sábado, 15 de setembro de 2012

SONO


Ele passou a noite no hospital para fazer um exame do sono, o que pareceu a maior das ironias pois a última coisa que ele sentiu naquela noite foi sono, até porque para quem já tem problemas crônicos de insônia e outros distúrbios do sono, passar sete horas num quarto escuro, numa maca de hospital, preso a todo tipo de fios e eletrodos na testa, orelhas, nariz, peito, pernas, dedos, sem poder se levantar, sem poder ler, sem poder assistir tv, sem poder nem ir ao banheiro, com um monitorzinho indicando números variando para cima e para baixo sem saber o que significam, tendo por única distração um smartphone quase descarregado, olhando o e-mail e o facebook e as horas que teimavam em não passar, bem, dormir era mesmo uma missão quase impossível. Ao menos resta o consolo de que os aparelhos devem ter conseguido dados o suficiente para um bom diagnóstico do não-sono.

Contudo, a experiência transcendeu a literalidade da situação. Talvez por nas últimas semanas, terapeuticamente, ele ter entrado em contato com sua criança, tudo lembrava o pesadelo que o atormentava naquela época, o de estar enterrado vivo, preso em um caixão, diante de um contador, curiosamente muito similar à tela digital de seu smartphone, contador este que registrava a passagem dos anos e que acelerava indefinidamente.

Em um dos momentos de maior angústia, Depois de pouco mais de duas horas preso ao "laboratório do sono", como chamam lá, Deus parece ter tido piedade. Ele conseguiu se acalmar instantaneamente e dar um breve cochilo. Esse consolo chegou, como chega um beijo, como chega uma prece de alguém que se ama.

Mas aí um barulho o acordou e lhe tirou daquela bem vinda letargia e as horas de angústia que se seguiram o deixaram debilitado, a sombra do pesadelo ao seu lado, a situação como uma metáfora da vida e ao final o compromisso de exorcizar esse pesadelo tão antigo. Como diz o Osho, crescer é doloroso porque passamos  a vida evitando a dor, que não some, apenas fica depositada em algum lugar de nosso inconsciente.

Ao final ele saiu do hospital cansado, sonolento, debilitado e profundamente angustiado, mas com o firme propósito de continuar a enfrentar as dores que forem necessárias para crescer e sair daquele pesadelo de criança, ser ele mesmo, sem máscaras, sem disfarces. Um passo de cada vez, mas sem voltar atrás, com a paciência de um velho eremita que sabe que ao final da jornada encontrará o que buscou a vida inteira e que terá ainda uma vida inteira para desfrutar dos resultados de sua busca, porque quando se compromete com a mudança e a torna real, se nasce novamente, se ressuscita para uma vida nova, livre dos pesos e dos pesadelos. Amém!

Um comentário:

  1. Muito bom o texto Luiz.. Nem sabia que tinha voltado a escrever... Estarei sempre por aqui...
    Abraço de um dos seus leitores-fã...
    Victor Souza

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