terça-feira, 30 de agosto de 2016

POLÍTICA NO BRASIL. FONTE: SAFADÃO (2014); PABLO (2013); MARÍLIA MENDONÇA (2015).



Na semana que antecedeu a votação pelo prosseguimento do processo de impeachment de Dilma pela Câmara dos Deputados, eu recebi um convite pra ser debatedor em um encontro de formação política. Segundo me informaram, queriam um debate com vertentes ideológicas diferentes e precisavam de alguém de direita, com pensamento neoliberal e, supostamente, eu preenchia os pré-requisitos.

Obviamente achei graça e expliquei, ainda por telefone, que não acreditava nessa bipolaridade esquerda/direita, principalmente nos dias atuais.  Quase na mesma semana me disseram inclusive que, se eu não acredito nisso, então é mais uma prova de que sou "de direita". Outra pessoa, utilizando o mesmo pseudo argumento usou palavra pouco elogiosa, que não vem ao caso.

Durante o debate, essa ideia retornou no seguinte comentário: "quando não nos posicionamos, os outros nos posicionam". Mas quando esse pensamento é expresso dentro da lógica de que só existem apenas dois lados, leva-nos a conclusão pueril de que "se você não está comigo, então está contra mim".  

Percebe-se claramente que é um argumento frágil, baseado em duas suposições simplórias, pouco elaboradas e notadamente falsas: (i) a de que existem apenas dois lados; e (ii) que o não posicionamento pró-lado A, faz de você um fantoche do lado B. Quando se diminui tanto o campo de análise, não dá pra levar a sério tais "posicionamentos". Como efeito espetaculoso pode até ser sensacional a depender das crenças do grupo, mas é apenas isso, um truque de efeito para fazer exatamente aquilo de que acusa o outro lado, o nosso famoso "faça o que eu digo mas não faça o que eu faço".

Mesmo assim, apesar de pedidos contrários, aceitei o convite e comecei minha participação no debate dizendo exatamente o que já havia comentado por telefone: "não acredito em direita/esquerda etc." Em complemento disse: "antigamente as coisas eram ou preto e branco ou preto no branco, hoje em dia, só de cinza tem 50 tons", em clara e bem humorada referência ao bestseller da E.L. James.

Alguns obviamente pensaram que eu estava brincando. Embora eu houvesse recorrido a uma tirada de humor, ela reflete não menos do que a verdade. Em Administração tínhamos duas vertentes básicas, a organização vista ou como máquina ou como organismo, e hoje temos dezenas de modelos teóricos divergentes e convergentes. Um amigo psicólogo me contou que existem cerca de 196 configurações diferentes catalogadas sobre o que seria uma família e tem gente que acha que família é uma equação exata cujo resultado é pai, mãe e filhos. Numa conversa que tive com um grupo de pesquisa sobre a elaboração de um questionário, a pergunta que antigamente tinha duas respostas fechadas, "homem" ou "mulher", hoje, para permanecer com respostas fechadas vai precisar de várias opções possíveis. Até a empadinha, cujos sabores básicos eram camarão ou queijo, hoje se apresenta com uma imensa gama de ingredientes alternativos para o recheio, o mesmo acontecendo com pastéis, tapiocas e coxinhas (entenda-se aqui "coxinha" como aquele salgado saboroso, preferência nacional).

Absurdo é precisar esclarecer a palavra "coxinha". Querem muitas vezes, disse eu no debate, classificar-nos como "coxinhas" ou "petralhas". Aí me pergunto: se nosso argumento é bom, se nossa base teórica é inspirada nas mais clássicas e conceituadas obras já publicadas, se não nos deixamos levar por mídia "golpista" ou "esquerdista" (mais rótulos!), se estamos assim tão certos de nossas convicções, qual a necessidade que temos de diminuir, de dar um tratamento vulgar de inferioridade à visão que é diferente da nossa? Por outro lado, a Psicologia afirma que a agressão gratuita é um subterfúgio muito utilizado quando estamos inseguros. Agredimos, porque sabemos que nossas ideias são insuficientes. O famoso "ganhar no grito".

Dito isto, como era um encontro de formação política, e não um "ato" de defesa do que quer que seja, fui ao meu argumento central que, acredito, responde até à perrenga do uso dos agressivos e inúteis termos "coxinha" e "petralha": o problema é que, no fundo, não sabemos praticamente nada sobre política  (reparem que estou falando na terceira pessoa do plural, justo para evitar que achem que estou me colocando acima do bem ou do mal). Não lemos sobre o assunto, não nos formamos sobre o tema, não recorremos aos autores que discutem seriamente a questão, nem os clássicos e nem os contemporâneos. Pior que isso, não entendemos a fundo e acusamos os outros de não entenderem. Cada vez mais concordo com o pensamento de Jüng, de que vemos nos outros aquilo que existe dentro de nós.

Assim, para entendermos o que está acontecendo no campo político brasileiro, recorrer a Marx, Engels, Fourier, Owen, Smith, Locke, Voltaire, Montesquieu, dentre outros, é completamente inútil. A grande maioria nunca leu nada, de verdade, sobre esses autores. Uma parcela pequena, às vezes, leu na faculdade uma resenha de algum autor obscuro sobre essas questões de matriz ideológicas e só. Aqueles que leram a fundo, que foram nas obras originais, que confrontaram as ideias de ambos os lados, ah, esses são mais raros que pokemons valiosos.

Não entendemos de política. Ponto. Mas de uma coisa entendemos bem. Somos ótimos em "DR" (discutir a relação). Quando não temos uma habilidade, a necessidade nos faz recorrer a outras que temos em maior quantidade. Daí a razão das nossas timelines do Facebook, por exemplo, estarem cheias de trocas de farpas, insultos e agressões, em grande parte desprovida de qualquer lógica ou coerência que não a do "querer estar certo sempre".

Assim, se nossa especialidade, mesmo discutindo política, é em DR, melhor do que recorrer àqueles autores citados acima é usar como base teórica, "filósofos" mais modernos como Wesley Safadão, Marília Mendonça e Pablo. Isso mesmo! Foi isso que você leu. Vejamos alguns exemplos.

"Como é que você ainda tem coragem de falar comigo?
Além de não ter coração, não tem juízo
Fez o que fez e vem me pedir pra voltar?
Você não merece um por cento do amor que eu te dei
Jogou nossa história num poço sem fundo
Destruiu os sonhos que um dia sonhei
Quer saber? Palmas pra você!
Você merece o título de pior mulher do mundo!
(SAFADÃO, 2014)

Só tente pensar numa situação diferente de uma briga de casal. Pense nas discussões ideológicas que têm visto no Facebook ultimamente. Imagine políticos, partidos, eleições e... duvido que não tenha percebido raciocínios similares na rede. Mas vamos a outro exemplo. Esse um dos meus preferidos. Se põe a culpa em tudo e em todos, mas nunca se põe em dúvida sua própria (in)competência.

"Você foi a culpada desse amor se acabar
Você quem destruiu a minha vida
Você que machucou meu coração, me fez chorar
E me deixou num beco sem saída"
(PABLO, 2013)

Agora um trecho que considero dos mais doentios. Tente seguir minha proposta de raciocínio, de abstrair e aplicar a lógica do pensamento à "política de Facebook":

"Mas se você soubesse o que realmente me interessa
É saber se você faz amor comigo como faz com ela
Se quando beija, morde a boca dela [sic]
Fala besteira no ouvido, como faz comigo
Tudo o que eu preciso
É saber se você faz amor comigo como faz com ela"
(MARÍLIA MENDONÇA, 2015).

Eu não consigo ouvir essa música e não me lembrar de alguns argumentos que vi. É mais importante saber como o outro lado age do que como eu próprio ou o lado que eu defendo age. Mais fácil enxergar o cisco no olho do outro do que o pedaço de madeira que está nos nossos próprios olhos.

Particularmente acredito que, enquanto continuarmos personalizando a discussão política como fazemos com nossos relacionamentos pessoais, teremos um longo caminho pela frente. Precisamos entender que a personalização nas DRs é algo perfeitamente normal, as DRs são personalizadas. Mas isso na política? Não faz sentido. Até porque, muitos amigos acabam com relações estremecidas, enquanto os políticos fazem alianças obscuras. Informação quentinha: apesar desse acirramento todo que estamos vendo, em 30% das nossas cidades, PT, PMDB e PSDB estão, coligados (isso mesmo, os três juntos!!!), nas atuais eleições municipais. Agora me diz se faz sentido, chamar de "burro" como acabei de ver num perfil do Facebook, qualquer um que pense diferente de você sobre política. Me pergunto: que traumas e carências psicológicas tão profundas nos fazem agredir amigos por divergência de pensamento político?

A boa notícia disso tudo é que, as pessoas estão, bem ou mal, discutindo muito mais sobre o tema e, espero eu, não tardarão a buscar argumentos mais sólidos e confiáveis e menos emotivo-pessoais. O outro aspecto positivo que percebo, é o fortalecimento daquilo que chamamos de amizades verdadeiras. Particularmente fico muito feliz ao perceber que boa parte de meus melhores amigos pensam completamente diferente de mim. E ainda assim somos grande amigos. E isso não significa que não falamos sobre o assunto ou não expomos um ao outro nosso ponto de vista. Ao contrário, fazemos isso até bastante, mas com a certeza de que "uma coisa é uma coisa; e outra coisa é outra coisa". Essa magia que nos une, esse respeito mútuo, essa capacidade de lidar com o diferente é que me faz acreditar que, apesar de tudo, estamos evoluindo.

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