sábado, 29 de setembro de 2012

CONTOS DA LUA #4: Primavera, Verão, Outono, Inverno, Primavera... (setembro, 2012)


Continuando a série "Contos da Lua": lua cheia no céu; postagem nova da série no blog.

E essa é uma lua especial, a primeira lua cheia dessa primavera. Penso que algumas pessoas têm fases como as determinadas pela lua, enquanto outras têm estações como as determinadas pelo sol. Umas se guiam pela rotação, outras pela translação. Mas todas estão sempre em movimento. Não podemos dizer que tudo no mundo gira em torno de encontrar alguma coisa, mas algumas coisas, quando encontradas, fazem o mundo da gente girar, se movimentar, e a partir daí, nada mais é como foi antes. Passamos a enxergar o mundo com os olhos da alma, do coração. E nesse momento tudo fica muito claro, iluminado, vivo...

Este preâmbulo não é aleatório, desconexo ou acidental. É uma reflexão minha a partir de uma das histórias que a lua me contou e que escolhi hoje, propositadamente, para homenagear esse início de primavera, tempo de vida nova, de renascimento, de perdão, de busca pela felicidade. Mas não a felicidade vazia vendida pelas propagandas de produtos mil, mas aquela felicidade que faz nosso coração vibrar, felicidade que preenche nossos vazios. Felicidade até inconsequente. Mas, e daí? Por que mesmo pensar tanto nas consequências se tudo passa tão rápido? Até porque toda decisão tem sempre consequências queiramos ou não.

Essa semana, por exemplo, fui a um mercadinho. Minha intenção: comprar uma água de coco. O dono chorava copiosamente quando lá entrei. A funcionária nos explicou que ele acabara de receber a notícia da morte do pai. A cena me comoveu, até porque duas senhoras que estavam na fila comigo conversavam entre si dizendo que ele, o dono, estava todo sorridente poucos minutos antes. A primeira coisa que pensei foi como o tempo foge, voa rápido e imediatamente pensei também no pai morto e fiz uma prece, talvez inútil dada as circunstâncias, já que a vida dele acabara, mas eu pedi que ele tivesse optado em vida pelo que fazia o coração dele vibrar. Talvez a prece nem fosse mesmo por ele, mas por mim e pelo mundo, porque certamente quando nos dermos conta do que temos feito com a vida que recebemos de presente, de certo não serão os fatos convenientes, confortáveis, respeitáveis, aceitáveis socialmente e honrosos que nos darão a certeza de plenitude, de completude, enfim, de vida. Mas de certo lembraremos daquilo que fez nosso coração vibrar, que nos deixou sem ar, que nos fez tremer, enfim, daquilo que fez a gente se movimentar, tal como o sol, tal qual como a lua. Ah, e por falar em lua, vamos enfim ao conto desta lua cheia.

A lua muito me surpreendeu com essa história que ora relato. Ela me disse: "vou te contar uma história que você já conhece, mas vou contar como tudo realmente aconteceu". Fiquei intrigado com esse comentário lunar, mas ela me explicou que eu já conhecia a história porque ela havia sido registrada na bíblia. A história de um cego de nascença, curado por Jesus com lama feita de barro e saliva. De imediato me lembrei que a passagem está no evangelho de João, o mais místico e poeta dentre os evangelistas, e que trata o fato como um dos sinais de Jesus. Para João não havia milagres, havia sinais.

Na minha espontaneidade, querendo demonstrar meus conhecimentos bíblicos citando como o fato aconteceu, acabei desobedecendo, como brinca um amigo meu, o décimo primeiro mandamento: "não te empolgarás!" A lua, complacente, sorriu maravilhosamente (o sorriso da lua é encantador) e me disse que nem sempre é possível registrar todos os detalhes na bíblia, mas que ela foi testemunha de todo o processo que levou aquele homem cego a enxergar a luz. Achei estranho a lua utilizar a palavra "processo", mas se tem uma coisa que eu aprendi com a lua, é que ela tem sempre razão, e então, com empolgação já moderada, me calei para ouvir seu conto.

A lua, inusitadamente, fez questão de pontuar o período do ano em que a cura começou a ocorrer. Era início da primavera. O homem vinha de um inverno angustiante. Ao ouvir um casal de namorados enaltecendo a beleza do mundo e que essa beleza fazia os corações apaixonados deles vibrarem em sincronia, o homem percebeu que sua vida até então era desprovida dessa vibração e, consequentemente, desprovida de sentido. O que ele via não o deixava feliz. 

Nessa hora eu interrompi a lua e a indaguei: "Como assim, 'o que ele via...'? Ele não era cego?". A lua sorriu para mim e disse: "Não foi você mesmo que afirmou que João era o mais poeta dos evangelistas? Luiz, a cegueira do homem não era nos olhos físicos, mas nos olhos da alma".

Diante agora dos meus olhos (arregalados) a lua prosseguiu triunfante. Me contou ela que o homem decidira a todo custo que iria enxergar. Foi quando ouviu falar de um nazareno poderoso que por ali passaria. Foi ao seu encontro, exausto de uma vida sem vida, e pediu ajuda a Jesus, que perguntou: "O que você quer que eu faça?" Ao que cego pediu: "Senhor, quero enxergar a alegria da vida!". Jesus então sorriu e disse que isso aconteceria, mas que não seria de imediato... Quando eu já me preparava para protestar, afinal de contas a cura, até onde eu sabia havia sido quase imediata, a lua, já conhecendo minhas "instabilidades", me explicou que o tempo bíblico é diferente, é o tempo suficiente, o tempo necessário, o tempo que tem seu próprio tempo. E assim deveria ser também o tempo da vida, pensei eu.

Prometi a mim mesmo não mais intervir, afinal de contas, ela havia presenciado tudo. A lua então continuou sua história me dizendo que Jesus ao fazer lama com barro e saliva e colocar nos olhos do "cego", estava simbolicamente dizendo para ele que a falta de visão era porque ele estava sujo e precisava se limpar, precisava tirar as máscaras que cobriam seus olhos, tudo aquilo enfim, que o impedia de enxergar. Mandou o "cego" à piscina de Siloé lavar-se, e nessa hora o homem entendeu que precisava lavar sua alma, fazer uma completa faxina em si mesmo. 

Atravessou toda aquela primavera feliz com a perspectiva da mudança, entrou no verão onde as altas temperaturas ao mesmo tempo que dão ânimo, causam insolação e no outono, quando as folhas caem, um problema de família o fez esquecer de si e quando se esquece de si, o inverno tende a ser rigoroso e triste. Mas foi só quando voltou a viver um inverno de angústia que ele percebeu enfim, completado todo um ciclo, que podia mudar, que o Cristo o tinha alertado para essa necessidade de caminhar em direção à piscina, e quem caminha está sempre sujeito as intempéries da natureza. O homem enfim compreendeu tudo. Era como se ele fosse estrangeiro em terra estranha e não compreendesse a língua falada. Com o tempo, ele aprendeu o idioma da vida e nessas horas seus olhos se abriram e ele viu enfim a luz e tudo ficou claro, muito claro. E seu coração vibrou. Nessa hora ele percebeu que era novamente primavera.

Ao enxergar as coisas tão claramente, o homem começou a provocar estranheza em muitos. Os familiares e amigos não entendiam bem, os doutores da Lei menos ainda e quiseram a todo custo provar suas teorias de que era impossível ele estar enxergando. No fundo eles estavam todos cegos e, analogamente ao que disse T.S.Eliot, "em país de fugitivos, aquele que corre no sentido contrário parece que está fugindo". Não é fácil enxergar entre cegos, mas é necessário. E o testemunho do homem chegou até nossos dias.

Lembro que ao final da história fiquei mudo, reflexivo, emocionado e com o coração vibrando forte...

...

...como agora!

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