É quase uma unanimidade entre professores, alunos e
ex-alunos de programas de pós-graduação, que ler ou escrever sobre temas não
necessariamente técnicos ajuda a manter a sanidade, principalmente em cursos de
doutorado. Eu também concordo e de certa forma este blog tenta cumprir um pouco
esse objetivo. Mas como conseguir escrever para manter a sanidade quando se tem
que passar o feriado todo nas ilustres companhias de Wittigenstein, Austin,
Robbins, Clegg e Weber? Já são mais de
três semanas desde minha última postagem e, desta vez, definitivamente não foi
por falta de inspiração que eu não passei aqui para escrever. Tantas foram as
ideias (e ainda são) que algumas delas se perderam na longa estrada do tempo
que as transformam em quase nada, só para parafrasear o Rei, que, pelo que eu
soube, depois de fazer show em alto mar, resolveu fazer show na terra santa, o
que não tem absolutamente nada a ver com os meus propósitos neste texto, mas
que ilustram bem a (des)ordem dos devaneios que me acometem, especialmente
depois de ler sobre semântica, atos da fala, valores, atitudes, burocracia e
modernidade. Sim, mas onde eu estava mesmo?
Ah, eu queria apenas responder a quem me perguntou se
haveriam mais histórias contadas pela lua. Na verdade, boa parte do que eu quis
escrever aqui e não consegui por absoluta falta de tempo, foram
coisas contadas por ela. Nossa comunicação está cada vez mais frequente, tanto
que pela primeira vez em quase 35 anos de vida eu estou percebendo
verdadeiramente as sutis mudanças de fase pelas quais ela passa, sem precisar
recorrer a algum calendário para saber em em que forma ela se encontra. Percebi assim, que
a divisão em quatro fases é meramente didática, pois a cada dia ela me aparece
de maneira diferente do nosso encontro anterior. Logo depois que publiquei aqui
nossa primeira conversa, ela pareceu meio enciumada, me olhando de soslaio, por
entre as nuvens, chegando mesmo a se esconder por trás dos armazéns lá do Marco
Zero recifense. Sei lá, ela parecia não ter gostado que eu tenha compartilhado nossa
conversa por meios eletrônicos. Foi uma fase de silêncio, mas talvez ela
estivesse apenas pensando sobre que histórias me contaria. Passada essa fase
minguante, em que ela parecia perder suas forças (e eu juntamente com ela), chegado um certo momento, ela pareceu se renovar
de alegrias e me contou o que observara na fase em que seu brilho diminuiu.
Segundo ela, é nessa sua fase mais obscura que consegue refletir mais, que
consegue melhor analisar as pessoas lá do alto, até porque ela costuma, nesse
período, passar meio que despercebida da
maioria de nós (e nessa hora ela me piscou o olhar de forma, paradoxalmente,
brincalhona e inquisidora, de modo que facilmente fiz meu mea culpa) e assim as pessoas costumam se comportar de forma
mais natural, sem a intenção de impressioná-la ou mesmo de impressionar outras
pessoas usando-a como instrumento. Provavelmente por isso quase não são feitas poesias, cartas de amor,
canções e reflexões sobre a lua minguante. Mas ela não me falou isso com mágoa,
muito pelo contrário, quis apenas me mostrar que não só ela, mas que todos nós
precisamos de nossos momentos de obscuridade para melhor refletir. No dia em que
ela estava mais simpática, seus contornos na posição atual do céu nitidamente
sorriam para mim, um sorriso tênue que com o passar dos dias foi ficando, crescentemente,
mais largo. Ela parecia gostar cada vez de minha companhia e eu, que antes não
a percebia, ficava cada vez mais encantado com suas mudanças e suas muitas histórias.
Não, não será hoje ainda que eu compartilharei com vocês algumas
dessas histórias, mesmo porque eu preciso refletir antes para poder
transcrevê-las em palavras, sem contar que essa crônica falta de tempo acaba
atrasando tudo ainda mais. Todavia, como me fez questão de lembrar a própria lua, há
um livro considerado sagrado por muitos e que ela adora porque é dele
personagem desde a sua gênese, que contem dentro de si um livrinho menor chamado
Eclesiastes, que significa algo como “aquele que fala à assembleia” ou mesmo “professor”,
o qual ensina (é, faz mesmo sentido então a etimologia da palavra) que para tudo
existe tempo debaixo do céu. Tempo disso, tempo daquilo. E o tempo de escrever essas histórias ainda
chegará. Por enquanto eu vou apenas olhando ela se encher de luz já que certas
coisas eu não sei ainda dizer.
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