quinta-feira, 19 de julho de 2012

CONTOS DA LUA #1: Luiz e Maria (julho, 2012)


A série sobre "Contos da Lua" foi idealizada na postagem "Mundo da Lua" e comentada em outras postagens (clique AQUI para lê-las) que têm, neste blog, a palavra "lua" como tag. Na última dessas postagens, "Sobreviver (um preâmbulo aos contos da lua)", prometi que a cada nova lua cheia, poria no ar um novo conto da lua, exceto o primeiro desses contos, agendado para o meio desse mês, mesmo sem ser lua cheia, porque remonta a uma data especial acontecida há quase 40 anos, data, à época, que ocorreu sob lua cheia. A data era 14 de julho, porém, por uns compromissos assumidos de última hora, só hoje estou conseguindo pôr no ar o primeiro conto da lua: a história de um casal que durante anos sonhou um com o outro tendo a lua como elemento de ligação, que se conheceram há pouco mais de 40 anos, começando a namorar em seguida, e que num 14 de julho, dia da queda da Bastilha, marco da Revolução Francesa, há 39 anos, ficaram noivos, vindo a casar pouco mais de 2 anos depois. Esse conto é a versão da lua para o amor de Luiz e Maria, meus pais.

Ele nasceu no interior de Alagoas. Ela no interior de Pernambuco. A cidade dele protegida por Santana, mãe de Maria. A dela, protegida por São José, esposo de Maria. Santana do Ipanema e Bezerros, os nomes da cidade. Mas não nasceram no centro, nasceram na área rural. Ele num povoado chamado Queimadas do Rio e ela num lugarejo chamado Beira do Rio. O rio dele era o Ipanema, o dela o Ipojuca, ambas palavras indígenas que significam "água sem peixes" e "água escura", respectivamente. Ambos nasceram sob luas cheias. Ele nasceu no dia de São João. Ela no dia do professor. Coincidentemente os três filhos deles seriam mais tarde professores.

Ele, a noite, olhava para a lua e desejava ir para um lugar maior onde pudesse trabalhar no que gostasse e não no roçado. Ela, a noite, olhava para a lua e desejava ir para um lugar maior onde pudesse estudar. Ele sempre foi muito traquina. Ela sempre muito esperta. Ele muito sorridente. Ela muito séria. Ela veio primeiro para o Recife, na verdade Jaboatão, bairro de Cavaleiro. Ele veio depois para o Recife, na verdade Olinda, bairro de Ouro Preto. Ela foi morar com os avós paternos. Ele com os tios. Acabaram se encontrando, agora sim, em Recife, na mesma rua, Direita, centro da cidade, trabalhando em lojas quase de frente uma para a outra. Ele insiste até hoje que era ela que olhava para ele. Ela jura que era o contrário. O que ninguém explica é como um sabia que o outro olhava. A lua acabou o mistério, eles olhavam, disse-me ela, alternadamente, um para o outro, talvez por isso explique-se o fato de que minha cena de cinema favorita seja a de um casal fazendo coisa parecida (para ver a cena no youtube, clique AQUI).  O poder do olhar...

Um dia, final de tarde, começo da noite, ela larga do trabalho para ir à escola. No meio do caminho uma chuva, uma chuva no meio do caminho. Ela se protege debaixo da marquise de uma loja. Ele havia saído antes, mas a chuva o pegou também no caminho e lembrou-lhe do guarda-chuva esquecido. Voltou para buscar. Enquanto voltava a encontrou. Disse-lhe para esperar que ele estava indo buscar o guarda-chuva e lhe daria uma "carona". Ela esperou. Ele a levou à parada. Ele pegou o mesmo ônibus que ela, que ia para o lado oposto de onde ele morava. Iria fazer companhia a ela até o colégio. Bem, nesse dia ela não assistiu aula. De modo irônico, pode-se dizer que três professores vieram ao mundo porque a mãe deles, uma vez na vida, resolveu matar aula, tentada que foi pelo simpático pai deles que tinha uma conversa eloquente e cativante. A lua que testemunhou aquela primeira conversa e o início daquele namoro era crescente, tão crescente quanto o amor deles se mostraria ao longo dos mais de 40 anos que se seguem desde então.

Nem tudo foi tão perfeito. Brigaram por motivo que mereceria uma crônica só sobre isso (quem sabe um dia) e o afastamento deles foi doído demais um para o outro, e doído para a lua que não mais via junto o casal que ela um dia viu nascer, crescer, sonhar, lutar, se encontrar e se apaixonar. A reconciliação ocorreu quando o avô dela adoeceu e ele foi ao hospital fazer uma visita. Ela o acompanhou quando saia e descendo pelas escadas, olhando um para o outro, ele a pegou em seus braços e a beijou. Ambos sentiam muita falta um do outro. Será mais uma coincidência que a segunda cena de cinema que eu mais gosto (cena com o mesmo casal mas num segundo filme, que é uma continuação do primeiro) seja justo numa escada? (Não encontrei a cena completa no youtube, mas AQUI há um link para o thriller do filme e em 1'38", mais ou menos, dá para ver um curto trecho da cena).  Como a reconciliação aconteceu na escada, a lua não viu o beijo, mas deu seu testemunho de que a luz havia voltado ao olhar daqueles dois jovens, luz que refletia a luz da lua que refletia a luz do sol, reflexos de um amor sem tamanho.

Mas a prova definitiva ainda estava por vir. Pouco tempo depois do noivado naquele 14 de julho, ele foi transferido para Salvador, onde passou cerca de um ano. Numa época onde telefones fixos eram raros e caros, onde celulares com ligações mesmo que limitadas não existiam, mensagens de sms não eram nem mesmo sonho e e-mails só em ficção científica, aquele amor se sustentou a base de cartas que demoravam alguns dias para chegar ao seu destino. E foram centenas de cartas que os filhos se divertiram muito lendo, anos depois, quando foram reunidas em vários blocos. Riam daquelas cartas tão sensivelmente ridículas, pois como disse Fernando Pessoa, "todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas". Só quem ama entende o que dizia aquelas cartas ridículas, narrando pequenas coisas do cotidiano e a saudade que aplacava aqueles dois corações separados por mais de 800km. A lua foi de extrema importância nesse momento. Eles mandavam recados um para o outro através dela. E quantas vezes, ao olharem ao mesmo tempo para a lua, pelo seu reflexo, se viam e se amavam ainda mais.

E eles se casaram em noite de lua cheia. E em noites de lua crescente, uma em dezembro de 1976, outra em fevereiro de 1978 e a última em fevereiro de 1982, a família cresceu. E cresceu o número de histórias que a lua poderia contar sobre o amor daqueles dois. Vou contar uma das mais recentes. Ela foi diagnosticada meses atrás com uma doença muito séria que careceria de uma complexa cirurgia no cérebro e de um tratamento posterior. No hospital ele fez questão de ficar a maior parte do tempo possível com ela. Ele que sempre sorria chorou várias vezes, mesmo tentando ser forte na frente dos filhos. A lua testemunhou a conversa das enfermeiras que se admiraram de como eles se amavam, de como ele a beijava sempre e com muito carinho, mesmo depois de tantos anos casados. No dia da cirurgia que durou quase 10 horas ele não arredou o pé do hospital. Eu estava ao lado dele praticamente todo o tempo e dava pra entender o que o Nando Reis quer dizer quando canta "...pra você guardei o amor que aprendi vendo os meus pais..." 

Minha fé de filho ainda é pouca, admito, mas a fé que surge do amor salva e cura, e embora ainda em tratamento, o fato dela ter saído da cirurgia sem sequelas e estar se recuperando a cada dia, mostra que a cura diária acontece mesmo pelo amor, disso não tenho mais dúvidas.

Minha oração é para que Deus continue a abençoar esse amor tão antigo para que a lua possa me contar feliz, novas histórias sobre eles, mesmo que elas não venham parar aqui neste blog, até porque a lua quer que eu conte outras tantas histórias que ela testemunhou em suas mais diversas fases. Assim, até a próxima lua cheia!

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