quinta-feira, 30 de agosto de 2012

CONTOS DA LUA #3: Certas Coisas (agosto, 2012)

Lua cheia no céu, novo conto da lua no Palavrador... E em agosto desse ano, essa é a segunda lua cheia...

Meu terapêutico exercício semanal é o de contemplar mais e tentar entender menos, até porque, como me foi lembrado, segundo Clarice Lispector, "não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento".

Pensando assim, dentre tantos contos da lua, escolhi um em que a lua me contou em estado quase contemplativo. Ela me deu poucos detalhes sobre seus dois amigos, por isso os chamarei aqui apenas de "ela" e "ele".

Se conheceram em um cruzeiro rumo à Europa, daqueles cruzeiros de muitos dias e muitas noites, com muitas atividades e atrativos. Eles até se empenharam nos primeiros dias em cumprir a agenda de atividades. Assim acabaram se conhecendo. Até participaram juntos de algumas dinâmicas, tomaram parte de um mesmo grupo, mas sempre de modo muito formal.

Em uma noite, ao acaso, ficaram a sós na área externa do navio, na verdade um grandioso transatlântico. Começaram a conversar e ele percebeu que ela era de uma leveza extraordinária. Ela gostou das histórias que ele contava. Sem perceberem, mas com a lua sob testemunha, avançaram na conversa madrugada a dentro e só deram conta do passar do tempo, quando no horizonte um sol preguiçoso começou a nascer, um sol que parecia querer demorar a raiar, apenas para deixar sua amiga lua presenciar mais daquela conversa.

E o encanto surgiu aos poucos mas de forma intensa. O apaixonar-se entre eles foi tão natural que não sabiam ao certo quando tudo começou. A lua afirma que foi quando ela olhou pela primeira vez no fundo dos olhos dele e quando ele olhou pela primeira vez nos olhos dela. A sensação de encaixe foi perfeita.

Mas não se declararam imediatamente um ao outro. Foram conversando, se olhando, até escrevendo bilhetinhos. Ela deixou o trecho da música "Certas Coisas" do Lulu Santos escrito em um guardanapo por baixo da porta do quarto dele. Ele, exagerado, escreveu até cartas para ela. E os dias e as noites no cruzeiro foram se passando. O tempo não era relativo, o tempo era eterno.

Na lua cheia se beijaram pela primeira vez. E ela falou a ele sobre os defeitos que tinha e sobre seu medo de que eles fizessem ele desistir dela. Ele se apaixonou ainda mais por ela. Não um apaixonar-se, exceto pelos defeitos. Não um apaixonar-se apesar dos defeitos. Mas um apaixonar-se pelo que ela chamava de "defeitos" e prometeu que nunca desistiria dela. Ele, pela primeira vez em toda vida foi ele mesmo. Contou-lhe coisas que nunca imaginou que contaria a alguém e ficou com medo que ela desistisse dele por ele ser tão complexo. Ela sorriu e disse que já o observava muito antes, que muito do que ele disse não lhe era novidade e que o amava do jeito que ele era. E ele chorou pela primeira vez em muito tempo, pois se sentiu amado pelo que ele era de fato, sem máscaras, sem interpretações.

A presença de um bastava tanto ao outro que não foram mais a nenhuma das atividades do navio até a última noite da viagem. Contudo, ele sugeriu participarem da última festa, queria lhe fazer uma surpresa. Chegando ao salão de festas, ele vestido em um elegante terno, a viu de longe, próxima a um piano. Vestido comprido e elegante em um tom de rosa mais escuro, com um decote provocante, costas nuas e alças que se amarravam ao pescoço. Ele se aproximou dela, ela sorriu e, virando-se de costas pediu que ele desse um laço melhor nas alças e ele, com as mãos trêmulas, fez o melhor que pôde. Ele então pediu licença a ela e disse que voltava rápido. Ela achou meio estranho, mas ficou observando-o se dirigir até a orquestra, falar com o cantor e sorrir de longe para ela. Foi quando a orquestra começou a solar uma música que ela conheceu antes mesmo da letra começar... "Certas Coisas"... Ele a convidou para dançar. Ela disse que não sabia e ele disse que era mais uma coincidência entre eles. Ele completou então dizendo que aquilo não seria uma dança, seria uma vida e seria para sempre...

Não existiria som
Se não houvesse o silêncio
Não haveria luz
Se não fosse a escuridão
A vida é mesmo assim,
Dia e noite, não e sim...

Cada voz que canta o amor não diz
Tudo o que quer dizer,
Tudo o que cala fala
Mais alto ao coração.
Silenciosamente eu te falo com paixão...

Eu te amo calado,
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncios e de luz.
Nós somos medo e desejo,
Somos feitos de silêncio e som,
Tem certas coisas que eu não sei dizer...

A vida é mesmo assim,
Dia e noite, não e sim...

Cada voz que canta o amor não diz
Tudo o que quer dizer,
Tudo o que cala fala
Mais alto ao coração.
Silenciosamente eu te falo com paixão...

Eu te amo calado,
Como quem ouve uma sinfonia
De silêncios e de luz,
Nós somos medo e desejo,
Somos feitos de silêncio e som,
Tem certas coisas que eu não sei dizer...


A lua parou de me contar a história nesse instante e antes que eu dissesse qualquer coisa ela simplesmente me disse: "contemple! não tente entender! apenas contemple!"

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