sábado, 7 de julho de 2012

CUIDAR


Ao contrário de minha postagem anterior, mais impulsiva, esse texto está mais condizente com o espírito do blog pois vem de longa data a vontade de escrever sobre o assunto. Falar de doença nunca é fácil, talvez por isso a dúvida sobre conseguir ou não falar sobre. Bem, talvez uma doença, digamos, mais física fosse um pouco mais fácil, mas uma doença de fundo psicológico carrega sempre uma certa dose de preconceito, como se pegar uma gripe fosse aceitável, mas ter depressão, não. Confesso que o preconceito primeiro e maior foi mesmo meu, em relação a mim mesmo, embora não seja fácil para as pessoas encarar esse tipo de doença, pois não somos ensinados a lidar com isso. Talvez por essa razão também, para poupar as pessoas do constrangimento de não saber o que dizer, que acabei contando para um número muito reduzido de pessoas e mesmo nessa pequena amostra deu pra sentir como é difícil lidar com alguém assim. A quem ler essa postagem peço, se possível, que não se preocupe em falar algo da próxima vez que nos encontrarmos, apesar de tudo, continuo sendo o mesmo de sempre, ou talvez não, mas o importante é que é algo que faz parte da vida e da natureza humana, mais comum do que podemos supor, por isso, relaxa (risos). Eu tenho ouvido tantos desabafos de pessoas que passam por problemas semelhantes e que me pedem conselhos, que não estive sendo honesto em não contá-las que o que me faz entender tão bem e ter uma afinidade fora do comum, como me disseram outro dia, com pessoas que passam por tais dificuldades, é justo por experimentar em mim mesmo, tudo aquilo que me contam reservadamente.

Há pouco mais de um ano atrás recebi o diagnóstico da depressão. Embora vários indícios e fatos anteriores (alguns bem anteriores) já indicassem isso, os sintomas e sentimentos à época não deixaram dúvidas. Meu médico então, me sugeriu fortemente procurar um terapeuta, indicando até um nome. Confesso que saí do consultório abatido, embora nada surpreso, pois era algo já evidente, mas ouvir o diagnóstico não foi fácil. Fiquei com o nome e o telefone da terapeuta por vários dias, pensando se ligaria ou não. Decidi procurar no google qualquer coisa que me falasse sobre a profissional, mas é evidente que as reservas do processo terapêutico não estariam assim expostas na Internet e sim, nem tudo está na rede. Por coincidência (ou seria melhor dizer sincronicidade?), quando desisti de saber algo mais sobre a terapeuta, ao entrar no facebook, me deparei com um convite para participar de um grupo de arteterapia que começaria em poucos dias, com apenas 10 vagas disponíveis. Não sabia realmente do que se tratava, mas tomado por um impulso pouco comum a mim nesses assuntos, de imediato enviei um e-mail pedindo mais informações. Fui respondido rapidamente pelo facilitador e acabei confirmando minha inscrição no grupo.

De certa forma a razão pela qual estou escrevendo agora é porque neste dia de hoje, 07 de julho (7 de 7, e o 7 é um número que merece uma postagem só para ele), faz um ano do primeiro encontro do grupo. Fui apenas para ver como era, dizia para mim mesmo. Acabei indo, a partir daquele dia, até o final do ano, todas as quintas-feiras à noite para o encontro. E se alguém ouviu de mim qualquer justificativa para não ir a algum compromisso na quinta à noite, tal como "grupo de estudo", "preparação de seminário para o dia seguinte no doutorado" ou outra explicação esfarrapada qualquer, peço que me desculpe. Não fiz por mal. Éramos 10 no primeiro encontro; 5 no último. Mas não éramos certamente, os mesmos 5 daquele grupo de 10 do primeiro dia. Muito em nós começou a mudar ali e continua até hoje...

Nesse primeiro dia, de posse do endereço, terceiro andar de um prédio do Recife Antigo, chego num bar onde ninguém sabe de nada. Dou voltas em torno do local e já pensando em desistir resolvi fazer uma última tentativa ligando para o facilitador e depois dele me atender dando o bar como ponto de referência, que era em frente ao prédio correto, entendi que, por uma dessas loucuras de quem determina os endereços, a rua tinha a mesma numeração tanto do lado esquerdo quanto do direito. Descobrindo enfim o local, subi até o terceiro e último andar do prédio em uma escada que rangia mais do que em filmes de terror. O aspecto sombrio do prédio antigo também não ajudava muito, mas incrivelmente eu subi com muita confiança e só mais tarde, quando o facilitador evocou a possibilidade de que alguns de nós talvez tivesse ficado ressabiado com a escada e a aparência do prédio, foi que eu percebi que deveria ter me sentido assim, mas não fiquei. Durante o encontro e em outros tantos mais, certamente como um mecanismo de defesa, procurei me abstrair da situação como se eu estivesse ali para observar e ajudar os outros e talvez aprender algo que me ajudasse em sala de aula, sem reconhecer que eu precisava de ajuda. Isso foi mudando aos poucos e talvez até hoje não tenha mudado completamente, mas mudei muito minha postura ao longo das semanas.

Não vou falar das pessoas do grupo e nem do que lá acontecia, até porque o processo terapêutico é reservado, mas posso dizer que me impressionou muito como cada atividade artística que realizamos contava mais um pouquinho de cada um de nós e até de mim que sempre fui muito reservado para a maioria dos assuntos. O tema escolhido pelo facilitador para o grupo é o mesmo que dá o título dessa postagem, "cuidar", e isso sincronicamente tinha muito a ver com o que me levou até lá. Era preciso sim cuidar dos outros, mas sobretudo, cuidar de si próprio. A lição é tão difícil de aprender que ainda hoje incorro nos mesmos erros, mas ao menos reconhecer-se errado ou talvez limitado seja o princípio da mudança. Assim espero, pois os encontros acabaram enquanto entidades físicas, concretas, objetivas, reais, mas continuam enquanto momentos que passam a fazer parte da vida da gente. Dá para entender melhor o que a raposa disse ao pequeno príncipe no livro do Exupéry de que tudo valeu a pena pelos "campos de trigo". Na passagem o príncipe se despede da raposa que, na sequência, diz que vai chorar, mas que valeu a pena toda a amizade, porque sempre que ela olhasse os campos dourados de trigo lembraria dos cabelos dourados no pequeno príncipe. Assim, não são com os mesmos olhos que hoje vejo tintas, lápis, cartas de tarô, máscaras, músicas, papéis, recortes... tudo valeu a pena, muito a pena, tudo foi, é, e sempre será muito "ok".  E por falar em olhos, talvez tenha sido o principal elemento que me "perseguiu" durante aqueles meses... como foi difícil olhar nos olhos, falar sobre o olhar, ouvir falar sobre não olhar e como foi bom aprender a "olhar nos olhos", a enxergar com os olhos da alma, enfim com os dois olhos e não apenas um, como nuns bonecos japoneses que também fizeram parte dessa história.

Hoje, passado exatamente um ano, bate aquela sensação de não ter conseguido avançar. Sei que meus amigos de jornada no grupo arteterapêutico também de vez em quando pensam assim. Mas da mesma forma que não se atravessa o mesmo rio duas vezes, porque nem o rio e nem nós somos os mesmos, ao menos estamos diferentes, mais felizes quem sabe, mas com certeza mais fortes e mais preparados para enfrentar os nossos próprios medos, anseios, dúvidas... A vida tem seus altos e baixos como nas montanhas-russas, mas isso é quase mais um detalhe. Que esta mensagem nos ajude a cuidar mais, dos outros e de nós mesmos. Sempre!

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