz parte da vida e da natureza humana, mais comum do que podemos supor, por isso, relaxa (risos). Eu tenho ouvido tantos desabafos de pessoas que passam por problemas semelhantes e que me pedem conselhos, que não estive sendo honesto em não contá-las que o que me faz entender tão bem e ter uma afinidade fora do comum, como me disseram outro dia, com pessoas que passam por tais dificuldades, é justo por experimentar em mim mesmo, tudo aquilo que me contam reservadamente.

Há pouco mais de um ano atrás recebi o diagnóstico da depressão. Embora vários indícios e fatos anteriores (alguns bem anteriores) já indicassem isso, os sintomas e sentimentos à época não deixaram dúvidas. Meu médico então, me sugeriu fortemente procurar um terapeuta, indicando até um nome. Confesso que saí do consultório abatido, embora nada surpreso, pois era algo já evidente, mas ouvir o diagnóstico não foi fácil. Fiquei com o nome e o telefone da terapeuta por vários dias, pensando se ligaria ou não. Decidi procurar no google qualquer coisa que me falasse sobre a profissional, mas é evidente que as reservas do processo terapêutico não estariam assim expostas na Internet e sim, nem tudo está na rede. Por coincidência (ou seria melhor dizer sincronicidade?), quando desisti de saber algo mais sobre a terapeuta, ao entrar no facebook, me deparei com um convite para participar de um grupo de arteterapia que começaria em poucos dias, com apenas 10 vagas disponíveis. Não sabia realmente do que se tratava, mas tomado por um impulso pouco comum a mim nesses assuntos, de imediato enviei um e-mail pedindo mais informações. Fui respondido rapidamente pelo facilitador e acabei confirmando minha inscrição no grupo.

De certa forma a razão pela qual estou escrevendo agora é porque neste dia de hoje, 07 de julho (7 de 7, e o 7 é um número que merece uma postagem só para ele), faz um ano do primeiro encontro do grupo. Fui apenas para ver como era, dizia para mim mesmo. Acabei indo, a partir daquele dia, até o final do ano, todas as quintas-feiras à noite para o encontro. E se alguém ouviu de mim qualquer justificativa para não ir a algum compromisso na quinta à noite, tal como "grupo de estudo", "preparação de seminário para o dia seguinte no doutorado" ou outra explicação esfarrapada qualquer, peço que me desculpe. Não fiz por mal. Éramos 10 no primeiro encontro; 5 no último. Mas não éramos certamente, os mesmos 5 daquele grupo de 10 do primeiro dia. Muito em nós começou a mudar ali e continua até hoje...

Nesse primeiro dia, de posse do endereço, terceiro andar de um prédio do Recife Antigo, chego num bar onde ninguém sabe de nada. Dou voltas em torno do local e já pensando em desistir resolvi fazer uma última tentativa ligando para o facilitador e depois dele me atender dando o bar como ponto de referência, que era em frente ao prédio correto, entendi que, por uma dessas loucuras de quem determina os endereços, a rua tinha a mesma numeração tanto do lado esquerdo quanto do direito. Descobrindo enfim o local, subi até o terceiro e último andar do prédio em uma escada que rangia mais do que em filmes de terror. O aspecto sombrio do prédio antigo também não ajudava muito, mas incrivelmente eu subi com muita confiança e só mais tarde, quando o facilitador evocou a possibilidade de que alguns de nós talvez tivesse ficado ressabiado com a escada e a aparência do prédio, foi que eu percebi que deveria ter me sentido assim, mas não fiquei. Durante o encontro e em outros tantos mais, certamente como um mecanismo de defesa, procurei me abstrair da situação como se eu estivesse ali para observar e ajudar os outros e talvez aprender algo que me ajudasse em sala de aula, sem reconhecer que eu precisava de ajuda. Isso foi mudando aos poucos e talvez até hoje não tenha mudado completamente, mas mudei muito minha postura ao longo das semanas.

Não vou falar das pessoas do grupo e nem do que lá acontecia, até porque o processo terapêutico é reservado, mas posso dizer que me impressionou muito como cada atividade artística que realizamos contava mais um pouquinho de cada um de nós e até de mim que sempre fui muito reservado para a maioria dos assuntos. O tema escolhido pelo facilitador para o grupo é o mesmo que dá o título dessa postagem, "cuidar", e isso sincronicamente tinha muito a ver com o que me levou até lá. Era preciso sim cuidar dos outros, mas sobretudo, cuidar de si próprio. A lição é tão difícil de aprender que ainda hoje incorro nos mesmos erros, mas ao menos reconhecer-se errado ou talvez limitado seja o princípio da mudança. Assim espero, pois os encontros acabaram enquanto entidades físicas, concretas, objetivas, reais, mas continuam enquanto momentos que passam a fazer parte da vida da gente. Dá para entender melhor o que a raposa disse ao pequeno príncipe no livro do Exupéry de que tudo valeu a pena pelos "campos de trigo". Na passagem o príncipe se despede da raposa que, na sequência, diz que vai chorar, mas que valeu a pena toda a amizade, porque sempre que ela olhasse os campos dourados de trigo lembraria dos cabelos dourados no pequeno príncipe. Assim, não são com os mesmos olhos que hoje vejo tintas, lápis, cartas de tarô, máscaras, músicas, papéis, recortes... tudo valeu a pena, muito a pena, tudo foi, é, e sempre será muito "ok".  E por falar em olhos, talvez tenha sido o principal elemento que me "perseguiu" durante aqueles meses... como foi difícil olhar nos olhos, falar sobre o olhar, ouvir falar sobre não olhar e como foi bom aprender a "olhar nos olhos", a enxergar com os olhos da alma, enfim com os dois olhos e não apenas um, como nuns bonecos japoneses que também fizeram parte dessa história.

Hoje, passado exatamente um ano, bate aquela sensação de não ter conseguido avançar. Sei que meus amigos de jornada no grupo arteterapêutico também de vez em quando pensam assim. Mas da mesma forma que não se atravessa o mesmo rio duas vezes, porque nem o rio e nem nós somos os mesmos, ao menos estamos diferentes, mais felizes quem sabe, mas com certeza mais fortes e mais preparados para enfrentar os nossos próprios medos, anseios, dúvidas... A vida tem seus altos e baixos como nas montanhas-russas, mas isso é quase mais um detalhe. Que esta mensagem nos ajude a cuidar mais, dos outros e de nós mesmos. Sempre!

sexta-feira, 6 de julho de 2012

LIÇÕES DA MADRUGADA


Essa não é uma postagem característica desse blog, onde as ideias são trabalhadas aos poucos até se amarrarem em um texto que reflita um pouco daquilo que penso. Essa postagem é mais impulsiva, por isso que não se espere dela nenhuma amarração mais elaborada ou mesmo mais sofisticada.

Mais uma dessas noites de insônia, sem a leveza característica de tempos de outrora, e zapeando pelos canais da TV para me distrair de alguma forma, resolvo assistir as entrevistas do Programa do Jô e dentre elas a entrevista que me fez vir aqui querer escrever algo ainda que sem noção de exatamente o que.

A segunda entrevistada foi a Eliana Zagui, escritora e pintora. Contudo o mais inusitado é que Eliana, vítima na infância de poliomielite, tem o corpo inteiro paralisado exceto por alguns músculos do rosto que a permitem através de técnicas específicas pintar, escrever, usar notebook e celulares. Eliana tem dificuldades para respirar e o mais impressionante é que mora desde os dois anos de idade no Hospital das Clínicas (creio que do Rio de Janeiro). Hoje ela tem 40 anos. Ou seja, quando eu nasci ela já morava há pouco mais de dois anos num hospital.

Fiquei pensando, no início da entrevista, quão angustiante deveria ser a vida dessa mulher, até porque, não ter movimentos como ela, sempre foi um de meus grandes pesadelos, e acabei percebendo que eu, com todos os movimentos, talvez me angustie mais do que ela pois acabo não valorizando as pequenas coisas do dia-a-dia, como por exemplo, poder estar aqui no notebook digitando esse texto, partilhando esse momento.

Pensando nessas pequenas coisas, pensei como é uma experiência ímpar, de completude, saborear determinados gostos, sentir certas texturas, olhar fotografias de alguém especial, sentir um cheiro que não se esquece nunca, ouvir uma voz que mexe com nossas emoções. E ficamos nós preocupados com tantas coisas sem importância, catalisando nossos problemas de modo a nos tornarmos reféns de situações criadas por nós mesmos, presos ao ontem e ao amanhã, esquecendo de viver o hoje, de pensar o presente, de valorizar a alegria de estar vivo e a certeza de saber que existem pessoas a quem amamos e que nada que aconteça pode mudar esse sentimento, pois quando é amor, é para sempre.

Obrigado Eliana, obrigado por me mostrar de forma prática, dura e direta que felicidade é apenas uma questão de ser. Eliana é feliz. Eu quero ser feliz como ela é. Boa noite! Hora de deixar a insônia de lado, rezar (muito) e dormir. Amanhã é um novo dia e isso não é retórico, é realidade.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

SOBREVIVER (um preâmbulo aos contos da lua)

Terminei minha última postagem citando passagens da música "Tocando em Frente", do Renato Teixeira e do Almir Sater. Retomando-a, se não me sinto mais feliz (ou até me sinta, quem sabe), certamente "hoje me sinto mais forte". Considerando que há um ano atrás, nesses mesmos primeiros dias de julho, cheguei a achar que não havia luz ao final do túnel, embora ainda me considere perdido na escuridão desse mesmo túnel da vida, aprendi que a luz não precisa estar apenas no fim, mas no próprio caminho, luz emitida por pessoas que passam e pelas que são companheiras de jornada. Bem aventuradas porém são aquelas pessoas que nos ensinam a enxergar nossa própria luz, que nos encontram com menos de dez por cento de nosso potencial e nos ajudam a multiplicar essa força interior que a psicologia chama de anima. Uma vez que a tenhamos encontrado, que tenhamos percebido que a fonte geradora dessa luz está dentro de nós mesmos, não há como se esquecer disso mesmo diante de uma aparente escuridão, pois "cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz".

Antes, fazia distinção entre "viver" e "sobreviver", como se o segundo fosse necessariamente negativo. Pode ser que sim, mas também pode ser que não. Maslow em sua teoria da hierarquia das necessidades para explicar a motivação, já mencionava que é preciso suprir as necessidades mais básicas antes de aspirar necessidades mais elevadas. Embora isso não seja um caminho único, certamente é um caminho lógico ou ao menos um caminho possível. Antes de desejar sonhos maiores, antes de almejar viver intensamente, pode ser preciso sobreviver. Sobreviver às adversidades, sobreviver às próprias limitações, sobreviver à escuridão. Pois são as adversidades que nos ensinam a viver a intensidade. São as limitações que nos ensinam a viver todo nosso potencial. E como diria outra música, "não haveria luz se não fosse a escuridão".

Assim, hoje voltei a fazer yoga, aprendendo a me manter firme mesmo nas posturas mais desconfortáveis, a respirar lenta e profundamente, e a relaxar ante toda a tensão do mundo. Resolvi tornar a buscar a sincronicidade e pouco antes da sessão da yoga, folheei uma revista onde três matérias em sequência falavam, "coincidentemente", de três aspectos de minha vida que eu já havia notado que precisava mudar: aprender a dizer não, ter um pouco mais de autodisciplina e melhorar minha alimentação. Se minha vida fosse um "Show de Truman" as câmeras teriam captado em close a minha cara estupefata diante desta sincronicidade pessoal. Pode ser até que não diga nada para a grande maioria das pessoas, mas disse muito, em alto e bom tom, para mim. Isso foi antes da yoga. Depois, enquanto dirigia para casa, me deparei com ela olhando intensamente para mim. Sim, ela, a lua. Estava cheia e bela como sempre, com seu olhar de pesquisadora, um tanto quanto distante, mas era ela ainda, a mesma que me contou tantas histórias e que me prometeu contar tantas outras e que me comprometi a escrever sobre elas aqui (para quem não entendeu essa última referência, sugiro dar uma lida na postagem No Mundo da Lua).

A lua me disse então, que está na hora de colocar em texto algumas das histórias que ela me contou, nem tanto porque as histórias precisam ser contadas, mas porque eu preciso contar histórias e me pediu que eu fosse disciplinado ao fazer isso. De modo que a prometi que a cada lua cheia eu escreveria sobre um novo "conto da lua". Contudo, uma exceção para a primeira das histórias, pois é uma história especial e será postada aqui somente no meio do mês, para comemorar o aniversário de uma data de muitas décadas atrás. Naquela data, era lua cheia! Então o conto da lua cheia desse mês de julho será um conto de lua cheia de décadas atrás. Nos meses seguintes, se minha autodisciplina planejada funcionar, a cada nova lua cheia postarei um novo conto da lua, histórias de pessoas que a lua acompanhava, por vezes antes mesmo dessas pessoas se conhecerem.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

ORAÇÃO


Há dias em que apenas a oração é capaz de ajudar a preencher nossos espaços vazios. Me sentia assim ontem, tanto que fugi de boa parte de uma festa de aniversário para ir a uma missa próxima do local da festa. Minha esperança estava em escutar o que Deus tinha para me falar pois aprendi com o tempo a confiar nas leituras programadas para cada dia. Chegando lá me lembrei que, quando a festa dos santos Pedro e Paulo acontece no meio da semana, a transferem para o domingo mais próximo. Assim, as leituras de ontem foram as da festa dos santos considerados "colunas" da Igreja e não as do 13º domingo do tempo comum. Por um lado foi bom ouvir uma de minhas leituras preferidas, aquela em que Paulo, perto da morte, emite sua declaração de missão cumprida ("combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Desde já me está reservada a coroa da justiça que o justo juiz me reservou"). Paulo podia morrer tranquilo pois tinha a certeza de que fez o seu melhor. Ao contrário de me inspirar como tantas vezes fez, a leitura me deixou ainda mais agitado. Tive muito medo de morrer (estou com esse medo ainda), medo não da morte em si, mas de não ter aproveitado a vida para fazer o meu melhor. Ou pior, medo de a vida inteira ter achado que fazia o melhor e, de repente, perceber que tudo foi, não só inútil, como também uma ilusão que me deixou bem longe de poder um dia merecer usar o mesmo discurso de Paulo.

Voltei para a festa vestindo um sorriso que agradou muito meu sobrinho que se fartou de brincar com o tio (bem, na verdade, eu cansei bem antes dele, mas ele é insistente e terrivelmente simpático quando quer algo - risos) e acho que assim sentiu menos a ausência do pai que não pôde ir à festa com ele. Mas o que fazer com minhas próprias ausências, com a minha própria ausência? A pergunta retumbava na mente e, à noite, antes de dormir, a agitação continuava. Recorrendo mais uma vez à oração, pensei em ler o evangelho que teria sido lido nesse final de semana não fosse a coincidência com a festa de Pedro e Paulo. E era uma leitura de cura, de amor, de entrega...

Jesus está famoso, tanto que multidões acorrem até ele. A notícia de seus milagres se espalha. Jairo, o chefe da sinagoga, se joga aos pés de Jesus e pede que o galileu cure sua filhinha à beira da morte. Fiquei pensando naquele homem. Tão poderoso no local, dava ordens que eram cumpridas, era reconhecidamente importante, alguém que representava o próprio Deus diante do povo, mas diante da filha doente se reconhece incapaz, mais ainda, percebe que nada do que tivesse feito até então valeria a pena se não tivesse junto a si, sua filha querida, tão amada e que se encontrava doente. Ele sem ter (ou sem saber) mais o que fazer, se joga diante de Jesus pedindo a cura da filha, é o que lhe resta, entregar-se em oração. Nessa hora me lembrei de uma música católica bem tradicional, das que minha mãe, quando eu criança, cantava para me pôr para dormir e que dizia "a melhor oração é amar; se não sabes amar, tu não deves orar, a melhor oração é amar". Nessa hora, alguns homens chegam com a notícia da morte da menina, mas Jesus, vendo o quanto aquele homem amava a sua filha, diz: "ela não morreu, ela apenas dorme". É certo que os homens não creram nisso e não acreditaram porque eles não amavam. Ainda que aflito, ainda que angustiado, ainda que temeroso, é certo que Jairo acreditou, pois ele amava, sua melhor oração não era a oração das sinagogas, era a oração do amor. E é certo que ele acreditou pois quando Jesus disse à filha de Jairo: "talita cumi" (menina, levanta-te), ela despertou bem, para alegria daquele pai que reconheceu que nada mais no mundo é tão importante como a presença de quem se ama.

Jairo nos ensina que a cura é diária e está relacionada à entrega de nossas vidas nas mãos de Deus, pois ninguém nos ama mais do que Ele. Ele já nos amava antes do nascimento, antes que nos formássemos no ventre de nossa mãe. Por isso, quando deixamos que Deus cuide daquilo que não podemos nós mesmos cuidar e fazemos nossa parte naquilo que podemos cuidar, com fé e paciência, é certo que despertaremos como a filha de Jairo da morte para a vida. E mais uma vez teremos a chance de fazer o melhor e quem sabe, um dia, na nossa hora derradeira, tal qual Paulo, poder se entregar, enfim, definitivamente, nos braços do Pai, certos de termos cumprido nossa missão.

E foi pensando em Jesus, em Jairo e sua filha, e no amor que une as pessoas por todo o sempre, aliado ao cansaço de ter sido pai substituto por um dia, que adormeci, deixando Deus cuidar um pouco de mim e de minhas angústias. Se não acordei mais feliz, ao menos acordei como na música, com vontade de continuar "tocando em frente, como um velho boiadeiro, levando a boiada" e pensando que "vou levando os dias pela longa estrada, eu vou, estrada eu sou..."