* publicado originalmente no
blog Observatório
Feminino em 01/02/2014
Antes, deixa-me te contar um
conto.
Conta um conto, conto que não
é de fadas, mas que conta com uma menina que até parece uma (fada), que um
contador de contos, vulgo escritor, caminhava pela praia contando o tempo que
lhe restava para entregar a seu editor seu próximo livro de contos, livro que
certamente lhe traria alguns bons contos, não de réis, que é moeda antiga, mas
de reais, e até quem sabe, contaram-lhe, de dólares e euros bem contados.
Enquanto contava o tempo, os
passos, e os espaços de duração entre uma onda e outra, avistou ao longe, em
sua caminhada, uma menina (a tal que te contei parecer uma fadinha). Ela
vinha em sua direção, mas parava de tempos em tempos, apanhava algo no chão,
contava de um a três e lançava o que quer que fosse que estivesse em suas mãos,
ao mar.
Curioso com a cena ficou, como
ele viria a contar depois a seus amigos, e contou que ela já devia ter lançado
o que quer que fosse ao mar, umas seis vezes naquele curto espaço de tempo. Ao
se aproximar da menina, o contador de contos percebeu que ela lançava estrelas-do-mar
de volta ao seu habitat antes que elas morressem na inóspita areia da praia.
Curioso, perguntou à menina o que e o porquê de estar fazendo aquilo. Ela
sorridente, em sua simplicidade de criança, lhe contou que estava lançando as
estrelas-do-mar ao mar, porque elas eram estrelas do mar e não da terra ou dos
céus, e que isto evitava que elas morressem.
O escritor conteve o riso,
pensou em silenciar, mas contar vantagem sempre faz bem pro ego, especialmente
dos que contam com baixa auto estima, e assim, sarcasticamente, perguntou à
menina: “você não conta com a razão? Não sabe que se for contar a quantidade de
estrelas-do-mar que morrem esturricadas no sol dos, contados, milhares de
quilômetros de litoral de nosso país, tem-se uma contagem infinitamente
superior às que você tem devolvido ao mar?”
Talvez a menina já contasse
com esse tipo de pergunta, porque outros que já contam vários anos a mais
vividos, os ditos adultos, já teriam contado a ela essa mesma monótona
situação. Ele certamente não contava era com a resposta da menina.
Ela calmamente abaixou-se para
pegar uma nova estrela-do-mar , e então contou-lhe seu segredo: “para essa
estrela-do-mar eu fiz a diferença!”. Ao contar isso, contou de um a três e com
toda a força de seu pequeno braço, arremessou a estrela-do-mar de volta ao…
mar.
Conta a história, que desde
esse dia a menina passou a contar com a constante presença do contador de
contos junto a ela. Conta-se ainda que estão fazendo a diferença pelo mundo
afora, vivendo a vida e não contos de fada.
Por incrível que pareça, essa
história voltou à minha mente por esses dias, depois da repercussão da
“visitinha básica de comadres, compadres e compatriotas”, da comitiva da
presidente da república brasileira a Portugal. Gostei sobretudo deste trecho do
texto contado (no Observatório Feminino no dia 28.01.2014)
pela jornalista Talita Corrêa:
“com essa estadiazinha
dispendiosa, Dilma poderia construir cinco casas populares em Chão de Estrelas,
comunidade pobre do Recife. Poderia distribuir 1.400 cestas básicas no Complexo
de Manguinhos, na Zona Norte do Rio. Poderia comprar 80 camas hospitalares para
a sucateada rede pública de saúde de São Paulo”.
Ao mostrar minha indignação,
alguns diminuíram o fato e me contaram (como se eu não soubesse) que 5 casas
não são nada diante do déficit habitacional brasileiro acometido por uma bolha
imobiliária prestes a estourar. Me contaram ainda, que 80 camas hospitalares
não significa quase nada diante da imensa necessidade de leitos hospitalares em
nosso país para que médicos brasileiros, cubanos ou da conchinchina possam
atender dignamente seus pacientes. E me contaram quase às risadas que 1400
cestas básicas são como uma gota no oceano de fome e miséria que toda a
“maquiagem” feita pelos estatísticos dos governos não consegue esconder.
Contaram-me que era tempestade em copo d’água por causa de um “jantarzinho”…
sempre se fez isso no quilométrico litoral de nossa história enquanto país.
Quando me contaram tudo
isso, especialmente quando usaram a palavra “oceano” e “água”, me lembrei da
menina do conto do contador de contos e então pensei na diferença que 80 camas
hospitalares poderia fazer na emergência de um grande hospital público onde
pessoas são amontoadas em corredores, no chão, com dores lancinantes e
familiares desesperados. Pensei ainda na diferença feita pelo alívio daquela
dor de fome doída que 1400 cestas básicas poderia proporcionar. E pensei lá na
comunidade de Chão de Estrelas, a qual a Talita se refere. Cinco casinhas
fariam uma diferença enorme para uma comunidade onde o próprio nome parece
sincronicamente ligado ao conto aqui contado, onde estrelas são deixadas no
chão para morrerem abandonadas por aqueles com quem contamos para nos
representar.
Tempestade em copo d’água?
Estadia inesperada? Jantarzinho simples? A conta paga com dinheiro próprio?
Sei… Conto do vigário, isso sim… Ah, conta outra… e se estou exagerando, põe na
conta… só posso dar conta da minha própria opinião.
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