sábado, 14 de janeiro de 2012

Na Ponta dos Pés (Sobre a Fotografia)

Eu devo ter uma relação um tanto quanto excêntrica com a fotografia. Se por um lado prefiro sempre fotografar a ser fotografado, desejo um dia (espero que não muito longe) fazer um curso de fotografia e até estou começando a usar fotos como elemento pedagógico em minhas aulas, por outro, sou capaz de fazer uma viagem a um lugar novo, de posse de uma câmera e tirar praticamente nenhuma  foto, por me recusar a “ver” o mundo pelas lentes da máquina, por me recusar a gravar uma bela imagem em um cartão de memória ao invés de na minha própria memória.

É difícil explicar essa contradição de alguém que gosta de fotografar e se recusa a fazer certas fotografias, justo àquelas consideradas mais especiais. Certamente contradições não são para serem explicadas até porque se isso fosse possível em algum momento a contradição deixaria de existir, e como todos têm suas contradições, alguns mais, outros um pouco menos, penso que das minhas contradições esta talvez seja a mais amena e a mais poética inclusive. É como se algumas imagens, essas mais especiais, fossem reservadas apenas a mim e às histórias que minha mente é capaz de contar ao “puxá-las pela memória”. Além disso, nunca se sabe quando simplesmente se abrirá os olhos e se estará diante “da” imagem.

Fico imaginando uma cena até certo ponto cômica. O cara acorda de madrugada e de repente se depara com a mulher que ama andando pelo quarto nas pontas dos pés. Ela acordou há pouco tempo, com o cabelo assanhado, usando algo estranho como um blusão de frio fora de moda, está sem maquiagem, está sem acessórios, talvez com uma ou outra olheira, a depender se demorou ou não para dormir. Ele abre os olhos e a vê assim, e assim ele a percebe como ainda mais linda. A parte cômica de minha mente criativa para essas inutilidades começa imaginando que o cara é um aficionado por fotografias e se assim for ele não pode perder aquela imagem, ele precisa capturá-la, prendê-la para sempre no seu cartão de memória de 32GB recém comprado na 25 de março. Ele grita pra ela: “pára!”. Ela obviamente leva uma baita susto porque julgava que ele estivesse dormindo. Se a pobre coitada não tiver uma síncope neste momento, certamente ficará sem entender nada, pensará mil coisas, principalmente ao vê-lo correr em direção a uma máquina fotográfica. Mas como diz no livro d’O Pequeno Príncipe, “quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer”. Assim, ela obedece e fica ali parada como que numa estranha brincadeira de estátua. Ele então liga a máquina, a espera iniciar, faz ajustes de qualidade de imagem, zoom, foco, plano de fundo, luz... o quarto ainda escuro...  ele precisa ajustar o flash ou seria melhor acender alguma luz, pensa ele. Decide acender a luz. E a pobre de sua amada lá, começando a sentir cãibras nos pés. Ela enfim reclama e ele pede um pouco mais de paciência da parte dela. Ela exige ao menos uma explicação, começando já a racionalizar a inusitada situação. Ele, olhando para a máquina enquanto faz os últimos ajustes diz: é que eu acordei e você estava tão linda andando na ponta dos pés, com esse blusão, cabelos assanhados, sem maquiagem, sem acessórios... ele fala isso e percebe que só recebeu de volta o silêncio. Levanta a cabeça e ela não está mais lá, correu para o banheiro. Ele pergunta o que aconteceu e ela de lá dentro grita que nunca ele irá fotografá-la assim. Ela vai trocar a roupa, se maquiar, disfarçar as olheiras, escovar os cabelos e aí sim ele poderá tirar quantas fotos desejar. Duas horas depois, ele já tendo tirado um grande cochilo, começa a sessão de fotos, que será complementada por uma sessão de pequenas correções no photoshop. Ele não terá àquela imagem, àquela que tanto o sensibilizou, nem no cartão de memória, e como sua memória pessoal não havia sido treinada para gravar a cena no HD de seu coração, nem em lugar nenhum. Ele simplesmente a terá perdido para sempre.

Enquanto escrevo, a chuva começa a cair do lado de fora de casa. Olho para a janela e me deparo com uma dessas belas cenas. Quem me conhece sabe como gosto da chuva e de dias chuvosos. Até já escrevi sobre isso aqui mesmo neste blog. Meu celular que faz boas fotografias está a menos de um metro. Mas nem todos os megapixels da câmera serão suficientes para capturar o que sinto agora ao ver a chuva, as memórias que me vêm, desde a infância até o dia de hoje... assim, dou um sorriso complacente para o celular e viro minhas costas para ele e fico a contemplar a cena, imaginando histórias mil e quem sabe uma nova crônica sobre a chuva, sobre a lua, ou sobre o dia em que as duas se encontraram...

3 comentários:

  1. Caramba Luizinho, muito bonito. Parabéns!

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  2. Você é brilhante... *-*
    Eu já tive, certa vez, um pensamento como esse! Não o poetizei,
    nem sequer parei para refletir, apenas senti e deixei passar...
    Foi numa noite, onde a lua se encontrava em sua mais bela forma... Maravilhosa!
    Aí, quis fotografar e percebi que os megapixels do meu celular, não são nada bons! Mas, seu texto me trouxe a conclusão de que uma fotografia não traria a mesma emoção
    que tive ao contemplar com meus olhos aquele vislumbre!!
    Quando crescer quero ser igual a tu, chatisse!!

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  3. Oi Sergio! Que bom que você gostou do texto, apareça sempre :)

    Ana, enfim resolveste comentar mais né??? Dá pra ser igual a mim não. Não tens como quebrar meu recorde de chatisse... só não tö no Guiness por injustiça

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