“Não existe nada mais prático
do que uma boa teoria”.
Frase de Kurt Lewin que minha orientadora no
mestrado, a Profa. Sônia Calado Dias, não se cansa de repetir. Pois bem, não
que eu tivesse dúvidas, muito pelo contrário, mas hoje vi isso acontecendo in loco durante as manifestações que
ocorreram em Recife.
Quando dou aula sobre
liderança eu sempre começo com a base teórica que afirma que duas premissas são
essenciais à liderança:
1. que existam liderados; e
2. que os liderados reconheçam
a liderança.
Pode parecer óbvio, e é, porém
na prática gerencial do dia-a-dia muitos esquecem das obviedades. Não significa
em nenhuma hipótese que na prática a teoria seja outra, pois como disse no
começo, faço côro com Kurt Lewin. O que acontece é que o discurso é um e a
prática (que esquece a teoria, a boa teoria para ser mais claro) é outra.
Na cena mais forte que assisti
na passeata de hoje, um grupo formado por militantes do PT, do PCdoB, da CUT e
da UNE, com bandeiras de seus partidos e/ou movimentos, foi cercado pela multidão
que os forçou a baixar as bandeiras sob gritos de acusação (oportunistas!) e de
súplica (sem partido!). A foto que tirei e vai em anexo mostra os militantes
partidários atônitos ante à ação da multidão. Quiseram claramente se aproveitar
da força do movimento, pegando carona e quiçá desejando assumir o protagonismo
do manifesto, mas o povo não deixou. E o espanto deles acontece justo porque se
esqueceram da obviedade de que para liderar é preciso ter liderados que
reconheçam a liderança.
E por que o povo não mais
reconhece a liderança desses movimentos? A resposta é ainda mais óbvia. Eles
deixaram de representar o povo. Pensaram apenas em manter-se no poder, em fazer
negociatas, em se infiltrar nos sindicatos e entidades de classe que se calaram
ante às injustiças cometidas pelos governos dos quais são, aí sim,
representantes. O que aconteceu não deveria deixá-los atônitos por terem sido
isolados, pois eles próprios se isolaram das necessidades do povo. Emudeceram diante
de toda a corrupção, deixaram um Renan Calheiros assumir a presidência do
Senado, fecharam os olhos ante a condenação dos mensaleiros, deixando inclusive
alguns deles nas principais comissões do Senado e da Câmara.
Dirão que outros partidos que
assumiram o poder antes fizeram a mesma coisa ou pior, como se a política do “somos
os menos ruins” justificasse. Dizer que os outros também roubavam é
vergonhosamente assumir que estão roubando também, que são, como na expressão
popular, “farinha do mesmo saco”.
Mas o pior dos crimes talvez seja o de roubar
sonhos. Quando subiram ao poder numa “onda vermelha”, fizeram o povo acreditar
que um Brasil novo e livre da corrupção seria possível. Muitos com lágrimas nos
olhos viram seus sonhos se tornarem realidade para depois, com mais lágrimas
nos olhos perceberem que o sonho real era na verdade um grande pesadelo.
O que eu vi hoje não foi
ausência de lideranças e sim, justamente o contrário. Vi uma multiplicidade de
lideranças. Vi centenas de jovens líderes a frente de centenas de pequenos
grupos, protestando por um mundo melhor. Representantes, estes sim, dos anseios
do povo simples, do povo de classe média, do povo acuado por uma alta carga
tributária, do povo que quer escola, do povo que sofre nos hospitais, do povo
que é visto com preconceito, do povo que não tem emprego, do povo que
simplesmente quer ter o direito de ter uma vida digna sem ter que sustentar uma
corja de políticos, de todos os partidos (por isso o grito/súplica de “sem
partidos!”), corruptos, que riem do povo e se esbaldam com o dinheiro ganho de
forma suada por quem realmente trabalha.
Não é uma ausência de
lideranças. É sim uma multiplicidade de lideranças. O que deixa os políticos em
uma “sinuca de bico”, porque os seus representantes partidários e militantes não
podem ser subornados. Não dá para “comprar” toda uma multidão. Aí ficam
querendo enfraquecer o movimento dizendo que os manifestantes estão difusos,
que não sabem o que querem, que não têm lideranças, que não podem negociar.
O que eu vi na verdade,
esperançoso, foi se concretizar na passeata, um modelo que alguns teóricos há
algum tempo insistem que será o mais adequado para a liderança na era do
conhecimento, na era digital: o modelo teórico que surge da metáfora de
organizações como bandas de jazz. Não é desorganização, mas sim uma organização
que segue um novo paradigma, uma nova forma de atingir os objetivos.
Posso estar sendo prematuro. É
possível! Mas se todo mundo por aí faz prognósticos, quero fazer também o meu.
Então escrevam aí: temos mais a aprender em termos de liderança com essa juventude que está indo às ruas do que a ensinar,
até porque serão eles que vão desenhar as organizações do futuro. Ou melhor, eles
já estão desenhando o futuro, hoje.
O “liderar” do #vemprarua vai
se transformando rapidamente no”liderar” que #vemdarua.
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