Não, essa não é uma referência,
pelo menos não direta, à A Banda do Chico Buarque, embora o trecho final da
música “e cada qual no seu canto e em cada canto uma dor” possa servir até certo
ponto como ilustração.
Ontem, próximo a uma escola
pública, ouvi o que me pareceu o ensaio de uma banda marcial, quando uma lembrança
me preencheu totalmente. Eu tinha entre 7 e 8 anos de idade, e naquele começo
da década de 80, os desfiles de 7 de Setembro, protagonizados especialmente
pelas bandas marciais, estavam ainda em alta. Eu era fixado no som da banda e
insisti muito junto à minha mãe para que ela me deixasse entrar para o grupo.
Naquela época eu era muito precoce (era adiantado dois anos em relação à idade
padrão) e havia decidido que queria ser músico e a banda marcial da Escolinha
da Mônica seria o meu primeiro “palco”.
Depois de mil advertências e de
me fazer (com)prometer com várias tarefas em casa e na escola, minha mãe, enfim,
concordou em me deixar entrar para a banda da escola. Não houve problema para
minha aceitação, até porque o instrutor da banda me adorava e eu seria uma
espécie de mascote.
Lembro como se fosse hoje, daquele
primeiro sábado de ensaio pela manhã. Pois é, isso de ser num sábado de manhã
(eu estudava normalmente à tarde, o que não me fazia precisar acordar muito
cedo) já começou a mexer com meu “sonho” de criança. Ao chegar lá, mais uma
hora de “sermões” (a disciplina na banda seguia a lógica militar) e nada de
instrumento musical. Lá pelo meio da manhã fui apresentando ao tarol. O tarol é
um instrumento de percussão da família da caixa, com uma afinação mais
aguda. Isso eu descobri agora
pesquisando no Wikipédia. Naquele momento, o elemento decisivo para que eu
recebesse um tarol para tocar deve ter sido o fato do instrumento ser um dos
poucos que eu, bem pequenino, conseguiria carregar.
Peguei as duas baquetas que
acompanham o tarol e comecei a tocar com gosto junto aos demais. Saímos à rua
para dar uma volta no quarteirão do colégio para um primeiro ensaio. Mal cabia
em mim de tanta alegria. Estava começando a realizar o meu sonho. Na volta para
a escola, o instrutor começou a falar em outra língua. Pelo menos foi assim que
encarei aquela coisa de “ritmo”, “afinação”, “cadência”, “batida”. Não bastasse
isso, começou a falar numas tais de notas musicais, numa época onde “dó”, pra
mim, era o mesmo que piedade, “ré” era marcha de carro e “sol” apenas um
astro-rei. Mas ele foi bem ilustrativo também. Chamou uma das meninas e pediu
para que ela tocasse o instrumento dela de formas variadas. O que complicou minha vida era que as “variações”
feitas pela menina me pareciam exatamente iguais entre si. Olhando para os
lados vi que todos faziam aquela cara de
quem sabe de tudo sobre o que se está falando.
Me bateu um desespero! “Ué”, pensei eu. “E não é só sair batendo e
desfilando pelas ruas?” “Tenho que entender desse monte de coisas?”.
Bem, pra encurtar a história, eu
devo ter ido a mais uns dois ensaios, muito mais pra não dar o braço a torcer
pra minha mãe, e aí depois inventei alguma coisa pra dizer que tinha perdido o
interesse na banda, que o ambiente não me agradava e sei mais lá quantas outras
desculpas esfarrapadas.
Naqueles dias o mundo começou a ganhar
um professor de Administração e perdeu, felizmente, um péssimo músico. Naqueles
dias comecei a perceber que existe uma grande diferença entre desejo e
necessidade, o que me viria ajudar a dar vários exemplos em sala de aula quando
falava da teoria da hierarquia das necessidades. Descobri também que, realizar
sonhos - embora não necessitasse, necessariamente, precisar sofrer para isso - exigia
“determinação”. Naquela época eu já
experenciava essa coisa fantástica que é a motivação, que pra ocorrer, se faz
necessário ter um sentido (direção), uma intensidade (força) e, sobretudo,
aquilo que me faltou naquelas manhãs de sábado: permanência (constância).
Saber para onde se vai ou se quer
ir e ter forças para tal empreendimento são requisitos fundamentais, mas que
nada adiantam se não perseveramos com determinação em nossa caminhada. E isso não é conselho de
autoajuda, é apenas uma constatação empírica do que argumentam as principais
teorias de motivação. Não basta querer, é preciso continuar querendo.
Eu já fui muito motivado para
tocar em uma banda. Realizei meu desejo. Mas como não era e nunca foi uma necessidade,
hoje é apenas uma memória afetiva dos tempos de criança. Talvez minha primeira
incursão pelo mundo dos adultos e meu primeiro desencanto de menino mimado.
Como no texto da música do Chico, referido no início desse texto: cada canto
uma dor, em cada canto cada qual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário, sua sugestão, sua crítica!