sábado, 10 de maio de 2014

GUERRAS (DAS) PRIVADAS: ONDE VAMOS PARAR?


Lembro ainda como se fosse hoje, embora muitos anos tenham se passado, que quando éramos crianças, se eu e meus irmãos brigássemos aquelas briguinhas típicas de irmãos típicos, tipicamente nossa mãe vinha nos dar aquelas "lições de moral" típicas. A mais típica das reclamações era sempre pelo Natal. Ela dizia que ao menos naquela época do ano os povos de todo o mundo que estavam em guerra davam-se uma trégua.

Quando cresci, descobri que a verdade (infelizmente) não era bem essa. Em todo caso, ela conseguia nos deixar com um baita sentimento de culpa nos fazendo sentir piores do que iranianos e iraquianos no Oriente Médio, do que católicos e protestantes na Irlanda, do que ingleses e argentinos nas Ilhas Malvinas, do que orientais e ocidentais alemães, do que americanos e soviéticos no mundo inteiro numa quente e permanente guerra fria. Em minha memória infantil eram esses os conflitos que inundavam os noticiários da época.

Mas como já comentei anteriormente, eu não devia ser uma criança muito normal, pois meus pensamentos sempre iam um pouco (ou muito) além do que (não) se esperava e rapidamente a culpa se transformava em uma reflexão acerca do comportamento humano.

Mesmo sabendo que aqueles embates aconteciam muito, muito, mas muito longe da minha realidade, pensava assim: "se eu, minha irmã e meu irmão, 'sangue do mesmo sangue' - como mainha dizia - não nos entendíamos, vivíamos naquelas arengas (pra quem não é de Pernambuco, arenga = briguinha típica de irmãos), imagina aqueles povos que brigavam por terra seca, por terra cercada de água por todos os lados, por terras entre um muro, por terras do mundo, por Deus... Pelo-amor-de-deus...!!! Onde este mundo vai parar?" 

Mas o mundo não parou e os radicais iranianos e iraquianos se juntaram contra os americanos que, por sua vez, se aliaram (pelo menos no papel) aos soviéticos, digo, aos russos, pois a União Soviética, "perestroikamente", ruiu junto com o muro de Berlim, tornando a seleção alemã ainda mais forte no futebol, futebol que parece representar o último local de embate (até bem humorado) entre ingleses e argentinos, como bem dava a entender a manchete do jornal argentino Olé! antes das quartas-de-final entre Brasil e Inglaterra na Copa de 2002: "Que percam os dois!"
 
E quando o mundo não pára, muita coisa volta para o mesmo lugar, mesmo que um tantinho diferente, na melhor tradição (tradução) poética do T.S. Eliot que dizia que "o fim de toda nossa busca será chegarmos onde começamos e ver o lugar pela primeira vez". Assim, muitos desses conflitos permanecem ainda hoje, um tanto quanto disfarçados, modificados, remodelados, reinventados... todavia, apesar disso (e por isso) não seria apenas licença poética dizer que é como se os víssemos (mesmo) pela primeira vez...

Contudo, sob a minha perspectiva, sob a perspectiva daquela criança que um dia fui, uma coisa mudou nessas voltas que o mundo deu: a distância. A minha distância dos conflitos.

Lançar privadas do alto de um estádio, pra mim, é um atentado terrorista. Tal qual bomba certeira quando o objetivo (terrorista) é alcançado, se espalham por todos os lados partes de... pessoas. Ou seja, às ruas de Teerã, de Bagdá, de Belfast, de Berlim, se juntam as ruas no entorno do estádio do Arruda. Mas não só essas. Avenidas como a Conde da Boa Vista, a Agamenon Magalhães, a Abdias de Carvalho e a Rosa e Silva já foram palcos de barbáries de dar inveja a filmes como O Gladiador. Por falar nisso, a nova nomenclatura dada aos estádios modernos, "arenas",  parece trazer em si um herança etimológica perversa.

Como se não bastasse toda essa proximidade do "terror", descubro pelos noticiários que um dos que lançaram o vaso sanitário mora e trabalha no bairro onde eu morei praticamente a minha vida toda. O cara era porteiro de um colégio onde, embora não tenha estudado, já fui algumas vezes. Fica há pouco mais de 2km da casa de meus pais.

Só que em tempos digitais, essa distância é ainda menor. Obviamente que eu fiquei chateado porque o meu time perdeu na final do campeonato pernambucano para o Sport. Todo torcedor de um time quer vê-lo campeão. Aceito até o deboche de que foram poucas as vezes que vi isso acontecer, mas paciência, eu sou alvirrubro e não desisto nunca. Porém, não aceito, ou melhor, não quero aceitar algumas realidades que vi em meu Facebook após o final da final. Eu olhava minha timeline e nao acreditava no que lia. Eram amigos meus, ainda que seja necessário ressalvar o termo "amigos" para se encaixar no sentido facebookiano da palavra. Pouco havia de comemoração no que lia. Muito havia de insultos, de provocações, de "chupa isso", "toma naquilo", "que se explodam", "morrammm"...  explodir? morrer? matar?

Meu Deus!!!

Diziam isso para toda a torcida do time rival. E eu, amante do futebol, não da guerra, sou dessa torcida, da torcida "desorganizada" que paga caro pra ver seu time jogar. Sou eu que tenho que chupar? que tomar no C#? que ser explodido? morto? Ao contrário dos conflitos vistos pela TV na minha infância, quem escreveu essas coisas não vive em outro país, em outra cultura, em outra ilha, em outra profissão religiosa, em outro modelo econômico... são meus amigos de face!... Me desejam feliz páscoa, feliz aniversário, feliz natal, feliz ano novo... desejam que eu morra, que eu me exploda, porque eu torço para um time diferente deles.

Dirão, reverenciando um certo "terrorista" travestido de jogador de futebol, que estão só "frescando"... Prefiro reverenciar as palavras de um galileu que há uns dois mil anos atrás, também vítima da violência de pessoas próximas, disse que "a boca fala daquilo que o coração está cheio" e me pergunto por que meus "amigos" estão cheios de tanto ódio, de tanto rancor?  Conheço muitos deles, e poderia dar o mesmo depoimento dado por várias pessoas conhecidas do acusado de lançar as privadas: "são pessoas boas, trabalhadoras...".  

Por quê? Por quê? Por quê?

Por que lançar insultos? Por que lançar ofensas? Por que lançar desejos de morte? Por que lançar privadas? 

Aproveitando o mote sanitário  (admito que de forma infame, porém realista): que merda! que merda! que merda!

No Facebook terminaria esse texto com um: "se sentindo desanimado com o (meu) mundo".
Aqui termino com mais um "que merda!"

Melhor... apesar de profundamente pessimista, vou preferir terminar com um desejo de mudança. Que mudança? A mudança que esse vídeo aqui abaixo parece querer ser promessa...


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