domingo, 27 de maio de 2012

Por Onde Tem Andado Seu Coração?


Quem me conhece sabe que em termos de torcida meu coração se divide entre o vermelho e branco do Clube Náutico Capibaribe e o azul e branco da Portela, escola de samba carioca. Esta noite descobri que o enredo da Portela para o ano que vem irá versar sobre a história da própria escola a partir do bairro de Madureira (a Portela fica entre os bairros cariocas de Oswaldo Cruz e de Madureira). O carnavalesco, que neste ano teve a feliz ideia de trazer a eterna portelense Clara Nunes como o fio condutor do enredo sobre a Bahia, que deu novamente à Portela, uma cara de Portela, vai utilizar o grande Paulinho da Viola, no ano em que ele completa seus 70 anos, como o fio condutor da vez, a partir de sua belíssima música “foi um rio que passou em minha vida”, que se tornou um quase-hino da Portela, cantado sempre nos “esquentas” antes da escola entrar na avenida. (Quem quiser conferir essa maravilhosa canção na voz mansa e contagiante de Paulinho da Viola, basta clicar AQUI).

Tempos atrás, assistindo uma entrevista do Paulinho da Viola, ele explicava de onde surgiu a inspiração para escrever “foi um rio que passou em minha vida”. Ele, mesmo sendo um portelense apaixonado, compôs junto com Hermínio Bello de Carvalho a música “sei lá Mangueira”, que era uma homenagem à outra tradicionalíssima escola de samba carioca, a verde-rosa Estação Primeira de Mangueira. Ao contrário do que muitos pensam, a rivalidade entre as escolas não é como no futebol e o que existe de concorrência entre elas acaba surgindo muito mais da forma de competição baseada em julgadores duvidosos que dão notas aos décimos e premiam mais o “carnaval-aparência” do que o “carnaval-chão", do que mesmo por uma “guerra” entre co-irmãs, mas isso é assunto para outra postagem. 

Porém, é certo que um pouco de ciúme foi despertado entre alguns portelenses, quando Paulinho, já ícone da escola, escreveu esse samba para a Mangueira, sem ter escrito nenhum para a Portela. A situação para o Paulinho se complicou quando a música de exaltação à Mangueira fez muito sucesso e ele se viu meio que na obrigação de fazer algo ainda melhor para a sua amada Portela. O processo de criação é sempre algo difícil de explicar, e Paulinho conta que, buscando inspiração para compor um samba à Portela passou por um letreiro que continha a seguinte pergunta: “por onde tem andado seu coração?” E a música saiu como que em resposta a essa pergunta, tanto que “foi um rio que passou em minha vida” começa com “Se um dia, meu coração for consultado...”

Em meio à sua “resposta”, Paulinho da Viola, confessa que seu “coração tem mania de amor”. Seria tão interessante que a humanidade tivesse essa estranha mania de amar, em todos os sentidos, do fraterno ao erótico, do paterno ao comportamental, do materno ao caridoso. Do amor por um homem ou uma mulher, por uma música, por um filme, por uma poesia, por um animal de estimação. Certamente o mundo seria um lugar muito melhor. Amores que podem apagar, como na música, “a marca dos [...] desenganos” nossos de cada dia.

Não sei se o trecho “o samba trazendo alvorada, meu coração conquistou”, desperta em outros portelenses, como desperta em mim, o saudosismo dos desfiles que a Portela encerrava com o raiar do dia, coroando uma noite de tantas luzes e cores com a luz suprema do sol que com seus raios dava mais vida a cor azul que inundava a avenida como que um rio passando por nossa vida, fazendo nosso coração querer se deixar levar... (#cantarolandoamúsica)

E pensar que a poesia da música começa com esse “por onde tem andado seu coração?”... Pensando bem, talvez toda a poesia da vida surja a partir dessa pergunta. A própria criação do mundo parece ser a resposta de Deus ao seu “por onde tem andado seu coração?” No prólogo de São João, o mundo era sem vida, sem luz, e o verbo, a palavra, o sonho se fez carne. Éramos um sonho na cabeça de Deus como bem já citava Berkeley, o filósofo, e esse sonho se tornou realidade mostrando assim que a humanidade é o coração da ação divina, é a finalidade de tudo que nos cerca, é a declaração de amor de um Deus apaixonado, que se preocupa com cada fio de cabelo que nos cai, que se preocupa verdadeiramente conosco e que nos ensina que amar é preocupar-se também com cada fio de cabelo caído do próximo, com sua dor, sua decepção, sua tristeza, sua dúvida, seu sacrifício, seu sofrimento. Enquanto não formos capazes de sermos solidários na dor, como diz a música do Paulinho, “será difícil negar” que nosso coração continuará andando errado.

Que nossa prece seja para que possamos responder ao nosso “por onde tem andado seu coração?” com uma resposta de solidariedade, de preocupação autêntica com o próximo, enfim, com uma resposta de amor, nos deixando levar pela alegria de fazer parte da vida de outra pessoa, também e principalmente, nos momentos em que ela mais precisar de nós. 

#laiá-laiá-laiá...

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