terça-feira, 18 de abril de 2017

A BANDA E A MOTIVAÇÃO



Não, essa não é uma referência, pelo menos não direta, à A Banda do Chico Buarque, embora o trecho final da música “e cada qual no seu canto e em cada canto uma dor” possa servir até certo ponto como ilustração.

Ontem, próximo a uma escola pública, ouvi o que me pareceu o ensaio de uma banda marcial, quando uma lembrança me preencheu totalmente. Eu tinha entre 7 e 8 anos de idade, e naquele começo da década de 80, os desfiles de 7 de Setembro, protagonizados especialmente pelas bandas marciais, estavam ainda em alta. Eu era fixado no som da banda e insisti muito junto à minha mãe para que ela me deixasse entrar para o grupo. Naquela época eu era muito precoce (era adiantado dois anos em relação à idade padrão) e havia decidido que queria ser músico e a banda marcial da Escolinha da Mônica seria o meu primeiro “palco”.

Depois de mil advertências e de me fazer (com)prometer com várias tarefas em casa e na escola, minha mãe, enfim, concordou em me deixar entrar para a banda da escola. Não houve problema para minha aceitação, até porque o instrutor da banda me adorava e eu seria uma espécie de mascote.

Lembro como se fosse hoje, daquele primeiro sábado de ensaio pela manhã. Pois é, isso de ser num sábado de manhã (eu estudava normalmente à tarde, o que não me fazia precisar acordar muito cedo) já começou a mexer com meu “sonho” de criança. Ao chegar lá, mais uma hora de “sermões” (a disciplina na banda seguia a lógica militar) e nada de instrumento musical. Lá pelo meio da manhã fui apresentando ao tarol. O tarol é um instrumento de percussão da família da caixa, com uma afinação mais aguda.  Isso eu descobri agora pesquisando no Wikipédia. Naquele momento, o elemento decisivo para que eu recebesse um tarol para tocar deve ter sido o fato do instrumento ser um dos poucos que eu, bem pequenino, conseguiria carregar.

Peguei as duas baquetas que acompanham o tarol e comecei a tocar com gosto junto aos demais. Saímos à rua para dar uma volta no quarteirão do colégio para um primeiro ensaio. Mal cabia em mim de tanta alegria. Estava começando a realizar o meu sonho. Na volta para a escola, o instrutor começou a falar em outra língua. Pelo menos foi assim que encarei aquela coisa de “ritmo”, “afinação”, “cadência”, “batida”. Não bastasse isso, começou a falar numas tais de notas musicais, numa época onde “dó”, pra mim, era o mesmo que piedade, “ré” era marcha de carro e “sol” apenas um astro-rei. Mas ele foi bem ilustrativo também. Chamou uma das meninas e pediu para que ela tocasse o instrumento dela de formas variadas.  O que complicou minha vida era que as “variações” feitas pela menina me pareciam exatamente iguais entre si. Olhando para os lados  vi que todos faziam aquela cara de quem sabe de tudo sobre o que se está falando.  Me bateu um desespero! “Ué”, pensei eu. “E não é só sair batendo e desfilando pelas ruas?” “Tenho que entender desse monte de coisas?”.

Bem, pra encurtar a história, eu devo ter ido a mais uns dois ensaios, muito mais pra não dar o braço a torcer pra minha mãe, e aí depois inventei alguma coisa pra dizer que tinha perdido o interesse na banda, que o ambiente não me agradava e sei mais lá quantas outras desculpas esfarrapadas.

Naqueles dias o mundo começou a ganhar um professor de Administração e perdeu, felizmente, um péssimo músico. Naqueles dias comecei a perceber que existe uma grande diferença entre desejo e necessidade, o que me viria ajudar a dar vários exemplos em sala de aula quando falava da teoria da hierarquia das necessidades. Descobri também que, realizar sonhos - embora não necessitasse, necessariamente, precisar sofrer para isso - exigia “determinação”.  Naquela época eu já experenciava essa coisa fantástica que é a motivação, que pra ocorrer, se faz necessário ter um sentido (direção), uma intensidade (força) e, sobretudo, aquilo que me faltou naquelas manhãs de sábado: permanência (constância).

Saber para onde se vai ou se quer ir e ter forças para tal empreendimento são requisitos fundamentais, mas que nada adiantam se não perseveramos com determinação em  nossa caminhada. E isso não é conselho de autoajuda, é apenas uma constatação empírica do que argumentam as principais teorias de motivação. Não basta querer, é preciso continuar querendo.

Eu já fui muito motivado para tocar em uma banda. Realizei meu desejo. Mas como não era e nunca foi uma necessidade, hoje é apenas uma memória afetiva dos tempos de criança. Talvez minha primeira incursão pelo mundo dos adultos e meu primeiro desencanto de menino mimado. Como no texto da música do Chico, referido no início desse texto: cada canto uma dor, em cada canto cada qual.

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