Conforme
prometido na postagem anterior, onde falava das ideias que surgem quando se
passa hora e meia com o pescoço voltado para o norte e para cima buscando ver
estrelas cadentes que não caem, apresento nesta nova postagem a ideia que
prometi publicar no dia dedicado aos reis magos que vieram do oriente para
visitar o menino Jesus, festa popularmente conhecida como festa de reis (liturgicamente,
a festa da epifania do Senhor). Ou seja, hoje!
Esclarecendo
logo o nome pouco comum ,“epifania” significa o mesmo que “manifestação”. Assim,
temos a festa da manifestação de Deus na humanidade. Para os cristãos do
oriente esta festa chega a ser mais importante que o Natal, isso porque eles
consideram que o nascimento de Jesus é realmente um marco, mas se ele [o
nascimento] não tivesse se manifestado ao mundo (epifania), a manjedoura pobre,
o Menino Deus nascido, os pais comovidos, os pastores vigilantes e os anjos
cantarolantes, seriam uma bela, mas obscura cena. Deus não envia seu filho a
apenas um povo e os magos vindos de lugares distantes, guiados pela estrela do
oriente, são a prova de que o mistério deve ser revelado. “Deus é criança,
nunca vimos coisa igual” diz uma música religiosa do período natalino. Esta é a
boa nova que deve ser manifesta ao mundo, proclamada aos seus quatro cantos.
Os
literais a que me referi também no texto anterior, por favor podem ir navegar
em outros blogs, porque não estarei falando aqui de história, nem tão pouco de
teologia. Meu olhar aqui será guiado pela estrela da poesia. Pouco importam os
dados concretos, exatos, longitudes, latitudes, magnitudes, datas, cometas... a
estrela que ora passarei a refletir não está no céu; está, quando assim
deixamos, dentro de cada um de nós.
Lembro
dos tempos de minha infância, quando era bem mais comum faltar luz, que quando
isso acontecia à noite, o bairro mergulhava na escuridão e num silêncio
sepulcral crescente, quebrado vez ou outra pelo barulho do motor de um carro ou
de uma sirene ao longe. Todos ficávamos meio que perdidos, meio que sem ter o
que fazer, com medo de sair de casa, ansiosos pela volta da energia. Por vezes
ela demorava a voltar e a sensação de viver nas trevas se aprofundava. Quando de
repente, ela surgia. Fiat Lux!
Faça-se a luz! Então vinha a parte mais divertida para o eu menino, que era
ouvir os gritos de alegria que ecoavam de forma uníssona no bairro. “O que era
trevas, tornou-se luz”, diz outra canção típica desse período natalino. Lembrar
desse fato me faz imaginar qual não deve ter sido a alegria daqueles homens,
considerados como sábios e reis da época, advindos de diferentes povos e
nações, ao ver brilhar no céu, uma luz que os chamava para sair das trevas. Sei
lá, acho a teologia da falta de luz na minha infância mais sofisticada que
muita teologia adulta “iluminada”...
Por
vezes nos encontramos na escuridão. Ansiosos, sem saber o que acontecerá mais a
frente, acabamos paralisados por medo da queda, esquecendo que na vida, o não
caminhar já se configura em si como uma queda. Caímos ainda em pé, com as
pernas amarradas por um fio de lã, como dito no filme Melancolia. E ali, ao
chão, tremendo de medo e frio, lançamos a Deus, em sequência, um grito de dor,
um grito de clamor e um grito de entrega. Esse último o mais angustiante. Embora,
ao mesmo tempo, pareça trazer uma espécie de alívio, pois é o grito que se
configura a desistência do tentar. A questão é que Deus parece nunca desistir
de nós e quando nos encontramos sem esperanças, surge uma luz. Uma luz que não só
aquece e dá forças, mas como também ilumina o caminho a nossa frente, mostrando
as dificuldades, que sim, continuam lá, do mesmo jeito, intocadas até. Mas essa
“manifestação” da luz mostra essas dificuldades com clareza, nos permitindo
fazer escolhas, traçar rotas melhores, determinando então assim o nosso caminho
número #1. Nessas horas percebemos como a escuridão também desempenha
importante papel em nossas vidas. Como diz o Lulu Santos, “não haveria luz se
não fosse a escuridão”. É preciso mesmo, reconheço, enfrentar alguns
sacrifícios, algumas dificuldades, para poder viver as alegrias, a luz. Como
disse a rosa d’O Pequeno Príncipe, “é preciso enfrentar duas ou três larvas se
quisermos ver as borboletas”.
Que
neste dia da epifania do Senhor possamos fazer memória das pessoas que foram e
que são luzes em nossas vidas, em nossas caminhadas. Que servem de
estrelas-guias na busca pelo nosso menino interior, já que o próprio Jesus
disse que o Reino de Deus é das crianças. Que não esqueçamos também de sermos
um pouco estrela, ainda que cadente, a buscar realizar os sonhos, os desejos,
os pedidos, das pessoas que mais precisam de nosso apoio, do nosso próximo, que
em não raras vezes, está bem próximo.
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