A série sobre "Contos da
Lua" foi idealizada na postagem "Mundo da Lua" e comentada em
outras postagens (clique AQUI para lê-las) que têm, neste blog, a palavra
"lua" como tag. Na última
dessas postagens, "Sobreviver (um preâmbulo aos contos da lua)",
prometi que a cada nova lua cheia, poria no ar um novo conto da lua, exceto o
primeiro desses contos, agendado para o meio desse mês, mesmo sem ser lua
cheia, porque remonta a uma data especial acontecida há quase 40 anos, data, à
época, que ocorreu sob lua cheia. A data era 14 de julho, porém, por uns
compromissos assumidos de última hora, só hoje estou conseguindo pôr no ar o
primeiro conto da lua: a história de um casal que durante anos sonhou um com o
outro tendo a lua como elemento de ligação, que se conheceram há pouco mais de
40 anos, começando a namorar em seguida, e que num 14 de julho, dia da queda da
Bastilha, marco da Revolução Francesa, há 39 anos, ficaram noivos, vindo a
casar pouco mais de 2 anos depois. Esse conto é a versão da lua para o amor de
Luiz e Maria, meus pais.
Ele nasceu no interior de
Alagoas. Ela no interior de Pernambuco. A cidade dele protegida por Santana,
mãe de Maria. A dela, protegida por São José, esposo de Maria. Santana do
Ipanema e Bezerros, os nomes da cidade. Mas não nasceram no centro, nasceram na
área rural. Ele num povoado chamado Queimadas do Rio e ela num lugarejo chamado
Beira do Rio. O rio dele era o Ipanema, o dela o Ipojuca, ambas palavras
indígenas que significam "água sem peixes" e "água escura",
respectivamente. Ambos
nasceram sob luas cheias. Ele nasceu no dia de São João. Ela no dia do professor.
Coincidentemente os três filhos deles seriam mais tarde professores.
Ele, a noite, olhava para a lua e desejava ir para um lugar maior onde pudesse trabalhar no que gostasse e não no roçado. Ela, a noite, olhava para a lua e desejava ir para um lugar maior onde pudesse estudar. Ele sempre foi muito traquina. Ela sempre muito esperta. Ele muito sorridente. Ela muito séria. Ela veio primeiro para o Recife, na verdade Jaboatão, bairro de Cavaleiro. Ele veio depois para o Recife, na verdade Olinda, bairro de Ouro Preto. Ela foi morar com os avós paternos. Ele com os tios. Acabaram se encontrando, agora sim, em Recife, na mesma rua, Direita, centro da cidade, trabalhando em lojas quase de frente uma para a outra. Ele insiste até hoje que era ela que olhava para ele. Ela jura que era o contrário. O que ninguém explica é como um sabia que o outro olhava. A lua acabou o mistério, eles olhavam, disse-me ela, alternadamente, um para o outro, talvez por isso explique-se o fato de que minha cena de cinema favorita seja a de um casal fazendo coisa parecida (para ver a cena no youtube, clique AQUI). O poder do olhar...
Um dia, final de tarde, começo
da noite, ela larga do trabalho para ir à escola. No meio do caminho uma chuva,
uma chuva no meio do caminho. Ela se protege debaixo da marquise de uma loja.
Ele havia saído antes, mas a chuva o pegou também no caminho e lembrou-lhe do
guarda-chuva esquecido. Voltou para buscar. Enquanto voltava a encontrou.
Disse-lhe para esperar que ele estava indo buscar o guarda-chuva e lhe daria
uma "carona". Ela esperou. Ele a levou à parada. Ele pegou o mesmo
ônibus que ela, que ia para o lado oposto de onde ele morava. Iria fazer
companhia a ela até o colégio. Bem, nesse dia ela não assistiu aula. De modo
irônico, pode-se dizer que três professores vieram ao mundo porque a mãe deles,
uma vez na vida, resolveu matar aula, tentada que foi pelo simpático pai deles
que tinha uma conversa eloquente e cativante. A lua que testemunhou aquela
primeira conversa e o início daquele namoro era crescente, tão crescente quanto
o amor deles se mostraria ao longo dos mais de 40 anos que se seguem desde
então.
Nem tudo foi tão perfeito.
Brigaram por motivo que mereceria uma crônica só sobre isso (quem sabe um dia)
e o afastamento deles foi doído demais um para o outro, e doído para a lua que
não mais via junto o casal que ela um dia viu nascer, crescer, sonhar, lutar,
se encontrar e se apaixonar. A reconciliação ocorreu quando o avô dela adoeceu
e ele foi ao hospital fazer uma visita. Ela o acompanhou quando saia e descendo
pelas escadas, olhando um para o outro, ele a pegou em seus braços e a beijou.
Ambos sentiam muita falta um do outro. Será mais uma coincidência que a segunda
cena de cinema que eu mais gosto (cena com o mesmo casal mas num segundo filme,
que é uma continuação do primeiro) seja justo numa escada? (Não encontrei a
cena completa no youtube, mas AQUI há um link para o thriller do filme e em
1'38", mais ou menos, dá para ver um curto trecho da cena).
Como a reconciliação aconteceu na escada, a lua não viu o beijo, mas deu seu
testemunho de que a luz havia voltado ao olhar daqueles dois jovens, luz que
refletia a luz da lua que refletia a luz do sol, reflexos de um amor sem
tamanho.
Mas a prova definitiva ainda
estava por vir. Pouco tempo depois do noivado naquele 14 de julho, ele foi
transferido para Salvador, onde passou cerca de um ano. Numa época onde
telefones fixos eram raros e caros, onde celulares com ligações mesmo que limitadas
não existiam, mensagens de sms não eram nem mesmo sonho e e-mails só em ficção
científica, aquele amor se sustentou a base de cartas que demoravam alguns dias
para chegar ao seu destino. E foram centenas de cartas que os filhos se
divertiram muito lendo, anos depois, quando foram reunidas em vários blocos.
Riam daquelas cartas tão sensivelmente ridículas, pois como disse Fernando
Pessoa, "todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor
se não fossem ridículas". Só quem ama entende o que dizia aquelas cartas
ridículas, narrando pequenas coisas do cotidiano e a saudade que aplacava
aqueles dois corações separados por mais de 800km. A lua foi de extrema
importância nesse momento. Eles mandavam recados um para o outro através dela.
E quantas vezes, ao olharem ao mesmo tempo para a lua, pelo seu reflexo, se
viam e se amavam ainda mais.
E eles se casaram em noite de
lua cheia. E em noites de lua crescente, uma em dezembro de 1976, outra em
fevereiro de 1978 e a última em fevereiro de 1982, a família cresceu. E cresceu
o número de histórias que a lua poderia contar sobre o amor daqueles dois. Vou
contar uma das mais recentes. Ela foi diagnosticada meses atrás com uma doença
muito séria que careceria de uma complexa cirurgia no cérebro e de um
tratamento posterior. No hospital ele fez questão de ficar a maior parte do
tempo possível com ela. Ele que sempre sorria chorou várias vezes, mesmo
tentando ser forte na frente dos filhos. A lua testemunhou a conversa das enfermeiras
que se admiraram de como eles se amavam, de como ele a beijava sempre e com
muito carinho, mesmo depois de tantos anos casados. No dia da cirurgia que
durou quase 10 horas ele não arredou o pé do hospital. Eu estava ao lado dele
praticamente todo o tempo e dava pra entender o que o Nando Reis quer dizer
quando canta "...pra você guardei o amor
que aprendi vendo os meus pais..."
Minha fé de filho ainda é pouca,
admito, mas a fé que surge do amor salva e cura, e embora ainda em tratamento,
o fato dela ter saído da cirurgia sem sequelas e estar se recuperando a cada
dia, mostra que a cura diária acontece mesmo pelo amor, disso não tenho mais
dúvidas.
Minha oração é para que Deus
continue a abençoar esse amor tão antigo para que a lua possa me contar feliz,
novas histórias sobre eles, mesmo que elas não venham parar aqui neste blog, até
porque a lua quer que eu conte outras tantas histórias que ela testemunhou em
suas mais diversas fases. Assim, até a próxima lua cheia!
:-)
ResponderExcluir