domingo, 4 de maio de 2014

365 DIAS



"Noite de sábado para domingo. Passava um pouco da meia-noite. Eu conversava pela Internet com algumas pessoas, até para me distrair um pouco. Foi quando o telefone de casa tocou. Àquela hora só podia ser a notícia que nós não queríamos ouvir. De um sobressalto corri em direção ao telefone. Eu não queria que meu pai atendesse. Do outro lado da linha uma voz de mulher pedia que a família fosse ao hospital porque minha mãe havia piorado, mas a gente sabia que não apenas isso. Era o fim!"

Isso aconteceu há um ano atrás e esse relato foi uma das poucas coisas que consegui escrever sobre a morte de minha mãe. Escrevi para um experimento dramatúrgico do qual participei, onde em nossas falas, os recursos do teatro se confundiam com nossos depoimentos e histórias pessoais. Esse texto saiu quando a motivação era trazer à memória um momento de medo. No caso, aquele instante em que o telefone toca e o coração imediatamente acelera. Acelera de medo.

Desde então, passaram-se 364 dias... Em poucas horas a terra estará, após dar uma volta completa no sol, no mesmo lugar de um ano atrás... mas as coisas não permaneceram no mesmo lugar. Na missa que fui há pouco, em virtude do mês mariano, cantaram "...o tempo passa, não volta mais; tenho saudades daquele tempo que eu te chamava de minha mãe..."

Se completa o primeiro ciclo de ano sem que ela estivesse presente como antes... em maio, na semana seguinte à sua morte, foi dia das mães, onde os comerciais de TV empurrando um comércio de presentes fez ainda menos sentido; em junho, um gosto ausente de pamonha se fez presente; em julho, meu sobrinho não tinha como dar parabéns a avó que tanto o adorava; em agosto o dia dos pais pareceu ainda mais vazio do que o dia das mães, sem ela pra reclamar de como não estávamos fazendo o que tinha que ser feito; em setembro, veio a primeira primavera de saudades; em outubro, o aniversário dela, no dia do professor, profissão escolhida por todos os filhos; em novembro, aquele que seria mais um aniversário de casamento; em dezembro, meu próprio aniversário sem um cartão dela, sem um presente daqueles bem simples em que ela só queria fazer memória do momento que me mostrou a luz do mundo; em janeiro, nos primeiros instantes após a contagem dos dez últimos segundos do ano, onde o "feliz ano novo!" soou estranho, incompleto...; em fevereiro, uma mudança para uma casa nova, alugada num alto da serra, sem que ela estivesse ajudando na arrumação de tudo; em março, o carnaval e a quarta-feira de cinzas sem o sabor do feijão e do peixe, ambos ao côco; em abril, na Semana Santa, aquela leitura do Êxodo na Vigília Pascal, com os carros, cavalos e cavaleiros do faraó, que uma vez ela leu, sem óculos, substituindo alguém que não havia aparecido na hora devida; e novamente maio... como na música, "mudaram as estações, nada mudou, mas eu sei que alguma coisa aconteceu, tá tudo assim, tão diferente..." Pois é, também achei que tudo era pra sempre, sem saber que até o "pra sempre", sempre acaba.

 
Contudo, Mãe, um ano depois de sua páscoa, de sua passagem, o evangelho desse domingo traz o trecho dos discípulos de Emaús, e tudo parece fazer muito sentido. Nessa passagem, desanimados ante à morte do mestre, dois discípulos deixam a missão e voltam pra casa.  No caminho eles, cegos pelo  choro, não enxergam que o próprio Jesus caminha ao lado deles. Perguntando sobre as razões da tristeza, Jesus obtêm respostas de pura lamentação e repreende-os lembrando que eles foram preparados para aquele momento. Enxugando as lágrimas, com a noite se aproximando, os dois pedem ao "desconhecido" que fique com eles, e quando estão prestes a dividir o pão, reconhecem no partir do pão o próprio Jesus, vivo e ressuscitado. Logo depois Jesus some, mas eles entendem que é preciso voltar à missão, pouco importando se ainda está escuro, pois a luz virá ao amanhecer.

Assim também mãe, ao longo deste ano, desanimamos e por vezes não enxergamos as sementes que você nos deixou pelo caminho. Nossas lágrimas não nos deixaram ver que novas mães surgem a cada dia, que o sabor sacramental da pamonha está dentro de nosso coração, que o carinho de avó está guardado na memória do netinho, que sempre saberemos como nos preparar para o dia-a-dia e para a festa, seja dos pais ou dos filhos, pois cada tempo, cada momento, traz carregado sempre dentro de si o que foi vivido, o que ficou marcado e isso mãe, é ressurreição, é páscoa, é vida que vence a morte. E assim, você pode ir pois já sabemos que precisamos saber: voltar à nossa missão, à nossa origem, à nossa essência. Agora é conosco! 

Obrigado mãe! Te amo!

3 comentários:

  1. Realmente emocionante Luiz!!!

    Victor Souza

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  2. Que texto emocionante! :~~~
    Eu não consigo me imaginar sem minha mãe. Já n tenho pai, e sem ela... pra mim seria o fim. Ficaria perdida nesse mundo...

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  3. nossa muito emocionante...
    Que Deus te fortaleça sempre.
    marivania

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